A alguns passos do Mercado Público, uma ex-prisão guarda centenas de obras de arte. Ao lado da Assembleia Legislativa está a residência mais antiga do Rio Grande do Sul. Na frente dela, um casarão abriga outra antiguidade, uma obra do século 17, de autoria de um artista holandês. A minutos do Parque da Redenção, é possível observar astros e estrelas através de um telescópio.
Apesar de não serem secretos, os locais acima soam como novidade para muitos porto-alegrenses. Eles integram um conjunto de atrações que foge ao circuito mais conhecido pelo público, mas está logo ali, em uma volta pelo Centro Histórico.
– É um costume local valorizar as coisas de fora, quase uma tradição. A gente recebe bem as pessoas, que é um lado positivo desse provincianismo. Mas às vezes vê as coisas fora e não vê as daqui – comenta o doutor em história da arte José Francisco Alves.
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Professor do Atelier Livre, vinculado à prefeitura, ele destaca que há diversos pontos fora do óbvio para se conhecer no centro da Capital. Para estimular que as pessoas visitem esses lugares, esporadicamente, o atelier realiza passeios a pé pela região, mostrando às pessoas pontos menos convencionais de interesse histórico, arquitetônico e cultural, como os citados no começo do texto – que você irá conhecer ao fim da reportagem. Ele lamenta, no entanto, que ainda sejam poucos os que façam roteiros espontâneos pelo Centro.
Para o doutor em planejamento urbano e regional Eber Marzulo, o bloqueio de boa parte das pessoas com pontos menos explorados se deve a diversos fatores: falta de conhecimento e o medo da insegurança são alguns dos que afastam o público dos lugares pouco conhecidos. O problema é que esse distanciamento, na visão do pesquisador, cria um círculo vicioso: quanto menos gente vai a um lugar, mais abandonado ele fica; quanto mais abandonado, menos gente terá vontade de frequentá-lo.
– Andar pela cidade descobrindo lugares gera animação urbana. Isso é algo extremamente positivo: é comprovado que crimes violentos não ocorrem em lugares animados, com movimentação – destaca.
Além de reduzir a sensação de insegurança em geral, explorar os lugares a pé também é benéfico para a economia – afinal, ruas movimentadas atraem e mantêm o comércio e serviços da cidade.
Descubra passeios pouco conhecidos no Centro (no fim da reportagem, confira os pontos em um mapa)
1) Observatório Astronômico da UFRGS
Que Brasília, que nada. No começo do século 20, quem determinava a hora certa em Porto Alegre era o Observatório Astronômico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) (na foto que abre esta reportagem). O serviço foi prestado pelos cientistas da UFRGS até a década de 1940, quando foi federalizado. O local, então, focou apenas nas atividades didáticas relativas à astronomia, além de resgatar e preservar a memória da astronomia do Rio Grande do Sul.
Localizado no Campus Central da UFRGS, o observatório é um dos mais antigos do Brasil. Ele mantém seu prédio, parte significativa dos instrumentos e de suas funções até hoje.
Agora, abriga um pequeno museu e alguns instrumentos para observação do céu. Durante a semana, é possível realizar um passeio para conhecer o acervo, repleto de aparelhos e mapas antigos, e, às terças e quintas-feiras, a observação noturna do céu é aberta ao público. Tudo gratuito.
2) Escadaria da Rua 24 de Maio
Repletos de cor e mensagens poéticas, os degraus que conectam as ruas Duque de Caxias e André da Rocha são um convite a um olhar mais demorado de quem circula pela região. Inspirada na famosa escadaria Selarón, no bairro carioca da Lapa, a subida da Rua 24 de Maio virou obra da artista Clarissa Motta Nunes, que instalou os azulejos coloridos em 2011.
Antes de virar obra de arte urbana, o local já tinha recebido melhorias. Em 2007, a prefeitura devolveu a escadaria à comunidade depois de instalar corrimãos e trocar a iluminação. Resultado de demandas do Orçamento Participativo de 2000 e 2003, a revitalização ocorreu após anos de abandono.
Conhecido como Beco da Fonte no começo do século 19, a área recebeu a escadaria em 1942, na gestão de José Loureiro da Silva. Atualmente, embora haja prédios residenciais dos dois lados, é aconselhável visitá-la com atenção redobrada. O lugar é subaproveitado: apesar da beleza, está marcado por pichações e não costuma ter muito movimento, especialmente à noite.
3) Escadaria da João Manoel
De cima dela, do meio do Centro, era possível mirar o Guaíba. Mas isso foi há muito tempo. Quase 90 anos depois de sua construção, a escadaria da Rua João Manoel, que liga as ruas General João Manoel e Coronel Fernando Machado, permite apenas a vista de alguns dos prédios que tomaram conta do Centro Histórico nas últimas décadas.
Ainda assim, a beleza arquitetônica da escada e de seu mirante, projetados por Christiano de la Paix Gelbert, vale o passeio. Os degraus se desenvolvem em três lances centralizados e ladeados por muretas, pilares e canteiros. A partir do terceiro lance, eles se dividem e se encontram novamente para outro lance, que leva ao belvedere.
Como outras construções históricas, a escadaria sofre com atos de vandalismo e com o descaso do poder público. Nos últimos anos, grupos de vizinhos têm realizado atividades para promover a revitalização do espaço.
4) Pinacoteca Ruben Berta
Restaurado e bem conservado, um casarão do século 19 à altura do número 973 da Rua Duque de Caxias, no Centro, abriga um acervo ainda pouco explorado pelos porto-alegrenses. Inaugurada em 2013, a Pinacoteca Ruben Berta conta com 125 obras, entre elas Rejalma, de 1673, do holandês Jeronimus Van Diest, pintura mais antiga em acervo público no Rio Grande do Sul.
Doado ao Município em 1971, o acervo foi organizado pelo magnata das comunicações Assis Chateaubriand, com apoio do crítico de arte Pietro Maria Bardi. Chateubriand tinha um projeto pessoal de criar museus regionais em vários pontos do país.
O primeiro pavimento dispõe de obras de artistas brasileiros e estrangeiros, entre eles Pedro Américo, Di Cavalcanti, Portinari, Allen Jones, Alan Davie e Tomie Ohtake. Também há exposições de artistas convidados. O local conta ainda com um mini-auditório, onde ocorrem recitais de música de câmara, com entrada gratuita.
É possível acessar o pátio do casarão, revestido em pedra portuguesa com um desenho em perspectiva da fachada da casa e onde se encontra uma cisterna do século 19, intacta e ainda em uso. A visitação ocorre de segunda a sexta-feira, das 10h às 18h.
5) Solar dos Câmara
Localizado ao lado da Assembleia Legislativa, na Rua Duque de Caxias, o Solar dos Câmara é a construção residencial mais antiga de Porto Alegre. Tombado pelo Patrimônio Histórico Nacional na década de 1960, o casarão foi cenário de reuniões e encontros políticos que marcaram a história do Estado.
O solar foi habitado por José Feliciano Fernandes Pinheiro, primeiro presidente da Província de São Pedro, pelo Marechal José Antônio Corrêa da Câmara, e por Armando Pereira da Câmara, neto do Marechal, que viveu no local até 1975. O prédio foi adquirido pela Assembleia em 1981, e restaurado no começo da década de 1990.
Atualmente, o público pode ter acesso à Biblioteca Borges de Medeiros, às exposições fotográficas da Sala J.B. Scalco e a eventos culturais gratuitos no Salão José Lewgoy. O jardim densamente arborizado possui estátuas e uma fonte, e o antigo Salão de Refeições tem pinturas murais representando naturezas-mortas e paisagens campestres.
6) Pinacoteca Aldo Locatelli
Antiga cadeia do município – a cela ainda está lá –, os porões do Paço Municipal abrigam, desde 2008, um acervo de obras de arte aberto ao público. A Pinacoteca Aldo Locatelli sedia exposições e eventos culturais, com entrada franca.
A maioria dos eventos realizados no local expõe o trabalho de artistas contemporâneos. Isso porque as condições ambientais não são ideais para abrigar obras antigas.
Na pinacoteca também moram ícones da história recente do município. Obra do escultor Carlos Tenius, a maquete do Monumento aos Açorianos, com 2m62cm de comprimento e cerca de meia tonelada, integra o acervo. Ela foi feita 1973, a partir de uma liga especial de aço e cobre, e ficou no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) entre 1974 e 2008.
Outro ponto que chama atenção são as paredes e o teto. Durante uma reforma, o reboco foi retirado para expor a estrutura construtiva. No teto, é possível ver trilhos de bondinhos, que eram usados na arquitetura da época, no início do século 20, como vigas de metal. O local está aberto de segunda a sexta, das 9h ao meio-dia e das 14h às 18h, e aos sábados, das 13h às 17h.
7) Casario da Rua Fernando Machado
Nove simpáticos sobrados acomodadas entre os números 464 e 514 da Rua Fernando Machado são parte do patrimônio histórico do município. Em parte tombado pela prefeitura, o conjunto de moradias de três pavimentos foi construído em alvenaria de tijolos e cobertas com telhas francesas há quase cem anos.
O primeiro dono, Antonio Chaves Barcellos Filho, vendeu os imóveis pouco após sua construção a Felisberto Barcelos Ferreira de Azevedo. Atualmente, estão distribuídas entre diferentes proprietários.
Devido à topografia do terreno, em desnível, as casas possuem três pavimentos em sua parte da frente, mas apenas dois pisos na parte posterior. Entre a escada de madeira que leva ao pavimento superior, ficam duas portas, uma para a sala e outra para a varanda. Os prédios têm as fachadas simétricas, duas a duas, como casas geminadas.