Para quem tem pedido protocolado no Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) via telefone 156, a notícia não é boa: há 22,5 mil casos esperando atendimento em Porto Alegre desde 2013. Diretamente relacionados a bueiros, são 4 mil chamados abertos, sendo que 2,7 mil são para cobrar a limpeza de bocas de lobo entupidas.
A partir de reportagens publicadas por Zero Hora ao longo da semana, revelando que a empresa JD Construções – contratada pelo DEP para fazer a limpeza de bueiros – cobrava por serviços não realizados, centenas de moradores da Capital se manifestaram, enviando a ZH e Rádio Gaúcha queixas sobre pedidos não atendidos pelo órgão municipal. Os dramas estão espalhados pela cidade.
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Um deles chama a atenção pelo histórico de providências dos moradores, até hoje sem resultado. É o caso de um vazamento de esgoto pluvial na Rua Aníbal di Primo Beck, no bairro Boa Vista. O problema já fez aniversário (com direito a festa) e foi duas vezes noticiado por ZH (em setembro de 2015 e em maio deste ano). Mais: foi comunicado pessoalmente ao prefeito José Fortunati e obteve decisão judicial liminar com prazo para resolver o problema. Nada.
Esse é só um exemplo das dificuldades enfrentadas pela população em busca de soluções para problemas corriqueiros, mas que causam transtornos e gastos com serviços privados. Segundo o DEP, os canais de entrada de pedidos no órgão são os mais variados: pelo 156, por associações de moradores, por vereadores, pelo Ministério Público, pelo gabinete da prefeitura e casos noticiados pela imprensa. O DEP diz ter recebido 105,2 mil solicitações desde 2013, e ter atendido 82,8 mil. A qualidade do atendimento, no entanto, não é medida, ou seja, se o problema realmente foi solucionado a contento.
Para a Procuradoria-Geral do Município, que está fazendo uma intervenção no órgão, esse fluxo oriundo de muitos canais prejudica a priorização de casos urgentes e a organização de um cronograma de atendimento. A medida em adoção é centralizar os pedidos em um canal e organizar a resposta ao usuário.
Na quinta-feira, a prefeitura comunicou outras medidas adotadas no DEP: a substituição dos engenheiros chefes e encarregados das seções de conservação Centro, Sul, Norte e Leste.
Veja as irregularidades apuradas por ZH:
Oito protocolos e nenhuma explicação
Em uma empresa situada na Rua Padre Diogo Feijó, no bairro Navegantes, quando chove – e por alguns dias depois da chuva, enquanto a área fica alagada – os funcionários evitam sair para almoçar. O esforço é tanto para não molhar calçados e roupas, que é melhor evitar. O auxiliar de escritório Jeferson Azzi,41 anos, tenta solução desde dezembro. Já fez oito protocolos na prefeitura: seis dirigidos ao Dmae e dois, ao DEP.
– Não sabemos quem é o responsável. Ligo para o Dmae, dizem que é o DEP. Falo com DEP, mandam tratar com o Dmae. No final do ano, foi feita obra na esquina com a Rua 18 de Novembro, colocaram um duto e desde então alaga tudo. Acho que bloquearam as bocas de lobo. Até um simples sereno já faz empossar água. E fica por dias – diz Jeferson.
Neste ano, o DEP compareceu ao local uma vez e, sem explicar qual era o problema, informou que seria resolvido. Jeferson segue esperando.
Calçada cedendo e DEP sem sistema
Quando um buraco surgiu na calçada, em fevereiro, na frente da entrada da garagem dos pais idosos, a socióloga Elaine Losch confiou que abrir um protocolo pelo 156 resolveria. Notando a falta de ação, apelou para outros canais, como a rede colaborativa virtual (colab.re). Sem resposta, telefonou para o DEP, em abril. Foi quando descobriu que seus pedidos nem sequer tinham chegado à seção responsável pelo bairro.
– Me disseram que o DEP da Sertório estava sem telefone e sem sistema desde o temporal de 29 de janeiro. A pessoa no DEP disse que ia imprimir meu pedido e mandar por motoboy para a Zona Norte. Peguei o carro e fui lá pessoalmente. Nada até hoje – desabafa Elaine.
Preocupada que os pais pudessem se machucar ou uma criança – ao lado funciona uma escola infantil –, Elaine pagou R$ 300 para um pedreiro fechar o buraco. Outros estão abertos ao longo da calçada, como mostra Raimundo Losch (foto), e o localizado na frente da casa dos pais, na Rua Gastão Englert, já ameaça ceder novamente.
Água que brota pela boca de lobo
O imóvel onde moram a mãe, Izabel De Bem Schafer (foto), e outros familiares da técnica em nutrição Elaine Schafer tem como ameaça uma boca de lobo, situada na Rua Maria Josefa da Fontoura, bairro Sarandi. Ao contrário de dar a tranquilidade de que sugará o excesso de água da chuva, o dito bueiro é um vilão que cospe muita água. E o que jorra dele alaga o imóvel da família e de vizinhos. Desde novembro do ano passado, Elaine contabiliza dezenas de ligações para o 156 – cada vez, um novo protocolo.
– A cada ligação, parece que estamos começando do zero. E me dizem que já foram, que já limparam e continua tudo igual. O bueiro tem refluxo.
Em fevereiro, quando a mãe perdeu vários bens por causa do alagamento na casa, Elaine ligou para o gabinete do vice-prefeito Sebastião Melo.
– Mandaram ligar para o DEP e falar com a engenheira Cristiane. Já falei várias vezes e não resolvem. Às vezes, vão lá e dizem que está limpo, nem fazem nada. Digo que o problema é outro. Não adianta – conta Elaine.
Nem ordem de juiz resolve
Já é com cansaço que os moradores da Rua Aníbal di Primo Beck, no bairro Boa Vista, relatam o problema do esgoto que corre a céu aberto desde 2015. De lá para cá, o DEP já apareceu para consertos, sem solução. Até causou mais problemas.
– Vieram e enfiaram uma retroescavadeira que estourou a rede de energia, telefone e internet. E não voltaram para arrumar. Fui no DEP e estava como resolvido. O condomínio gastou R$ 13,5 mil com uma empresa especializada. Protocolei pedido de ressarcimento e estou esperando – conta o engenheiro Fernando Bizarro.
Também morador da rua, o engenheiro civil Alberto Bing (foto) foi o mentor da festa de aniversário do buraco, com convite à prefeitura. Na época, em 13 de maio, o então diretor-adjunto do DEP, Francisco Mellos, disse a ZH que não iria à festa, mas que em uma semana a obra estaria concluída. Só canos foram depositados lá.
Bing apelou ao Judiciário. Em maio, a Justiça deu prazo para a prefeitura resolver o problema em cinco dias. O município foi notificado da ordem em 8 de junho. Mais uma vez, nada mudou.