Entre a madrugada e a manhã desta segunda-feira, moradores de rua voltaram a ocupar as dependências do Viaduto Otávio Rocha, no centro de Porto Alegre. A população retorna ao local dois dias após ter sido removida em uma ação realizada pelo Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) com o apoio da Guarda Municipal e da Brigada Militar.
A remoção dos moradores do local foi recebida de forma controversa entre residentes e comerciantes da região e defensores de políticas sociais voltadas à população em situação de rua e à questão da moradia urbana. E é por isso que, na tarde desta segunda-feira, representantes do DMLU e do Centro Administrativo Regional Centro (CAR Centro) participaram de uma reunião com o Ministério Público Estadual (MPRS) para esclarecer como se deu a operação no último sábado.
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De acordo com o coordenador do CAR Centro, Jair Marros, a intervenção realizada estava agendada há mais de uma semana – e nada teria a ver com a reportagem sobre a situação do viaduto publicada por Zero Hora na sexta-feira. Segundo Marros, a ação ocorreu a partir de uma solicitação da Associação Representativa e Cultural dos Comerciantes do Viaduto Otávio Rocha (Arccov), formalizada junto à prefeitura em 2 de dezembro, para que o espaço fosse liberado, permitindo, assim, a realização de um evento em comemoração aos 84 anos da estrutura.
– O viaduto foi lavado por conta da ação do aniversário de ontem (domingo). Foi isso que foi dito para eles (moradores de rua): "olha, vai acontecer uma ação no domingo, de comemoração aos 84 anos do viaduto". E aí o pessoal da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) esteve lá na quarta, na quinta e na sexta orientando, dizendo que seria necessária a lavagem e a limpeza do viaduto. A Fasc também ofereceu vagas em albergues ao longo da semana. Tudo isso foi feito. Esta ação já estava programada por mais tempo e objetiva a liberação do espaço em virtude do evento, sabendo que provavelmente o local logo voltaria a ser ocupado – afirma Marros.
A Fasc confirmou ter realizado abordagens junto à população que se concentrava no viaduto ao longo da semana passada e não ter encaminhado representantes para a ação do sábado. De acordo com nota divulgada, o órgão "não participa de nenhuma ação de retirada dessas pessoas, como forma de higienização". Conforme a assessoria de imprensa da Fasc, as equipes trabalham na "sensibilização das pessoas em situação de rua, com o objetivo de oportunizar o acesso aos serviços de assistência social".
Felipe Kowal, diretor da Divisão de Limpeza e Coleta do DMLU, afirma que a ação realizada no sábado é um serviço de rotina, situações em que ocorre a lavagem dos espaços públicos.
– Não fazemos higienização como estão comentando. A abordagem geralmente é assim: chegamos e informamos que somos da prefeitura, dizemos que eles não podem ficar no local porque é impróprio e lembramos que já houve abordagem da Fasc. Aí pedimos que eles guardem documentos ou algo que queiram manter com eles e que o restante será retirado do local. Ninguém retira as pessoas dali. Nós fazemos o trabalho de limpeza do local e solicitamos uma saída momentânea para fazermos a lavação da área – afirma Kowal.
Questionado, o diretor do DMLU disse que os pertences dos moradores retirados no sábado foram colocados em um caminhão e descartados. Entre o material carregado estavam colchões, tábuas utilizadas para a estrutura dos abrigos e roupas.
– Eram materiais em péssimo estado e foram todos descartados. A gente não fica feliz em fazer ações como esta. Mas como gestor da limpeza urbana não posso fechar os olhos e não fazer nada. Eu tenho de dar condições para todos, e havia uma solicitação dos moradores e comerciantes da redondeza. O DMLU não tem a atribuição de remover pessoas. Tanto o DMLU não faz a retirada das pessoas que eu convido vocês a irem agora lá no viaduto e ver que elas estão lá de novo. A gente está tentando manter um pouco, o possível, o mínimo de limpeza _ complementa Kowal.
O diretor do DMLU ainda afirma não entender por que recai ao órgão a "imagem de algoz".
– Fazemos a nossa parte. Mas, por outro lado, não é possível que a própria Fasc, que faz acompanhamentos semanais, tenha deixado a situação chegar ao número de cerca de 80 moradores de rua, como é o caso do viaduto. Será que não tem uma política que possa ressocializar essas pessoas, tirar desta situação? E aí, claro, acaba ficando o DMLU de vilão. A imagem que fica é dos garis colocando os resíduos dentro do caminhão e compactando. Estamos apenas prestando um apoio. Poderia ter sido um caminhão da Smam, e aí hoje estariam batendo na Smam.
Na reunião com o Ministério Público, representantes da prefeitura e dos movimentos sociais deram suas versões sobre a ação ocorrida no sábado. De acordo com o coordenador do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (CAODH), promotor Mauro Souza, a conversa objetivou ainda levantar alternativas que conciliem a preservação dos bens de uso comum da cidade e a preservação dos direitos da população em situação de rua – trabalho que já vinha sendo desenvolvido pelo MPRS.
– Colhemos informações de todos os lados sobre o que aconteceu no sábado e reforçamos que deve ser respeitada a recomendação expedida pela promotora Liliane Dreyer Pastoriz em 2014, quando foram traçadas as diretrizes para guiar o comportamento das polícias e órgãos como a Guarda Municipal nestes tipos de ações, de desocupação de alguma área. Esta foi uma reunião preliminar, mas vamos levantar os dados para saber se teve desvio de conduta ou não nesta ação de sábado. Qualquer avaliação seria precipitada – afirma o promotor.
Uma nova reunião do Ministério Público com representantes dos movimentos ligados à população em situação de rua e representantes da administração municipal está marcada para a próxima segunda-feira.