Na foto em preto e branco, datada de 17 de agosto 1988, Gert Schinke faz sinal de paz e amor junto à escada que leva ao topo da chaminé do Gasômetro. O ecologista sorridente estava no meio de um protesto pela preservação da orla, empreitada que pararia Porto Alegre naquela quarta-feira — ele e outros integrantes da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) subiram o cartão-postal de 124 metros de altura. Lá, penduraram uma faixa contra uma proposta que estava para ser votada na Câmara Municipal: "não ao projeto Praia Guaíba".
Vinte e nove anos depois, Schinke preserva o bigode, o cabelo penteado para a direita e o hábito de dar trabalho para autoridades — agora, no lado de lá do Rio Mampituba. Baseando-se principalmente no seu livro, O Golpe da Reforma Agrária: Fraude Milionária na Entrega de Terras Em Santa Catarina, publicado em 2015, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão na Secretaria de Agricultura e Pesca de Santa Catarina e no Centro de Informática e Automação do Estado de SC em agosto. Foram recolhidos microfilmes e papéis com registros antigos da reforma agrária — o Ministério Público Federal (MPF) pretende investigar se foram distribuídas áreas da União de forma irregular.
Schinke, 61 anos, mudou-se para Florianópolis há 23 anos, depois de ajudar a fundar o Partido dos Trabalhadores (PT) em 1980 e atuar por um mandato como vereador em Porto Alegre — foi eleito em 1988. Ele largou o PT ainda durante o mandato, ficou um ano no PV e, depois, passou a integrar o PSOL. Mora na praia de Pântano do Sul, em uma casinha com "tudo muito modesto e ecológico".
— Vim para Florianópolis com o sonho de morar na beira-mar. Estava um pouco desgastado com Porto Alegre, quis procurar outros ares — justifica.
Na capital catarinense, começou a se envolver nas lutas contra latifúndios e a fazer pesquisas, usando os até então pouco explorados conhecimentos da formação em História, na UFRGS. Em 4 de setembro, lançou a segunda edição do livro. Também trabalha em uma publicação sobre os cinco séculos de ocupação territorial de Santa Catarina.
Mas um dos maiores orgulhos de Schinke segue sendo a "tomada da Chaminé" — como a Agapan chama o protesto de 1988. Ele lembra da excitação e da ansiedade no dia da ação, quando fizeram crachás de imprensa para enganar o guarda que estava no Gasômetro. Além de cair na lorota, o homem ainda colocou uma escada no pé da chaminé para lhes dar acesso.
— Depois que entramos, "tava" pronta a coisa. Veio a imprensa, militantes começaram a chegar, a Brigada negociando (para descerem). E nós lá em cima, colocando as exigências em potes plásticos de maionese Hellmann's e jogando pra baixo — conta, aos risos. — Éramos os donos do pedaço.
O projeto condenado pelos manifestantes previa a construção de um shopping, um hotel, um centro de convenções e prédios comerciais e residenciais junto à orla do Guaíba. O texto acabou passando na Câmara, com algumas modificações, mas Schinke acredita que o protesto no Gasômetro foi essencial para a preservação da área do Parque Marinha do Brasil. Diz que o ato colaborou para a eleição de Olívio Dutra (PT) como prefeito na sequência.
— O Olívio ganhou a eleição, e, junto com ele, dois vereadores ecologistas da Agapan. Colocamos na mesa dele que, caso efetivasse o zoneamento como aprovado na gestão anterior, tomaríamos atitudes drásticas. No meu caso, deixei bem claro: deixaria o partido e migraria para a oposição. O que de fato ocorreu três anos depois, por inúmeros outros motivos.
Comparando a área ao Central Park, de Nova York, ele se envaidece:
— Conseguimos salvar o Marinha. Ele não existiria mais.