"Meu nome é Neltha Belerius. Tenho 32 anos. Estou no Brasil desde 2015. Eu estou procurando um trabalho. Eu sou haitiana. No Haiti, eu trabalhava como vendedora. Eu sou boa em cozinha. Eu tenho facilidade com falar português. Falo bem".
Foi assim, fazendo a apresentação de quem são e do que sabem fazer, que Neltha e outros 29 haitianos concluíram, na manhã deste sábado, em Porto Alegre, um curso básico de português. Entre os imigrantes, a frase mais repetida é: "Eu desejo um emprego".
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A iniciativa do curso é resultado de uma parceria entre o Centro de Pastoral e Solidariedade e o curso de Letras da Escola de Humanidades da PUCRS, a Paróquia Santa Clara e a Cáritas Arquidiocesana de Porto Alegre.
O curso, ministrado voluntariamente por professores e estudantes da PUCRS, começou em março, visando a atender imigrantes que vivem na Lomba do Pinheiro. As aulas são realizadas em uma sala de catequese da Paróquia Santa Clara, que já tem tradição no auxílio a comunidades carentes e a imigrantes.
No conteúdo deste 1º módulo estavam inseridos tópicos de como se apresentar, como dizer seus dados profissionais, saudações, cumprimentos e profissões. O destaque foi para temas do cotidiano, como transporte, compras e saúde, além de mercado de trabalho.
– Foi uma oportunidade significativa no sentido de estar auxiliando alguém que está chegando num espaço que não é o seu, tentando se adaptar e sobreviver. As aulas tiveram sempre um componente técnico, de língua portuguesa, mas também muito afetivo naquilo que era o dia a dia dos nossos encontros aos sábados, com café e aulas, com as alunas trazendo as crianças. Um ambiente de aprendizado para nós, pois aprendemos muito em relação à cultura deles – conta a professora do curso de Letras e voluntária da ação, Regina Kohlrausch.
A aluna Neltha explicou que começou a aprender a língua sozinha, olhando livros e assistindo TV. Gostou do curso e quer continuar no próximo módulo, que será ministrado a partir de agosto. Dalvimar Délier, 42 anos, veio para o Brasil, onde já vivia um irmão, com dois primos, há dois anos. No Haiti, trabalhava como pedreiro e é o que busca na Capital, mas segue desempregado. Sobre o curso, diz que "aprendeu um pouquinho", e também quer seguir nas aulas. Millan Jeanbaptiste, 41 anos, é eletricista e tem o estudo como meta:
– Preciso continuar para falar bem melhor.
O frei João Osmar Dávila, 65 anos, responsável pelas atividades sociais da Paróquia Santa Clara atesta que a experiência foi muito positiva e que facilita a boa relação da comunidade com os imigrantes.
– Eles começaram a chegar há três, quatro anos aqui na comunidade. Alguns acessavam projetos sociais para ter alimento e roupas. Começamos essa ajuda, mas nos questionamos sobre ser pouco. Víamos que a grande dificuldade para eles é a língua para buscar emprego e se manter trabalhando. Então, surgiu essa parceria para dar o curso de português funcional, uma experiência piloto, com a ideia deles aprenderem a se apresentar e fazer currículo.
"Meu nome é Murielle Dorisca. Tenho 40 anos. Estou no Brasil há um ano e quatro meses. Eu sou cabeleireira. Eu sei limpar, eu sei fazer trança. Eu tenho facilidade em arrumar casa. Quero arrumar emprego. Desejo trazer minha família para o Brasil", lê a aluna, que traz junto para a cerimônia a filha Maria Vitória, de cinco meses.
Muitas crianças pequenas contumam acompanhar as mães ao curso. Enquanto a aula é feita, voluntários se revezam dando colo e brincando. O jardineiro Mitrael Similen, 22 anos, está há um ano no Brasil, e além de emprego, revela durante a leitura do trabalho de conclusão outro desejo, que arranca risos e aplausos do grupo: "quero arrumar uma namorada".
No começo do curso, a comunicação era feita em fracês, transformada progressivamente para o português com atividades de leituras, expressão oral e escrita, e exercícios de reforço de estruturas gramaticais. Além da professora Regina, também foram voluntárias no curso a professora Cristina Perna, do curso de Letras da PUC, e a doutoranda Graziela Andrighetti.
Com a conclusão desta etapa do curso, serão oferecidas agora oficinas de orientação jurídica, de orientação psicológica voltada ao mundo do trabalho e de cupcakes e bolachas decoradas. Também estão previstas visita guiada ao Museu de Ciência e Tecnologia e a realização de uma mostra cultural do Haiti.