Não tem canto de Porto Alegre que escape à vista deles. Com altura acima dos 200 metros, os principais morros da Capital expõem de um ângulo especial as belezas amiudadas pela distância dos mais diferentes pontos da cidade, e quase sempre oferecem um olhar privilegiado para um dos principais cartões postais da cidade, o pôr do sol no Guaíba. Apesar de alguns não estarem distantes da Região Central, porém, usufruir de sua beleza natural ainda é prerrogativa de corajosos.
Em comum, as zonas mais altas da capital gaúcha carregam uma aura de medo da violência que se reflete em relatos de usuários e no baixo aproveitamento dessas áreas de preservação. De espaços privados sem estrutura para receber visitantes ao Parque Natural do Morro do Osso, administrado pela prefeitura, reclamações sobre a falta de segurança são frequentes.
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A sensação de vulnerabilidade dos frequentadores não é infundada. Além de ficarem, em sua maioria, em lugares afastados do movimento urbano, esses locais não costumam receber policiamento ou qualquer tipo de manutenção do poder público.
– Não há policiamento nos morros. (Até hoje) não houve uma articulação do município para isso. Seria conveniente discutir de forma coletiva. É uma pauta a se pensar, de urbanizar, sinalizar, para que a polícia possa atuar – propõe o comandante de Policiamento da Capital, Jefferson Jacques.
Nas últimas semanas, a reportagem de ZH visitou os morros do Osso, da Tapera, da Polícia, da Apamecor, Santa Tereza, Pedra Redonda e Santana para avaliar as condições desses locais. Deparou com uma natureza abundante em meio à cidade, rodeada por um clima pouco amistoso: em quase nenhum dos lugares visitados havia frequentadores. Em alguns casos, como no Morro da Apamecor, no bairro Teresópolis, a incursão foi claramente desaconselhada. Seguranças que atuam no bairro e moram em uma casa à entrada do morro alertaram sobre os riscos exibindo marcas recentes de tiros na parede e na geladeira da residência.
– Na semana passada, teve um assalto aqui e passaram atirando. Está mais perigoso de uns tempos para cá. A gente não recomenda para ninguém, mas se vocês quiserem ir, vão. Assalto é questão de sorte, né? Pode acontecer ou não – disse um dos homens.
No Morro do Osso, único que possui uma área aberta à visitação administrada pela prefeitura, o número de usuários é mais abundante, especialmente aos finais de semana. Mas nem mesmo a movimentação de frequentadores e a presença de guarda-parques são suficientes para inibir situações perigosas.
Para o guarda-parques Carlos Amaral, que trabalha no local há mais de 10 anos, a situação, em geral, é tranquila. Questionado sobre os relatos recentes de assaltos publicados no Facebook e em um site de turismo, no entanto, ele rememora pelo menos quatro situações ocorridas de um ano e meio para cá, duas delas incluindo assaltantes armados, e um roubo em que o ladrão agrediu um casal com uma faca.
– A gente não anda com arma. Fazemos algumas rondas de moto. Mas, se as pessoas não falam, a gente parte do princípio que está tudo certo – comenta o funcionário, que diz que a Brigada Militar aparece no local "de vez em quando".
A situação no mirante do Morro Santa Tereza, o mais próximo da área central de Porto Alegre, não é muito diferente. Apesar de haver uma estrutura razoável, com praça de brinquedos e um belvedere com vista para o Guaíba, poucos são os que se aventuram a passar muito tempo por lá. Sob o domínio do tráfico de drogas, que tomou conta do local nos últimos anos, a região é vista como insegura.
Afastar as pessoas dos morros também significa obstruir o contato da população com a história natural da cidade. Para o professor do departamento de ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Valério Pillar, os morros são "ilhas de biodiversidade" de Porto Alegre. Na visão do pesquisador, a cidade deveria aproveitar o potencial desses lugares para transformá-las em áreas de lazer.
– Os morros acabam sendo áreas no meio urbano que, bem ou mal, não estão urbanizadas. Isso faz bem para a cidade. Além de serem áreas de campo, que são o ambiente originário aqui de Porto Alegre – diz.
Boa parte dos mais de 40 morros da Capital está localizada em áreas privadas, segundo a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smam), motivo pelo qual não haveria estrutura para receber o público – o Morro São Pedro, no extremo sul da Capital, passa por um plano de manejo (que estipula regras de uso) e deve permitir atividades "educacionais e de cunho científico" após sua conclusão, ainda sem data definida. Naqueles que não têm restrições de acesso, a questão da segurança é latente: a secretaria desaconselha a visitação "à noite ou sem a companhia de grupos".
Por e-mail, o prefeito Nelson Marchezan disse encarar com "tristeza" o fato de a insegurança estar desmotivando o uso dos morros da cidade, mas disse que "não cabe à Guarda Municipal" atuar nesses locais. Marchezan informou que a prefeitura "já trabalha de forma integrada com Exército, Polícia Federal, Polícia Civil, Brigada Militar, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Rodoviária Estadual, Guarda Municipal e EPTC" e que há ações em andamento para melhorar a segurança nos morros Santa Tereza e da Apamecor através do monitoramento com câmeras de vigilância.
"Vamos projetar ações de ocupação de espaços com atividades organizadas pela sociedade em parceria com a prefeitura, gerando oportunidades especialmente para os jovens, além da interação entre os órgãos de segurança e o uso intensivo de tecnologia e inteligência para tornar o ambiente da cidade mais seguro", escreveu.
Ainda pouco articulado pelo poder público em Porto Alegre, o uso organizado das áreas de conservação para atividades de lazer poderia contribuir para atenuar a sensação de insegurança nesses lugares, segundo o presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), Rafael Passos.
– A convivência é o grande antídoto para a insegurança. As pessoas usarem e mostrarem cuidado com os locais ajudaria a melhorar isso – acredita.
Para o presidente do IAB, pensar em um modelo de integração de espaços públicos que inclua algumas dessas áreas, observando e respeitando suas características, é uma solução viável e poderia ser o caminho para um aproveitamento saudável dos morros.
– Ter áreas públicas de visitação e contemplação é fundamental, e extremamente viável. Isso tem de ser pensado em duas escalas: uma de planejamento, que avalie a relação entre as unidades de conservação, e depois um projeto. Envolve muita gente, desde os usuários até biólogos, pela questão ambiental. A prefeitura poderia promover um grande debate sobre o uso dos morros em Porto Alegre.
Violência intimida visitantes
O poente alaranjado do Guaíba é ainda mais bonito lá de cima. A sensação de risco iminente, no entanto, intimida a contemplação do mirante do Morro Santa Tereza, o mais próximo da região central de Porto Alegre.
Marcado, nos últimos anos, por uma rotina de criminalidade em função do domínio do tráfico de drogas, o lugar é subaproveitado pelos porto-alegrenses. A praça de brinquedos e o belvedere (que acumulava sujeira no dia em que a reportagem esteve no local) são atrativos quase sem público na maior parte do tempo.
Há quem não desista da beleza do morro e se aventure a incursões, mas sem delongas. No começo da tarde de segunda-feira, por volta das 13h, o representante comercial Gilton Gherer e um casal de amigos russos eram os únicos a apreciar a vista dos 132 metros do Santa Tereza. Não pretendiam se estender na visita.
– Lembro de vir quando era jovem e estacionar o carro aqui à noite. Hoje, trouxe eles para mostrar a cidade, mas disse que tinha de ser rápido. Tem que ficar o tempo todo cuidando – relata o morador de Novo Hamburgo.
Ainda que aos olhos externos a impressão de insegurança predomine, parte da população local tem trabalhado pela melhoria e valorização da área. Desde 2010, o Movimento em Defesa do Morro Santa Teresa reúne as associações de moradores e entidades com o objetivo de apoiar e promover ações para recuperar o local, também conhecido como Morro da TV, por abrigar sedes de algumas emissoras.
Em julho de 2012, foi criado um grupo de trabalho com a finalidade de promover estudos e ações para recuperar e preservar o meio ambiente, efetivar a regularização fundiária e urbanística das vilas, evitar novas ocupações no local. E, em 2013, a prefeitura sancionou uma lei que instituiu o Morro Santa Tereza como área especial de interesse ambiental, cultural e social, prevendo ações para qualificar a convivência no bairro. Quase quatro anos depois, porém, a rotina de criminalidade persiste. Conforme a prefeitura, assim como no Morro da Apamecor, há um projeto de instalação de câmeras em parceria com as associações comunitárias para monitoramento do Centro Integrado de Comando da Cidade (Ceic).
Ponto mais alto da Capital só permite acesso com segurança
Em meio às movimentadas avenidas Bento Gonçalves, Protásio Alves, Antônio de Carvalho e Manoel Elias, está localizado o ponto mais alto de Porto Alegre: 311 metros acima do nível do mar, o Morro Santana se impõe em meio a cidade. Apesar de estar perto de vias de alto fluxo, poucos porto-alegrenses têm acesso a esse ângulo da Capital.
Boa parte do Santana pertence à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e não é aberta ao público. Em contrapartida, o local, provavelmente, é o morro de Porto Alegre com mais atividades ao longo do ano. Professores e estudantes de diversos cursos da instituição visitam o local para atividades educacionais e de pesquisa – além da paisagem natural, conta com um observatório astronômico da universidade.
– Basicamente, o morro é usado para atividades de pesquisa e saídas de campo com os alunos. O uso acadêmico ocorre nesse local desde o começo do século 20, quando a faculdade Agronomia foi instalada lá – diz Valério Pillar, professor do departamento de ecologia da universidade.
A movimentação acadêmica não escapa a uma preocupação que perpassa todos os morros da cidade. Há anos, o acesso ao local, seja de alunos, professores ou visitantes, só é permitido com acompanhamento da segurança da universidade.
Além de ser o ponto mais alto da cidade, o Santana é uma das áreas com maior representatividade da flora da Capital. O local também se apresenta como área de transição entre dois biomas, o pampa e a mata atlântica, o que pode ser observado de fora dele: enquanto de um lado predomina a floresta, outra metade do Morro Santana é campo.
– Uma das questões que tínhamos e conseguimos responder foi qual era a vegetação original do morro. Coletamos sedimentos do topo e, por meio de técnicas bem específicas, identificamos os grãos de pólen de 1,2 mil anos. Descobrimos que ele foi campo desde pelo menos esse período – conta o professor.
Dezenas de espécies de mamíferos, aves e répteis habitam o local, que também é refúgio para espécies polinizadoras, como borboletas, em função da grande variedade de flores. O Santana abriga, ainda, uma das nascentes do Arroio Dilúvio.
Mas nem só a natureza faz a importância do morro para Porto Alegre. O Santana guarda um pedaço da história da cidade:
no século 18, Jerônimo de Ornellas ergueu sua residência no local. Mais tarde, devido à ocupação açoriana, loteou as terras. Entre 1800 e a década de 1950, quando parte dele foi adquirida pela UFRGS, o local teve diversos proprietários, que utilizaram a área para a caça e para atividades agropastoris.
Santuário tem vista 360º da Capital
Nenhum religioso está mais perto do céu na capital gaúcha do que o padre Lírio Pezzini, 75 anos. Reitor do Santuário Mãe de Deus, no bairro Belém Velho, ele celebra missas semanais, casamentos e batizados há 298 metros de altura.
Localizado no Morro da Pedra Redonda, o santuário inaugurado no começo dos anos 2000 é também a casa de Lírio e de outro padre, que ajudaram a revitalizar o local há cerca de seis anos, quando o sacerdote natural de Colorado, no interior gaúcho, assumiu o templo religioso, à época em estado de abandono.
– Quando a gente chegou, tinha um brejo na frente. O santuário estava fechado, e o terreno não tinha cercamento, nem o lago – lembra, enquanto abana para um grupo de crianças que passam pelo local no ônibus Linha Turismo.
Para quem chega ao local, é difícil imaginar um quadro de degradação: ao redor da igreja, há um gramado bem aparado e um lago com patos, gansos e tartarugas. Uma reforma em fase de conclusão promoveu melhorias na estrutura da igreja, que recebe fiéis dos mais diversos lugares. Atração à parte, a vista é impossível de ser apreendida de um único ângulo: de lá, é possível contemplar, sem barreiras, todas as regiões da Capital, além dos municípios de Cachoeirinha, Gravataí, Viamão, Guaíba, Eldorado do Sul, Triunfo e Barra do Ribeiro.
– Já tinha vivido em regiões altas, mas não tão bonitas como esta, que se vê toda grande Porto Alegre. Acho um espetáculo. É um lugar maravilhoso – exulta o religioso, que aprecia especialmente a vista noturna do alto do morro, quando se acendem as luzes da cidade.
Aberto ao público diariamente, o santuário conta com câmeras de vigilância que pegam "tudo que o olho alcança", instaladas no local há alguns anos, e, quando os portões são fechados, um cão de guarda dá conta de alertar sobre movimentações suspeitas nas proximidades. Isso faz com que seja o único entre os morros percorridos pela reportagem que não desperta insegurança nos visitantes.
Entusiasmado, Lírio Pezzini conta que tem prazer em receber visitantes, religiosos ou não, que queiram apreciar a paisagem por lá. Para o paraíso com vista 360º ficar completo, na visão do padre, só falta estar ao alcance de todos: atualmente, só se chega ao local de carro ou por meio do ônibus Linha Turismo – os turistas, porém, não podem desembarcar no local.
– O único defeito é que o transporte público não chega até aqui – diz.
Esportes radicais injetam vida no Morro da Tapera
Fragmentos dele ajudaram a pôr em pé parte da história de Porto Alegre: o Morro da Tapera, na Zona Sul, teve sua matéria-prima utilizada na construção de edificações como a Catedral Metropolitana, o Memorial do Rio Grande do Sul, o Palácio Piratini e diversos monumentos da cidade. Há mais de 20 anos, porém, um grupo de amigos lançou um olhar diferente para o que restou da pedreira desativada. Em vez de pensar no que podiam levar embora, resolveram aproveitar o que ficou da área rochosa para a prática de mountain bike.
– Hoje, tem o pessoal da biologia, da bike, do voo livre. Cada um cuida das trilhas que usa mais – conta o analista de sistemas Flavio de Siqueira, que se integrou ao grupo há mais de uma década.
Atualmente, cerca de 20 pessoas formam a turma, das mais antigas entre os ciclistas que frequentam o Tapera. Das várias trilhas possíveis para chegar ao topo, a 252 metros, eles utilizam um caminho que começa na face sul do morro, ao lado do sítio de um conhecido, que serve de Quartel General. A "Clínica", como chamam o ponto de encontro, conta com um banheiro químico e é usada como estacionamento para os carros do grupo, que, por questões de segurança, alterna os dias e horários dos encontros.
– Como em todos os morros de Porto Alegre, tem que estar sempre bem ligado. No Tapera, as tribos acabam se encontrando, se protegendo. Mas parece que existe um muro invisível entre a cidade e os morros. Existe violência e falta de informação. As pessoas vão para a Serra e não conhecem a Zona Sul – disse.
Fora da propriedade particular, o acesso mais indicado pelo grupo para chegar ao topo é o da Estrada Jorge Pereira Nunes. Subindo a pé por uma trilha aberta (em função do solo derrapante, é aconselhável utilizar botas de trekking), chega-se no ponto mais alto do Tapera em cerca de 50 minutos. Do pico, é possível avistar todas as regiões da cidade. Na direção do Guaíba, fica uma das principais atrações do local: uma rocha que parece suspensa, apelidada pelos ciclistas de Pedra do Rei, em referência ao filme O Rei Leão, convida à contemplação com direito a frio na barriga.
Aos finais de semana, o movimento de "forasteiros" aumenta. O interesse pela beleza natural do local, porém, nem sempre vem acompanhado do senso de preservação.
– Quando tem mais movimento, às vezes, subimos com saco de lixo para recolher o rastro de sujeira. Hoje, o Tapera está bonito e a região cresceu ao redor, em parte, por causa da nossa atividade. Mas devíamos ter trilhas bem mapeadas em todos os morros. Isso é desenvolvimento sustentável – opina Flavio.
Fé e pecado no Morro da Polícia
Poucas imagens são tão características da Capital quanto as antenas que despontam sobre o Morro da Polícia, na Zona Leste. Mas há quem prefira viver a experiência contrária: ao pé dessas estruturas, observar Porto Alegre reduzida a pequenos prédios e casinhas minúsculas.
Morador de uma casa localizada em uma das extremidades do morro há cerca de um ano, o operador de antena Welinton Rocha, 25 anos, aprimora seu olhar a cada dia.
– É a melhor vista de Porto Alegre. No amanhecer, as nuvens ficam baixas, cobrindo tudo. Parece que tu estás no céu – conta.
A paisagem não é a única coisa que salta aos olhos do local onde vive com a esposa e quatro cachorros, a quase 300 metros de altura. O perfil dos frequentadores do morro, cujo acesso passa por dentro da Vila Glória, chama a atenção do morador que, apesar do histórico de situações de risco, considera o lugar seguro.
– Tem um pessoal que vem orar aqui para baixo durante o dia. À noite, sempre tem casalzinho namorando. E muito casal de idoso. Tu vê cada coisa – ri.
Os visitantes noturnos já proporcionaram momentos de tensão ao jovem operador de antena. Em certa ocasião, meses atrás, Welinton viu um carro sem ninguém dentro estacionado em frente ao portão de casa. Preocupado com um possível abandono do veículo, resolveu buscar pelo motorista: foi até os fundos de casa, de onde é possível avistar uma parte rochosa acessada pelos visitantes, e deparou com um casal em momentos de intimidade. Retornou para casa em um misto de surpresa e alívio.
Antes morador da Lomba do Pinheiro, o jovem também se acostuma a uma vida menos urbanizada da que conhecia até tempos atrás. O transporte público não chega ao topo do morro, e o supermercado mais próximo fica a dois quilômetros de casa. Em noites de temporal, a serenidade é determinante:
– Bem dizer, é morar no interior. É bem calmo. Mas, dependendo da chuva, dá medo. Quando tem ventania parece que alguém vai derrubar a casa – conta.
Precioso, mas desaconselhado
O trajeto é curto: alguns metros separam a entrada do Morro da Apamecor, na Rua Deputado Astério de Melo, até a trilha estreita que dá acesso a uma das mais belas vistas da zona sul de Porto Alegre. Cada vez menos, porém, há quem esteja disposto a deixar o veículo e descer o trecho que facilita a apreciação da paisagem.
O crescimento da violência no entorno do terreno pertencente à Associação de Pais e Mestres do Colégio Marista Rosário (Apamecor) é a principal razão pela qual moradores e visitantes pensam duas vezes antes de explorar o local.
– De uns anos para cá, piorou bastante. A gente não recomenda para ninguém chegar ali – disse um dos três seguranças que atuam no bairro Teresópolis e moram na entrada do morro.
Segundo o relato dos seguranças, assaltos e até execuções já ocorreram nas proximidades, em diferentes horários do dia. Na manhã em que a reportagem visitou o local, que conta com um letreiro nos moldes hollywoodianos com o nome da associação, apesar da tensão prévia com o alerta dos seguranças, ninguém foi avistado nas proximidades.
A sensação de insegurança, no entanto, é destacada por quem frequenta a região. Segundo o presidente da Apamecor, Jaime Zechin, não há registros de problemas dentro das dependências da sociedade. Por precaução, no entanto, os associados são orientados a se manterem dentro da área cercada, e a não percorrerem trilhas que não sabem onde terminam.
– As trilhas não têm entradas e saídas definidas, então desaconselhamos, porque as pessoas estão no meio de um matagal sem destino certo – diz.
Apesar disso, grupos de ciclistas e de praticantes de motocross (atividade desaconselhada pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente) ainda realizam atividades esporádicas no local, com mais de 250 metros de altura. Conforme o prefeito Nelson Marchezan, atualmente, existe um projeto de instalação de câmeras em parceria com as associações comunitárias e já estariam ocorrendo reuniões com a associação de bairro local para que o Centro Integrado de Comando (Ceic) faça o monitoramento da região.
Xodó da vizinhança com exploração limitada
Mais estruturado entre os morros da Capital, o Parque Natural Morro do Osso é um refúgio verde em meio a uma região cada vez mais urbanizada da cidade. Localizado entre os bairros Tristeza, Ipanema, Camaquã e Cavalhada, na Zona Sul, ele preserva parte da biodiversidade do município e oferece uma vista do Guaíba que, não à toa, durante quase todo o período em que fica aberto, atrai quem quer contemplar um dos cartões postais da Capital.
Ex-jogador de futebol e morador da região Sérgio Rios, 45 anos, é assíduo no local, que frequenta todas as manhãs para fazer exercícios e orações. Em décadas como usuário, conta ter observado mudanças. Considera, porém, que a natureza preservada remonta a um tempo "primitivo", distante da intervenção humana.
– É um lugar perto da cidade para se viajar no tempo. Para tirar o estresse, é bom – avalia o morador, proprietário de uma lanchonete na Zona Sul.
Além de uma vegetação que inclui espécies ameaçadas como a canela-preta e a corticeira-da-serra, o Morro do Osso é habitado por diferente espécies de animais, incluindo diversas variedades de sapos, rãs, pererecas, cobras e o lagarto do papo amarelo. A proteção da fauna e da flora é uma das razões pelas quais a circulação no local é restrita: visitantes independentes podem acessar apenas a trilha de cerca de um quilômetro da entrada, pela Rua Irmã Jacobina Veronese, até o platô gramado, de onde se avistam o Guaíba, o Delta do Jacuí, os morros Santa Tereza, Teresópolis, Agudo, da Tapera, das Abertas e da Ponta Grossa.
Também é permitido descer pelo acesso a uma curiosa formação rochosa, considerada pelo ex-jogador um lugar especial do parque. Apelidada de Pé-de-Deus, uma espécie de gruta com a base mais estreita que o topo, é uma das atrações mais afetadas pela ação humana: pichações tomam conta de boa parte da pedra.
Para acessar outros pontos há incursões guiadas para grupos de pesquisa e visitas educativas para escolas. As visitas são conduzidas por biólogos ou por um dos dois guarda-parques que atuam no local.
Apesar da movimentação intensa, o local não escapa à insegurança. Assaltos e arrastões estão entre relatos de usuários e do próprio guarda-parques, que se diz impotente para intervir em casos de violência.
– Já trabalhei em outros parques, e esse é o melhor em termos de tranquilidade. Qualquer coisa que ocorra, as pessoas podem passar na administração do parque e comunicar – diz o guarda-parques Carlos Amaral.