Difundido pelo WhatsApp dias após a enchente que deixou milhares de desabrigados e desalojados no Rio Grande do Sul, um boato sobre nova enxurrada preocupa o Centro Integrado de Comando (Ceic) de Porto Alegre, órgão que emite alertas e orienta a Capital em caso de grandes alterações climáticas.
No áudio viralizado, um homem fala que 15 dos próximos 21 dias serão de intensas chuvas e que as famílias estão sendo retiradas das ilhas do Guaíba como forma preventiva.
"Pessoal, olha só, informação importante que chegou até a mim. Terça-feira começa a chover, quarta-feira o Guaíba vai transbordar. A Defesa Civil está recolhendo todo mundo das ilhas para ir para o Tesourinha. Quem quer sair eles não estão deixando", relata o homem, não identificado, no áudio (ouça abaixo).
Pelo Twitter, o Sistema Metroclima, que integra o Ceic, pediu que "mensagens de áudio oficiosas e falsas" sejam ignoradas.
- As pessoas criam uma certa histeria com o que está chegando. É falso o que foi dito - garante Valmor Griebler, gerente do Metroclima.
Em 2015, outras mentiras (veja mais abaixo) exigiram respostas das autoridades e levantaram o questionamento: como discernir o que é real ou falso em um momento de aflição geral, e o que fazer com as pessoas que disseminam as informações? O pesquisador de mídias sociais e professor de pós-graduação de Comunicação da UFRGS Alex Primo explica que o ambiente virtual, apesar de ainda não ser totalmente regulado, implica nas mesmas responsabilidades que o "real":
- O protesto anônimo faz parte da democracia, mas as leis contra calúnia e difamação são iguais, seja online ou offline. Se for identificado, quem espalha um boato criminoso pode ser processado e responder por crimes comuns.
Motivos políticos e vaidade
O fluxo aberto de informações e o compartilhamento instantâneo de áudios, imagens e textos do WhatsApp tornaram mais fluida a viralização de verdades e mentiras pelo popular aplicativo. O coordenador do curso de Comunicação Digital da Unisinos, Micael Vier Behs, diz que "qualquer usuário se tornou um possível propagador de informações distanciadas da realidade". Para ele, o boato precisa ser posto de frente com a realidade para ser eliminado:
- A principal característica de um boato é que ele carrega consigo uma novidade, ou seja, tem apelo noticioso e trata sobre questões relevantes para uma determinada comunidade. De tanto circular, também acaba se confrontando com a verdade e, nesse momento, acaba extinto.
Os pesquisadores veem dois motivos principais para a promoção de boatos: política e vaidade. No primeiro caso, envolve temas como segurança pública, bem-estar e economia, e visa desestabilizar determinados políticos ou grupos de poder. No segundo, o objetivo é mostrar o poder de influência e alcance do usuário, que pode inclusive ganhar dinheiro com isso:
- O alimento é o número de compartilhamentos e o poder de manipular as pessoas. Alguns aplicam as peças para mostrarem às agências (de publicidade) que podem mobilizar muita gente. Isso tem um preço. É muito fácil mexer com as emoções alheias hoje em dia. Isso tem a ver com o pânico que estamos vivendo com desastres naturais, corrupção, violência. Só recebemos notícias ruins, e elas captam imediatamente a atenção - afirma Alex Primo.
Como se proteger? Os especialistas aconselham a deixar a preguiça de lado e, antes de compartilhar uma informação aparentemente forte, procurar na internet e em veículos de comunicação tradicionais referências sobre o assunto. Em ataques diretos contra uma pessoa ou instituição, a vítima deve guardar os arquivos e procurar a polícia.
- Embora possa existir um fomentador do boato, o que complica a situação são as outras pessoas que tomam esse dado como verdade e passam a propaga-lo sem a menor preocupação de checar a veracidade da informação - alerta Micael Behs.
Indústria da boataria
Enchentes: circula, em outubro de 2015, o "alerta" de que choverá nos próximos 15 dos 21 dias no Rio Grande do Sul e que familias são retiradas das ilhas do Guaíba de forma preventiva. O Metroclima nega e pede que as pessoas procurem informações oficiais sobre as chuvas.
Onda de violência: em setembro, a sensação de insegurança foi ampliada no Estado depois que um homem repassou, pelo WhatsApp, que haveria uma rebelião de traficantes da Vila Cruzeiro por ordem de dentro do Presídio Central. Ele falava em toque de recolher. Era falso.
Milhares de armas na Amazônia: em março, mensagens de áudio no WhatsApp pediam às pessoas que estocassem alimentos e evitassem sair de casa porque se avizinhava uma guerra civil no Brasil. As mensagens falavam em mobilização do Exército para enfrentar a guerra e que foram descobertas na Amazônia 20 mil armas de guerrilheiros. Também mentira.
Guerra do tráfico nas ruas do Maranhão: o medo tomou conta dos moradores de São Luís (MA) depois de uma rebelião em que morreram nove presos no Complexo de Pedrinhas em outubro de 2013. Os boatos falavam em guerra nas ruas e as empresas de ônibus chegaram a recolher os coletivos como precaução. Além disso, colégios e universidades cancelaram aulas. Não havia a violência descrita nos boatos.
Fim do Bolsa-Família: em maio de 2013, circulou a informação de que o Bolsa Família seria extinto, o que causou correria, confusão e tumulto em Estados do Nordeste. O boato levou beneficiários a tentar sacar o dinheiro em casas lotéricas e terminais de autoatendimento da Caixa Econômica Federal. O que aconteceu foi apenas o atraso no cronograma de pagamento do benefício social.