Vem de São Paulo a inspiração da prefeitura de Porto Alegre para uma mudança profunda na forma de gerir os espaços culturais da cidade. A partir de 2018, locais como a Usina do Gasômetro e a Cinemateca Capitólio deverão ser administrados não por funcionários públicos, mas por organizações sociais (OS) – como funciona na Orquestra Sinfônica e no Museu do Futebol da capital paulista.
O plano do Executivo, porém, levanta questionamentos entre produtores culturais e classe artística. Um dos temores é que, com esse tipo de parceria, os espaços fiquem inacessíveis ou muito caros para iniciativas de cultura.
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A ideia da prefeitura é que seja feita uma parceria entre o governo e instituições privadas sem fins lucrativos, como fundações e associações de amigos. De acordo com o secretário-adjunto da Cultura, Eduardo Wolf, a chamada para seleção ainda não tem data definida.
– Queremos organizações que tenham expertise e agilidade para administrar os equipamentos culturais – comenta.
Em São Paulo, o modelo funciona assim: por meio de um contrato, o Estado determina o que deve ser feito pelas OSs – quais atividades serão ofertadas e quantos espetáculos e exposições o espaço poderá receber, por exemplo –, e as organizações atendem à demanda com a verba repassada pelo governo.
– As OSs são movidas a metas: recebem uma quantia de dinheiro e devem fazer o que é pedido pela Secretaria de Cultura. Aquelas que não fazem o que foi pedido, fazem mal feito, perdem o poder de gestão – explica Ronaldo Bianchi, que já foi presidente da TV Cultura e secretário-adjunto de Cultura no Estado de São Paulo.
Na Pinacoteca da capital paulista, gerida pela Associação Pinacoteca Arte e Cultura desde 2006, uma das metas estabelecidas no ano passado era promover visitas guiadas para 16,3 mil estudantes de instituições de ensino públicas e privadas. O local, ao longo de 2016, recebeu 17.320 alunos.
Segundo Wolf, ainda não está definido quais serão os primeiros dos sete espaços culturais a receberem o modelo: Centro Municipal de Cultura, Teatro de Câmara Túlio Piva, Pinacoteca Ruben Berta, Cinemateca Capitólio, Museu Joaquim Felizardo, Arquivo Histórico Moysés Vellinho e Usina do Gasômetro. Um estudo está sendo feito para verificar as necessidades de cada espaço, e a adoção do modelo deve ser gradativa.
Oposição promete brigar contra proposta
O professor de Economia da Cultura na UFRGS e coordenador do grupo de pesquisa Economia, Cultura e Desenvolvimento (UFRGS/CNPq), Leandro Valiati, ressalta que é fundamental "um projeto para que o governo e as instituições trabalhem em cooperação":
– Não dá para simplesmente entregar um equipamento para uma instituição privada, o Estado tem de ter capacidade de acompanhar a gestão. É preciso deixar claro que essa parceria gere benefícios para a sociedade.
Oposição a Nelson Marchezan na Câmara, a vereadora Sofia Cavedon (PT) promete que brigará contra a proposta do Executivo. Conforme a parlamentar, parcerias com o setor privado só são válidas como complemento à gestão municipal em projetos específicos – ou seja, o comando dos espaços teria de ficar nas mãos da prefeitura.
– Um governo não está aqui para favorecer negócios: tem de fazer a gestão pública e oportunizar o acesso a quem não pode pagar – afirma a parlamentar, criticando a cobrança de ingressos "inacessíveis" para uso do Araújo Vianna.
Wolf comenta que a gestão, no entanto, será diferente do modelo adotado no auditório. O espaço cultural é administrado pela Opus – que investiu R$ 18 milhões em sua reforma – e a prefeitura tem o direito de utilizar o Araújo Viannaem datas específicas e custeia serviços de limpeza, segurança e produção dos dias em que promove shows e espetáculos.
– Produtoras e empresas privadas com fins lucrativos não entram na proposta que queremos adotar nesses espaços. O modelo que queremos dá mais controle para o setor público. As organizações sociais serão avaliadas para que uma boa programação seja entregue ao público, e todos os lucros serão revertidos exclusivamente para a atividade fim no equipamento que ela administra – diz o secretário.
Preocupado, o presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos e Diversões do Rio Grande do Sul (Sated/RS), Fábio Cunha, diz ser contrário à iniciativa por não haver um debate envolvendo artistas, produtores culturais, governo e organizações sociais. Cunha comenta que, em outras situações, a parceria público-privada não deu certo porque não houve diálogo:
– O contrato (do Araújo Vianna) foi muito mal discutido na época. Só 25% das datas são da prefeitura. Queremos propor diálogos e audiências para que toda a sociedade se envolva. A não discussão assusta a classe, porque não sabemos como os artistas utilizarão esses espaços.
"O governo precisa participar", diz produtor cultural
O artista circense e produtor cultural Ramon Ortiz tem receio de que a prefeitura se isente das responsabilidades:
– Até então a gente não sabe, realmente, qual é o modelo de gestão que a iniciativa privada pretende impor nos espaços. Essas instituições podem vir a agregar muito desde que todas as responsabilidades de gestão não sejam transferidas a elas. O governo precisa participar também.
Desde 2010 administrando a sala 309 da Usina do Gasômetro, o diretor do Grupojogo, da Usina das Artes, Alexandre Dill, acredita que alguns artistas e produtores culturais são contrários ao modelo porque ainda não houve diálogo:
– As pessoas são contrárias à parceria por realmente não saber o que está estabelecido entre o poder público e a instituição privada. Pode ser uma parceria muito boa, como pode não ser. Particularmente, acho que não se vende a máquina pública. Mas, em alguns casos, administrações com visão de curadoria, como a Aliança Francesa, por exemplo, podem contribuir para a valorização da memória e da cultura de uma sociedade.
De acordo com Wolf, encontros estão sendo promovidos, explicando como a parceria entre governo e organizações sociais funciona em outras cidades a artistas, produtores culturais e organizações sociais em potencial para administrar os sete equipamentos culturais:
– Com diálogo, nós queremos trazer esse modelo para todos. Fizemos um workshop na Secretaria de Cultura, reuniões com artistas na Pinacoteca mostrando como essa parceria funciona em São Paulo e em outras cidades. Convidamos artistas para uma conversa aberta, mas poucos compareceram.
Veja os espaços culturais que podem ser geridos por organizações sociais
Cinemateca Capitólio
Centro Municipal de Cultura
Usina do Gasômetro
Arquivo Histórico Moysés Vellinho
Teatro de Câmara Túlio Piva
Pinacoteca Ruben Berta
Museu Joaquim Felizardo