Meio século é o suficiente para uma cidade se transformar de forma profunda. Áreas verdes são ocupadas por asfalto, casas dão lugar a prédios e bondes abrem espaço a ônibus – o que era pacato, agora é frenético.
No caso de Porto Alegre, importantes avenidas traduzem essa transformação. Mostram como a cidade não apenas cresceu – de 635 mil habitantes em 1967 para 1,4 milhão em 2017 –, mas o fez de maneira menos organizada do que em outros tempos. Uma das marcas dos últimos 50 anos é que o planejamento urbano da capital gaúcha, antes referência para outras cidades da América Latina, hoje perdeu importância, constata Emílio Merino, conselheiro do Instituto dos Arquitetos do Brasil no Rio Grande do Sul (IAB-RS) e doutor em Transporte Urbano.
– Porto Alegre cresceu com grandes planos diretores. A expansão da cidade se deu através das grandes avenidas que conectam o centro histórico da Capital com bairros mais periféricos, com a construção das perimetrais, por exemplo. Esse modelo parou no tempo, os governantes foram tocando o barco mas não com tanto ânimo de planejamento que se tinha anteriormente, sem ouvir as demandas da população. Assim, se começa a produzir uma cidade mais informal – explica o conselheiro.
Para a doutora em Planejamento Urbano e Territorial e professora na Universidade Feevale Geisa Tamara Bugs, assim como outras grandes cidades, Porto Alegre tem crescimento desordenado:
– Apesar de ter um bom histórico de planejamento urbano, talvez a gestão tenha pecado. A cidade cresceu sem se pensar de que forma queria crescer e para onde queria crescer.
A construção dessas vias que ligam o Centro com as áreas mais distantes da cidade marca uma expansão territorial que pode ser percebida, diariamente, a partir da grande circulação de carros e pessoas. O trânsito intenso e a insegurança são alguns dos contrastes com décadas passadas.
GaúchaZH passeou por cinco grandes avenidas da Capital – Ipiranga, Borges de Medeiros, Mauá, João Pessoa e Independência – e ouviu moradores para conferir mudanças ocorridas ao longo das últimas cinco décadas. Deslize o mouse clicando sobre as imagens e confira os contrastes.
A via que já foi palco de desfiles militares e que guardava a pira da pátria no fim dos anos 1960, durante a ditadura, hoje faz parte do trajeto de passeatas pelas mais variadas causas. Os bondes foram aposentados no início da década de 1970, e seus trilhos, escondidos pelo asfalto. Em vez das composições elétricas, a avenida recebe cerca de 90 linhas de ônibus em seus corredores, além de ser uma das principais saídas de Porto Alegre para quem está de carro.
Para o aposentado Derli Weber, 85 anos, no quesito mobilidade urbana, o local está bem melhor do que era, mas deixa a desejar quando o assunto é segurança.
– Sinto falta dos bondes, mas hoje o transporte público está muito melhor. Não tinha muito movimento nessa avenida. A gente podia ir para a Redenção, sentar e tomar um chimarrão com tranquilidade, a qualquer hora. Era um lugar limpo, tranquilo, bem preservado – comenta, saudosista.
Uma das vias que liga o Centro de Porto Alegre à Região Metropolitana, a Avenida Mauá foi dividida por um muro em 1971. O paredão de 2.647 metros de extensão faz parte de um complexo de proteção contra as cheias da época.
Hoje, além do muro que separa a escadaria à beira do Guaíba e a avenida, a passagem do trensurb e a Estação Mercado (inaugurada em 1985) revelam uma parte do crescimento urbano. O que se manteve intacto foi o tradicional prédio do Palácio do Comércio, referência arquitetônica inaugurada em 1940, que abriga instituições como a Federação das Associações Comerciais e de Serviços do Rio Grande do Sul (Federasul) e a Junta Comercial do Estado.
Em 1967, não se via engarrafamento de carros e trânsito intenso na Avenida Ipiranga, mas longas filas em frente ao antigo Secretariado de Ação Social da Arquidiocese de Porto Alegre, hoje conhecido como Mensageiro da Caridade. Naquela época, os porto-alegrenses compravam móveis e utensílios domésticos ali por um preço mais barato do que em qualquer outro brique da cidade. A aposentada Maria Silvério, 83 anos, comenta sobre a rotina mais pacata da Capital:
– Nossa, se a gente comparar, Porto Alegre era muito parada. Esta avenida aqui não tinha quase nada. E a gente podia andar com tranquilidade também. Hoje, tu precisas ficar com os dois olhos bem abertos e um pé atrás.
Apesar de sentir falta da calmaria e da segurança, Maria destaca dois pontos positivos na Ipiranga:
– Pelo menos, tem ciclovia e bastante árvores, né?
No início do século 20, a Avenida Independência começou a se estabelecer como um dos lugares preferidos da burguesia para morar, segundo o Guia Histórico de Porto Alegre. Alguns antigos casarões luxuosos deram espaço a novas construções, enquanto prédios como parte do complexo da Santa Casa e o Colégio Marista Rosário se mantiveram com o passar do tempo. Cinquenta anos atrás, o então prefeito, Célio Marques Fernandes, inaugurou a obra de asfaltamento, que tiraria os paralelepípedos da Independência. Com uma extensão que vai da Praça Dom Feliciano, no Centro Histórico, até a Praça Júlio de Castilhos, próximo à Rua Ramiro Barcelos, no bairro Independência, a avenida tem circulação intensa de carros e ônibus.
Diferente de seu início, junto ao Mercado Público, no Centro Histórico, o trecho da Avenida Borges de Medeiros que se conecta com a Avenida Padre Cacique não tinha nada além do prédio da Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos do Rio Grande do Sul (FDRH). À época, o local era sede do Instituto Pedagógico do Ensino Técnico. A FDRH foi fundada somente no início dos anos 1970, quando o instituto passou a ser uma área dentro do órgão.
Diferente de seu início, junto ao Mercado Público, no Centro Histórico, o trecho da Avenida Borges de Medeiros que se conecta com a Avenida Padre Cacique não tinha nada além do prédio da Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos do Rio Grande do Sul (FDRH). À época, o local era sede do Instituto Pedagógico do Ensino Técnico. A FDRH foi fundada somente no início dos anos 1970, quando o instituto passou a ser uma área dentro do órgão.
Hoje, a avenida que liga o Centro à Zona Sul conta com o Parque Marinha do Brasil e o Praia de Belas Shopping – inaugurados em 1978 e 1992, respectivamente –, além de corredores de ônibus e circulação intensa de pedestres.
– É claro que antes era mais seguro, mas a população cresceu, né? Hoje, a gente tem formas diferentes de lazer e isso é maravilhoso. Não dá para ficar presa ao passado, já foi – brinca a aposentada Ereni Correa, 77 anos, que faz questão de caminhar no Marinha em manhãs alternadas.