Localizada no bairro Navegantes, em Porto Alegre, a Cettraliq, que trata efluentes líquidos da atividade industrial e entrou na rota de investigação da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) sobre as alterações na água da Capital, estaria em situação irregular. Segundo a prefeitura, a empresa não passou por Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU), não tem Habite-se e também não possui alvará para atuar na cidade.
– Rigorosamente, não tem pedido nenhum de licença para edificação. Tem um Habite-se de 1938, em nome de outra empresa, que é mais antigo do que eu. Nunca teve Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU). Está irregular – disse o secretário adjunto de Urbanismo, Heraldo Arnt.
Conforme o secretário-adjunto da Secretaria Municipal de Urbanismo (Smurb), o Habite-se do prédio onde está localizada a empresa, que trata efluentes de 1,5 mil clientes e despeja o resultado do processo na rede pluvial, está em nome de uma indústria têxtil que não opera no local há décadas. Indispensável à instalação de empresas na Capital, o EVU, que avalia, entre outros, o impacto ambiental do estabelecimento e sua adequação ao Plano Diretor, inexiste. A Smurb encaminhou, na manhã desta sexta-feira, uma notificação à Cettraliq, que terá 30 dias para se manifestar.
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Também não há, segundo a Secretaria Municipal de Indústria, Comércio e Serviços (Smic), alvará para que a companhia atue no local. Na quinta-feira, técnicos da Smic foram até a empresa e elaboraram um auto de infração pela irregularidade. Agora, a companhia terá 30 dias para apresentar uma defesa e outros 30 dias para recorrer da decisão. Ao fim do período, caso não esteja regularizada, poderá ser interditada, conforme o titular da pasta.
– Essa empresa, com o tipo de atividade que exerce, atua na clandestinidade. A surpresa é como conseguiu se licenciar e obter junto à Fepam essa licença de operação sem que tivesse a participação do município. Essa é a grande pergunta – disse o secretário Antonio Kleber de Paula.
Os alvarás fornecidos pela Smic são a última etapa de licenciamento para a atuação de empresas na Capital, depois da liberação dos órgãos ambientais. Mas até esta semana, segundo a secretaria, a pasta sequer tinha conhecimento da existência da companhia, que atua na Capital, pelo menos, desde 2004.
Prefeitura alega ter "equipe pequena" para fiscalizar
De acordo com a secretaria de Urbanismo, a empresa nunca havia sido fiscalizada porque a equipe que realiza esse trabalho é pequena e atua, principalmente, a partir de denúncias. Segundo Heraldo Arnt, a Cettraliq ainda tem chance de se regularizar, mas terá de passar pelo crivo de um corpo técnico para conseguir o EVU.
– Realmente existe um problema de estrutura e capacidade técnica da secretaria. Temos 15 fiscais para a cidade inteira. É muito difícil (que ocorra uma fiscalização) espontaneamente. Não é proibido que ela se regularize, mas a equipe técnica vai ver se é possível. Será considerado o impacto que causa para o meio ambiente – disse.
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A Cettraliq entrou na rota de investigações da Fepam sobre os problemas na água na Capital, que se arrastam há quase dois meses, por estar localizada na região onde o odor semelhante ao identificado no líquido tratado em diversos bairros era mais forte. Licenciada pelo órgão ambiental estadual até 2019, ela tem autorização para liberar o resultado do processamento de resíduos líquidos na rede pluvial, a apenas dois quilômetros de um ponto onde a água é captada para o abastecimento. Nas últimas semanas, sua localização tem sido questionada por especialistas, pela própria Fepam e pelo Ministério Público.
Procurada pela reportagem, a companha respondeu, em nota, que possui alvará de localização, emitido pela prefeitura em 2007, quando se chamava Cettrel. No fim da tarde de ontem, a Smic buscou o documento enviado pela advogada da Cettraliq em seu sistema, mas nenhum dos seis alvarás existentes para o endereço informado envolvia a empresa de tratamento de efluentes, com nenhuma das duas razões sociais.
A Cettraliq não comentou a falta do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) mencionada pela Smurb, confirmou que o Habite-se seria dos anos 1930, mas disse não haver nenhuma inadequação em relação ao documento. "Não há impropriedade quanto ao Habite-se, documento emitido quando da instalação do imóvel, e refere-se a construção do imóvel, entregue em 1938", dizia o texto.
"A gente não sabe como se deu essa licença", diz responsável da Fepam
Por telefone, a secretária estadual do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Ana Pellini, disse não ter conhecimento de que a empresa atuava de forma irregular no município. Ele explicou que todo licenciamento ambiental feito pela Fepam exige que as empresas apresentem uma liberação de uso do solo expedida pelo município para dar início ao processo.
– É um procedimento padrão pedir autorização do município, certidão de uso do solo. E o empreendedor não consegue nem protocolar o pedido senão apresenta isso. A gente não sabe como se deu essa licença. É muito antiga. Nós fiscalizamos permanentemente sob o aspecto ambiental. Nós não cobramos se tem habite-se, alvará, porque isso não é um quesito ambiental. Eu não sabia (que a empresa não tinha alvará). Não deve ter nem bombeiro. A prefeitura que fiscalize – disse.
Ana Pellini, que assumiu a presidência da Fepam em 2015, informou ainda que solicitou o desarquivamento do processo de licenciamento da Cettraliq para verificar como se deu o procedimento à época. O documento deve ser disponibilizado na semana que vem.