Os 34 contratos de aluguel que a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), da prefeitura de Porto Alegre, mantém estão com o pagamento atrasado. Em alguns casos, as parcelas não são pagas há nove meses. O atraso motivou até uma ação de despejo, que envolve um abrigo onde vivem cerca de 20 crianças e adolescentes vítimas de violência.
A dona de duas casas alugadas pela Fasc, onde funcionam abrigos que acolhem cerca de 40 crianças e adolescentes, afirma que assinou contrato com a prefeitura em 2013 e que nunca havia enfrentado um atraso no pagamento até outubro de 2016. Desde então, não recebeu nenhuma das parcelas mensais, mesmo tendo concordado em não reajustar o valor do aluguel – revisto anualmente com base do Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M).
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– A prefeitura pediu para que enviássemos uma carta, afirmando que não iríamos reajustar o aluguel. Fizemos isso com a esperança de receber as parcelas atrasadas, o que ainda não aconteceu. E, quando vamos reclamar, as funcionárias dizem que são terceirizadas e que também não estão recebendo em dia – reclama a proprietária, que pediu para não ser identificada.
Questionada sobre os atrasos, a Fasc informou que "cada caso é um caso" e que envolvem "situações complexas". A primeira dessas situações seria um decreto lançado em março de 2016 pelo então prefeito José Fortunati, que vetou o reajuste dos contratos da prefeitura a índice superior a 7%. Isso fez com que os aluguéis que venceriam após esta data com IGP-M maior do que esse teto tivessem de ser negociados. Depois disso, em agosto, a Secretaria Municipal de Planejamento Estratégico (SMPEO) determinou o fim dos reajustes por todos os órgãos da prefeitura.
Novamente, a Fasc teve que negociar aluguéis que venceriam após a mudança, mas alguns proprietários não aceitaram abrir mão do reajuste, conforme o órgão. Os que aceitaram tiveram de ter os contratos analisados pela SMPEO, que deveria liberar os pagamentos, o que foi feito "majoritariamente entre os dias 26 e 27 de dezembro", ainda segundo a Fasc.
Em 2017, os Pedidos de Liberação de Orçamento aprovados pela SMPEO foram anulados devido ao decreto do prefeito Nelson Marchezan que suspende os pagamentos da gestão anterior até 31 de março. Depois disso, a Fasc espera quitar as dívidas (e evitar o despejo) com recursos do Fundo Nacional de Assistência Social (Fnas), que já estão em caixa – a condição para a liberação, porém, é a aprovação do Plano de Reprogramação Anual enviado ao Conselho Municipal de Assistência Social, cuja votação está prevista para 3 de abril. Caso o problema não seja solucionado, mais proprietários podem pedir ações de despejo.
Contratos são investigados por suspeita de superfaturamento
Além do problema dos atrasos, a Fasc é alvo de uma investigação da Polícia Civil desde janeiro, quando o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) realizou a Operação Full House, que investiga irregularidades em contratos de locação. Em novembro, Zero Hora revelou suspeitas de que um casal de servidores públicos teria simulado a venda de uma casa no bairro Glória para, depois, alugar o imóvel para a Fasc por R$ 10 mil mensais – valor acima do mercado.
O caso também motivou um pedido do MP de Contas para que o Tribunal de Contas do Estado (TCE) faça inspeção especial para examinar todos contratos de locação firmados pela fundação. O MP de Contas já apurou que, em geral, os contratos de locação da Fasc têm prazo inicial entre 12 e 36 meses (o do bairro Glória foi firmado por 60 meses). Também foi verificado que o valor médio dos aluguéis pagos pela instituição para os abrigos é de R$ 5,2 mil, quase metade do valor estipulado para o contrato investigado.
A Fasc alegou que está procurando uma nova casa para abrigar as crianças e os adolescentes que atualmente residem no bairro Glória e que romperá o contrato suspeito de superfaturamento. Por causa disso, conforme o órgão, a Procuradoria-Geral do Município (PGM) está analisando todos os contratos de locação. Essas análises, no entanto, não têm relação com os atrasos – que seriam por problemas administrativos do município.
A nova administração aponta que, por causa do atraso das autorizações dos Pedidos de Liberação de Orçamento da Fasc pela SMPEO, a antiga gestão pagou alguns dos aluguéis por meio de Guias Extraordinárias de Orçamento (GEO), o que seria irregular. "Isso explica porque alguns pagamentos foram realizados, e outros não, apesar da inexistência de PL. Tais liberações estão sendo analisadas por uma sindicância da PGM", relatou a Fasc.
Ex-presidente da Fasc, Marcelo Soares também afirmou que alguns atrasos aconteceram por causa da restrição e, depois, da impossibilidade de conceder reajustes aos aluguéis, o que dificultou as negociações com os proprietários. Sobre ter pago parcelas por meio de GEOs, o ex-gestor afirmou que a atitude foi tomada "para não gerar multas ao erário, por causa dos atrasos nos repasses do governo federal", aos quais alguns aluguéis eram vinculados.
– Nos últimos dias do ano passado, o governo (federal) fez uma quantidade expressiva de repasses, que permitirá a essa gestão quitar isso (os aluguéis) – afirmou.
Sobre o contrato suspeito de superfaturamento que assinou, Soares afirmou que "não coube à presidência definir valores e que não houve má fé".