A suspensão dos pagamentos dos aluguéis sociais em Porto Alegre desde o início deste ano, motivada por uma auditoria da Controladoria Municipal, deverá se estender até julho ou agosto.
Pelo menos 800 dos 1,8 mil beneficiários que dependem do recurso temporário até a oferta de novas casas construídas pelo Departamento Municipal de Habitação (Demhab), já passaram pela avaliação. Destes, mais de 200 processos foram cancelados por conterem irregularidades.
Segundo o diretor-geral do departamento, Mário Marchesan, a constatação do Tribunal de Contas de que pessoas estariam recebendo o benefício sem necessidade ou valores acima do permitido levou a prefeitura a realizar um pente-fino no serviço. Um dos argumentos é que famílias estariam alugando casas de condomínios construídos pelo Demhab, prática considerada proibida, mas que acabou sendo aceita na gestão anterior.
– Tínhamos uma previsão de encerramento desta auditoria no final de junho, mas já pedimos uma prorrogação para o final de julho porque o trabalho ficou muito complexo e não queremos cometer injustiça. Há uma série de problemas no processo de concessão do aluguel social. Hoje, ele atende desde remoção por infraestrutura viária, como por exemplo a Avenida Tronco, até uma região atingida por um sinistro, como é o caso da Liberdade, e ainda tem outros em situação de vulnerabilidade. É preciso organização – explica o diretor-geral.
A avaliação e as suspensões vêm sendo feita em lotes desde janeiro. Funcionários do Demhab estão analisando os contratos e visitando os imóveis. Os maiores empreendimentos avaliados envolvem moradores da Vila Liberdade, do eixo da Avenida Tronco e do Arroio Cavalhada.
Na definição encontrada no site do próprio Demhab, o "aluguel social é um recurso assistencial mensal destinado a atender, em caráter de urgência, famílias que se encontram sem moradia. É um subsídio concedido por seis meses. A família beneficiada recebe uma quantia equivalente ao custo de um aluguel popular".
Em 2014, o Demhab investiu R$ 5,1 milhões em aluguel social. No ano passado, foram R$ 6,2 milhões. Entre as famílias contempladas pelo benefício estão ex-moradores das vilas Asa Branca, Tronco, Liberdade e da Mata. São gastos cerca de R$ 700 mil, por mês, com o pagamento de parte dos aluguéis a ex-moradores de áreas de risco e projetos estruturantes da cidade, moradores de rua e famílias em situação de vulnerabilidade social ainda não contemplados com uma casa.
Com a suspensão no repasse, que em alguns casos chega há quatro meses, famílias estão sendo despejadas dos imóveis e outras acabaram voltando para terrenos irregulares, como na Vila Liberdade, no Bairro Farrapos, Zona Norte da Capital.
É o caso do auxiliar de cozinha desempregado Leomar Seghessi Marcelino, 32 anos, que construiu um casebre de uma peça na antiga Liberdade para se mudar com a mulher e os três filhos – de um, cinco e sete anos. Com aluguel social atrasado há três meses, e ele não teve como manter-se na antiga moradia, no Bairro Mario Quintana.
Desesperado, Leomar voltou para o terreno de onde saiu há cinco anos com a promessa da prefeitura de ganhar um novo lar.
– Perdi o emprego e não tenho mais para onde ir. Voltei para onde haviam prometido construir os apartamentos porque não quero deixar meus filhos embaixo de uma ponte. Tiraram a única coisa que nós tínhamos e agora não resolvem nada – desabafou.
O industriário Jeferson Silva Pacheco, 31 anos, deve fazer o mesmo que o antigo vizinho Leomar. Há quatro meses sem receber os R$ 400 mensais do repasse da prefeitura, ele não consegue pagar os R$ 600 de aluguel de duas peças, onde vive há três anos com a mulher e a filha de 11 anos. Jeferson planeja erguer um barraco na Liberdade, no mesmo terreno de onde saiu para o aluguel social.
– Os donos dos imóveis não estão mais aceitando alugar para quem depende do aluguel social. Entre ficar na rua e voltar para onde morei desde criança, mesmo que não seja o melhor lugar, prefiro voltar para cá – ressaltou.
Temendo seguir o mesmo caminho, a dona de casa Rosa Loureiro, 62 anos, e o marido, o carpinteiro desempregado Antônio Martins, 57 anos, choram a falta de alternativas para deixarem uma única peça sem janelas, alugada por R$ 600 na Vila Tecnológica, no Bairro Farrapos.
Há quatro anos, eles saíram da Liberdade com a promessa da prefeitura de receberem uma nova casa. Até hoje o casal segue dependendo do aluguel social e está com ele atrasado há dois meses.
– Não quero morrer sem antes dar um lar de verdade para os meus filhos. Não é justo vivermos desta forma – desespera-se Rosa, numa cadeiras de rodas desde que fez uma cirurgia na coluna.
De acordo com Erlon Nogueira Lima, da Associação dos Moradores da Vila Liberdade (Amavil), os avanços conquistados a partir das remoções do terreno onde deveriam ser construídos prédios para 700 famílias da vila correm o risco de pararem com a descontinuidade do aluguel social. Cerca de 450 famílias que viviam na Liberdade aceitaram a proposta de aluguel social com a perspectiva de receberem novas casas na mesma região.
– Com a dívida aumentando, elas estão sendo despejadas e ficando sem ter para onde ir. Nem todas famílias têm condições financeiras de pagarem sozinhas os alugueis. Vai ocorrer um retrocesso e estas pessoas correm o risco de voltarem a viver numa favela – afirma Erlon.
Nesta terça-feira (20), uma reunião entre moradores e o Demhab discutirá a situação.