Michel Temer é apontado por especialistas do Direito (algo que o autor deste texto não é) como o responsável por um livro de referência para a área: Elementos de Direito Constitucional, publicado originalmente em 1982 e reescrito após a promulgação da atual Carta, em 1988. E os acontecimentos dos últimos meses dão testemunho eloquente da sua habilidade como articulador político. Mas Temer também lançou, em 2012, um livro de poemas, Anônima Intimidade (Topbooks, 164 páginas), uma obra que deixa claro: ao contrário de sua condição na política e no Direito, na poesia, o presidente interino da República definitivamente não é do ramo.
Anônima Intimidade é, como o título maroto denuncia, um conjunto de 120 poemas nos quais um homem bem pouco anônimo pretende condensar em poesia seu universo íntimo. Não há como estabelecer se a intimidade ali exposta é tão enganosa quanto o anonimato de um vice-presidente, mas é possível especular que tipo de poeta Michel Temer se pretende, não apenas pelo amplo conjunto de referências apresentado (mais como citação de nomes como Hilda Hilst ou Drummond do que em termos de emulação estilística), mas pela forma como trabalha seus versos.
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Escritos muitas vezes em viagens oficiais, em guardanapos de papel e blocos esparsos, os poemas têm em comum certas recorrências temáticas: a passagem inexorável do tempo; a paixão amorosa; a dificuldade da criação artística; uma melancolia cansada pelo modo como as coisas são e pelo fato de haver pouco a fazer para mudar isso. Não são preocupações propriamente originais – ao contrário, são o lugar-comum de boa parte da poesia contemporânea, principalmente em livros de estreia. Ainda assim, um tratamento estilístico novo poderia tirar dessa matéria-prima bons poemas – mas a forma é um dos pontos fracos do livro.
É surpreendente que versos tão tributários de conquistas contemporâneas possam soar tão velhos. Apesar de algumas composições mais longas, os poemas tendem a ser curtos, sem métrica, sem rima, muitos com duas ou três linhas, tentativas de aforismos que se perdem porque não apresentam nem o ritmo ou a verve de seus modelos, nem insights particularmente inspirados, como Saber: "Eu não sabia. / Eu juro que não sabia!". Outro é mais um trocadilho do que um poema de fato: "Um homem sem causa / nada causa". E a graça que se pode ver em Compreensão Tardia é o quanto, apesar de o título aludir a uma conclusão de fim da vida, a reflexão tem um tom adolescente: "Se eu soubesse que a vida era assim / Não teria vindo ao mundo". A perplexidade diante da passagem do tempo também rende Trajetória, muito parecido com aquele anterior, inclusive na banalidade existencial da lamentação: "Se eu pudesse / Não continuaria".
Fica claro, com esses exemplos, que um dos expedientes de composição é fazer os aforismos dialogarem com os títulos, dando novo sentido ao conjunto. O problema é que falta transcendência artística ao resultado, transformando-os em minicontos apressados. Outra vertente do livro evidencia que Temer leu o bastante para reconhecer a fragilidade de seus próprios versos, mas resolve o problema com um dos truques mais manjados: reconhecê-la e justificá-la em reflexões metalinguísticas: "Falta-me tristeza. / Instrumento mobilizador / Dos meus escritos. (...) Lamentavelmente / Tudo anda bem. / Por isso / Andam mal / Os meus escritos". Há também ilustrações sobre a difícil busca da originalidade, como Reprodução: "Copiamos. Copiamos./ E copiamos./ Imitamos./ Repetimos./ Quantas ideias/ Originais. / Transformação de outras ideias originais". Reflexões que representam, por ironia, a desistência dessa busca, como em Passou: "Quando parei / Para pensar / Todos os pensamentos / Já haviam acontecido".
Não por acaso, a chave para o conjunto passa pelo poema que serve de título, um dos mais longos e evocativos: "Correio elegante / hoje torpedo. / Bom mesmo era o correio elegante / Nas quermesses do interior. / O garçom levava a sua mensagem para alguém. / Ou trazia, / Sempre anônimas, / Palavras de amor. / Ou admiração". É esse o tom que a poesia de Temer assume, tanto nos versos mais filosóficos quanto nos de maior carga emocional: um correio sentimental, uma poesia sem tensão, recatada (e não muito bela), que se confunde com prosa quebrada aleatoriamente em linhas, como no longo O Relógio ("Tão antigo / Tão lindo / Tão nobre / Resolvi levá-lo para casa / Para São Paulo. / Preguei-o na parede. / Maravilha".) Ou como em Confissão, uma espécie de Autopsicografia com sérias restrições orçamentárias: "Eis-me aqui / Tresloucado pela dor / De não poder revelar / Minha dor para ninguém". Poderia ser um tuíte, mas Temer, como expressou em seus versos, prefere o correio elegante.
Um último parágrafo seria obrigatório para um aspecto folclórico: o quanto alguns dos poemas, publicados há quatro anos, assumem inevitáveis novos sentidos quando lidos à luz dos acontecimentos deste ano. Não que eles carreguem tom "premonitório", mas expressam algumas inquietações de Temer que se manifestaram em formas diferentes no papel que assumiu na recente crise política. Dado o traumático rompimento com o partido do governo, é interessante ler Tempo que Passa (outro poema preocupado com o tempo): "Deixo que o tempo passe / E que os papéis / Percam atualidade / Superados, rasgo-os / Também assim / Nas relações /Deixo que o tempo as / consuma. / Exauridas, elimino-as". E ao ler versos como os de Exposição ("Escrever é expor-se. / Revelar sua capacidade / Ou incapacidade. / E sua intimidade. / Nas linhas e entrelinhas. /Não teria sido mais útil silenciar?"), é impossível não lembrar da divulgação da carta em que Temer se queixava para Dilma de seu progressivo isolamento pelo governo.