Disseminado Brasil afora, o sistema de gratificações que permite remuneração extra a servidores públicos é visto como um dos principais desafios para reduzir os chamados supersalários – que superam os limites previstos na Constituição Federal – pelo secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco. Por telefone, ele falou a ZH sobre o assunto:
Desde os anos 1980, a prefeitura de Porto Alegre alimenta um sistema de gratificações para premiar servidores que resultou em altos salários. Isso é algo comum em outras cidades?
Está acontecendo Brasil afora. Nos Estados, na União, nos municípios. As gratificações começaram porque havia uma dificuldade de aumentar o salários claramente, sem gerar conflito com a opinião pública. Uma maneira de burlar isso foi disfarçá-los de bônus ou gratificações. O que acontece é que hoje a Constituição fixa um teto que na verdade é um piso, porque foram surgindo inúmeros penduricalhos validados por decisões judiciais, e passamos a ter supersalários legalmente autorizados. As gratificações tornaram-se um verdadeiro impasse para se acabar com os supersalários, porque foram legitimadas por decisões legais, mas imorais.
Como lidar com um sistema tão arraigado no serviço público?
Não se pode ser contra todas as gratificações, mas muitas delas foram criadas com espírito corporativo. São um jeito do servidor ganhar um bônus para fazer aquilo que ele foi contratado para fazer, o que é injusto com o contribuinte. Isso existe em grande quantidade, fruto de decisões políticas. Em Brasília, a Comissão dos Supersalários (Comissão Especial do Extrateto (CTETO) discutiu o tema e redigiu um relatório que prevê a extinção de benefícios que façam os vencimentos excederem o teto salarial previsto na Constituição (que no caso dos municípios é o salário do prefeito). A questão é saber como vão lidar com os benefícios corporativistas que são recebidos há muitos anos dentro dessa filosofia, já que alguns deles foram incorporados aos salários.
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É correto que cargos em comissão, que geralmente partem de salários mais altos, recebam esse tipo de incentivo?
O que ocorre é que as gratificações não são exclusivas dos CCs, mas as melhores, frequentemente, são obtidas por eles. Como são apadrinhados politicamente, os comissionados acabam sendo hospedados em secretarias de planejamento e gestão, onde estão os melhores benefícios. Isso não traz nada de positivo para a prefeitura, porque a profusão de CCs nessas áreas acarreta uma descontinuidade da administração e de políticas públicas, além de gerar revolta nos concursados. O que seria desejável, não só na prefeitura, como governo e União, é que se tivesse uma força de trabalho para que, em sua quase totalidade, o quadro fosse de funcionários concursados. Porque eles podem ser treinados, absorvem a cultura da administração pública e vão permanecer por um tempo maior, enquanto os comissionados são pessoas que em geral caem de paraquedas, passam uma temporada, e vão embora sem deixar legados.
No Portal da Transparência, onde estão disponíveis as informações sobre os vencimentos dos servidores, não é possível verificar como eles são compostos, ou seja, se o valor final é afetado por gratificações. Qual a importância dessa informação para o contribuinte?
Não tenho a menor dúvida de que a transparência tem de ser plena. Vencimento, gratificações, férias, 13º, todos os tipos de remuneração têm de ser discriminados, até para que se possa fazer interpretações justas. O vencimento sozinho gera uma impressão equivocada do que a pessoa ganha, que também pode ser afetado por outros benefícios, como as férias. Então quanto mais detalhado, melhor. É o mais justo para o servidor e para a sociedade.