Um velho prédio de cinco andares recebe por dia cerca de 300 homens em busca de sexo na região central de Porto Alegre. Nos 14 apartamentos do edifício, em torno de 60 mulheres realizam as mais variadas fantasias masculinas. A reportagem conversou com algumas dessas garotas de programa e conta o que ocorre no interior do prostíbulo vertical.
Apenas cinco ou seis passos separam dois mundos distintos. Do lado de fora do edifício, o dia claro emoldura o cotidiano comum às grandes cidades: na calçada, pedestres caminham apressados em busca de compras e de serviços – a conhecida face do velho Centro Histórico. A poucos metros dali, no saguão do combalido prédio, enquanto luzes coloridas quebram a turbidez da construção, mulheres seminuas prestam serviços sexuais a preços a partir de R$ 30.
Logo na entrada do prédio, que tem todos os 14 apartamentos inteiramente ocupados por prostíbulos, um cartaz avisa: "Exploração sexual de crianças e adolescentes é crime – Estatuto da Criança e do Adolescente". O alerta indica apenas uma das diretrizes traçadas pela associação das garotas de programa do edifício para evitar problemas com a lei. Além de exigir documentos que comprovem a maioridade das profissionais do sexo, o condomínio coíbe o ingresso de menores de 18 anos e a entrada e o uso de drogas, um conjunto de regras que levou as profissionais do local a serem tachadas pelas concorrentes de as "caretas".
– Na portaria, menores e suspeitos de crimes são barrados. A gente tenta afastar todos os meios que possam nos causar problemas – diz Karina, 49 anos, integrante da associação e uma das mais antigas locatárias deste prédio.
Na portaria, menores e suspeitos de crimes são barrados. A gente tenta afastar todos os meios que possam nos causar problemas
KARINA
49 anos
No total, cerca de 60 mulheres – entre 18 e 65 anos de idade – exercem no prédio a profissão mais antiga do mundo. A maior parte delas é casada ou compromissada e tem entre 30 e 40 anos. Mas também há jovens estudantes, que usam o dinheiro para pagar a faculdade. Nesta reportagem, todos os nomes mencionados são fictícios e escolhidos pelas próprias garotas de programa.
Em geral, os companheiros sabem a atividade realizada pelas mulheres em horário comercial e convivem bem com isso – alguns, inclusive, são seus ex-clientes. Outros relutam em aceitar a situação. Mas, concordando ou não, quase todos se beneficiam do dinheiro levado por elas diariamente para casa.
– Como ele trabalha em obra, eu trabalho em cabaré – revela Sabrina, 32 anos, sobre o marido.
Por dia, cerca de 300 homens sobem e descem as escadas do prédio em busca de prazer ou apenas por curiosidade.
Porteiro controla quem entra e sai do prédio
Há cerca de 40 anos, três dos 14 apartamentos do edifício já funcionavam como prostíbulos. Os locais eram discretos, e as salas, mantidas fechadas, uma vez que as outras unidades eram ocupadas por atividades comerciais que incluíam uma loja de produtos eletrônicos, uma estética, um restaurante e uma loja de fantasias.
Aos poucos, o negócio do sexo cresceu e engoliu todas as unidades do prédio. Mesmo assim, por determinado período, as salas permaneciam fechadas. Mais tarde, para facilitar a comunicação entre as prostitutas e a segurança do prédio, a entrada em todos os apartamentos passou a ser livre.
Hoje, as portas ficam abertas, das 9h às 20h30min, de segunda a sábado (eventualmente, aos domingos), com garotas nas portas e músicas – geralmente, funk e sertanejo – em alto volume. O prédio é aberto e fechado pelo porteiro, contratado pela imobiliária, que também controla quem entra e sai do edifício.
Na edificação, sem elevador, as escadas em caracol são apertadas. Os corredores são acanhados, de piso frio. As portas, com sugestivos luminosos, são ocupadas por mulheres seminuas ou com roupas mínimas, unhas pintadas, variados penteados, a maioria em saltos altos, algumas tatuadas e quase todas com as pernas de fora. Há mulheres de diversas etnias, de todos os portes e pesos, com ou sem curvas.
Nos apartamentos, onde as salas são transformadas em pequenas boates, e nos cômodos, usados para os programas, há quadros de molduras e estilos artísticos diferentes, espelhos, máquinas de juke-box (acionadas por moedas, tocam músicas), folhagens e ventiladores pendurados nas paredes.
Nos quartos, o que se vê são os elementos básicos para os programas: uma cama com almofadas, itens como espelhos, cortinas e cabides verticais (para os clientes pendurarem as roupas). Alguns cômodos têm nas paredes avisos como "Proibido fumar" e "Colabore, ajude na limpeza do quarto".
Sustento para os filhos é o principal objetivo
Entre as mulheres que vendem o corpo no edifício, as principais razões que levaram à prostituição foram a baixa escolaridade, a falta de formação profissional, o desemprego e a possibilidade de remuneração maior do que em atividades convencionais. Quando começaram a fazer programas, muitas delas eram mães em busca de uma forma de criar os filhos com dignidade.
Usando um vestido de oncinha e um sapato de 15cm de salto, Mariana, 36 anos, conta que sempre foi dona de casa e não tinha formação profissional. Aos 24 anos, começou a trabalhar com sexo, levada a uma casa de prostituição pelo próprio marido.
– Ele me levou para eu me prostituir e dar dinheiro para ele – conta Mariana, que rompeu o casamento depois de 10 anos e dois filhos com o ex.
Mãe de dois filhos, Bia, 29 anos, trabalhava como cozinheira, mas o restaurante faliu há seis meses. Sem marido e sem condições de alimentar as crianças, optou pelo caminho da prostituição.
– Na verdade, isso aqui não foi uma opção. Foi falta de opção, devido ao desemprego – afirma.
Filha segue os passos da mãe
Uma das mais jovens profissionais do prédio, Bruna, 18 anos, é filha de uma ex-prostituta que trabalhou no ramo dos 18 aos 31 anos e, aos 32, se casou com um cliente. Natural de São Luiz Gonzaga, a jovem mora em Porto Alegre há cinco anos.
Há três, teve um filho com o então namorado, que a abandonou com a criança. Ela chegou a ganhar a vida como atendente de restaurante, mas não gostou.
– Trabalhei em outros lugares, mas o dinheiro nunca me manteve. Então, decidi trabalhar na noite. Comecei na noite, há cinco meses, depois, vim para cá – comenta a jovem, recém-chegada ao prédio.
Natural de Porto Alegre, Tati, 31 anos, emociona-se ao contar como começou a vender o corpo, depois de se divorciar e, à época, com dois filhos para sustentar.
– Quando comecei nesta vida, tinha sido mulher de dois homens só. O terceiro foi já como garota de programa. O primeiro dia foi o fim do mundo. Depois, eu ia, mesmo chorando, sempre lembrando que tinha quem me esperava em casa, e aquilo ia ter de ser assim – revela a loira.
Hoje, Tati considera a profissão como qualquer outra e vê a atividade como uma espécie de empreendedorismo, no qual ela consegue trabalhar em favor dela mesma, obtendo dinheiro para pagar as contas da casa e dos três filhos, entre dez e 17 anos.
– Se tu fores trabalhar em uma firma, não tem como sustentar medicação, fralda, mais outra criança, gás e luz. Sendo mãe solteira, não existe como. E eu não pensei duas vezes – lembra Tati.
"Todo trabalho tem os seus prós e contras"
Aos 36 anos, Mariana está em plena forma. Corpulenta, coxas grossas e rosto bonito, trabalha seis horas por dia, de segunda a sábado, e faz entre 20 e 25 programas por dia. Cada período de meia hora custa de R$ 50 a R$ 150. Por mês, chega a ganhar de R$ 6 mil a R$ 8 mil, valor usado para a criação dos três filhos.
– Todos estudam. Quero um futuro para eles. Isso aqui é um trabalho, e a renda é toda para a minha casa e para os meus filhos – afirma Mariana.
Quando estou na TPM, tenho pavor que toquem em mim. Mas o meu trabalho exige que toquem em mim.
MARIANA
36 anos
Ela garante que a vida de mulher de programa não é "fácil", como se costuma dizer:
– Quando estou na TPM, tenho pavor que toquem em mim. Mas o meu trabalho exige que toquem em mim. Então, fecho os olhos e lembro que estou trabalhando.
Integrante da associação do prédio, Karina, 49 anos, começou a prostituir-se aos 28, também por necessidades financeiras. Com uma filha de três anos à época e recém-chegada do Paraná, ela conta que o salário que recebia não era suficiente.
Apesar de contente com o retorno financeiro, ela não se diz plenamente satisfeita com a profissão que escolheu, mas pondera que "todo trabalho tem os seus prós e seus contras".
Os causos engraçados do edifício
Além de fantasias e fetiches, o prédio já assistiu a inúmeras histórias engraçadas. Manu, 29 anos, costuma atender um frequentador do prédio que gosta de se fantasiar de super-herói:
– Tem um cliente que diz que é o Tarzan. Outro dia fala que não é pra eu contar para ninguém que ele é o Zorro. Da última vez, era o Superman.
Camila, 43 anos, já atendeu um cliente que levava uma fita métrica para ficar medindo braços e pernas das meninas, sem fazer nada além disso. E, em razão de outro episódio, diz ter trauma de xis bacon:
– Um cliente veio 15 dias seguidos fazer programa comigo. Ele trazia um xis bacon, e eu tinha de comer antes do programa. Ele pagava super bem. Acho que tinha recebido alguma rescisão.