Foi na fria noite de 6 de julho, há dois anos, que um pedaço da história gaúcha, o Mercado Público de Porto Alegre, ardeu em chamas. Começou com uma chapa de fritar bifes ligada, esquecida ao ponto de o fogo subir parede acima e derreter metal. E se propagou até que o prédio com 169 anos virasse uma tocha. Parecia o fim, mas a rápida mobilização dos bombeiros evitou que o edifício fosse totalmente destruído.
O que não acontece de forma tão veloz é a restauração do imóvel. Dois anos após o incêndio, ela está longe do fim. As obras estão divididas em quatro fases: uma já terminou, outras duas estão 85% e 50% concluídas e a quarta nem começou (veja abaixo).
Produtos do Mercado Público passam a ser vendidos também pela internet
A parte do andar superior do mercado, voltada para a Avenida Júlio de Castilhos, continua sem uso, em reformas. Menos mal que os sete estabelecimentos destruídos pelo fogo tiveram licença para reabrir num espaço do térreo - acanhado, mas ainda assim suficiente para garantir fregueses. A destruição, apesar de ser maior que os 10% calculados no dia (são 22%, segundo os últimos cálculos), não chegou à catástrofe imaginada pelo cronista David Coimbra na noite do incêndio, quando ele escreveu "Chorei quando vi o Mercado Público morrendo".
Em vídeo, faça um tour pelo Mercado Público
O mercado, felizmente, não morreu. E o vice-prefeito Sebastião Melo garante: quer entregar o andar superior do prédio histórico aos frequentadores até o fim deste ano, deixando para 2016 algumas melhorias programadas para o prédio, como uma nova subestação de energia elétrica, novo sistema hidrossanitário e também de refrigeração. São obras desejáveis, mas o patamar destruído pelo fogo pode ser reaberto sem elas.
Por que a reforma não foi concluída?
Um dia após o incêndio, o governo federal assumiu a tarefa de custear a restauração do mercado, por meio do projeto PAC Cidades Históricas. A presidente Dilma Rousseff ofereceu R$ 19 milhões. Desse total, cerca de R$ 10 milhões já foram investidos e o restante espera concretização de projetos para ser aplicado. Mas, afinal, por que em dois anos a reforma do Mercado Público não foi concluída?
Um ano depois do incêndio, Mercado Público segue em obras
A arquiteta Briane Bicca, coordenadora do PAC Cidades Históricas de Porto Alegre (que banca o restauro do prédio), discorda veementemente de que exista demora. Ela ressalta que até houve economia de tempo, porque são usadas na obra as mesmas empresas que reformaram esse prédio histórico nos anos 1990. A especialista ressalta que são dezenas de projetos e centenas de pequenas obras a ser feitas.
- Restauro não pode ser rápido. É quase um artesanato, que necessita cuidados. Do contrário, fica ruim. Apenas isso.
Já o vice-prefeito Sebastião Melo diz que obra sempre tem atraso "ainda mais se é pública, ainda mais no Brasil".
- E se o prédio é tombado pelo patrimônio histórico, a coisa é mais lenta. Em vista disso, até que encaminhamos bem. Queremos entregar a obra principal até o fim do ano, deixando a energia para 2016. O mercado, que é o coração de Porto Alegre, merece.
Incêndio é o quarto da história do Mercado Público de Porto Alegre
Veja como estão hoje os locais atingidos pelo incêndio:
Rotina é retomada aos poucos
Francisco Assis dos Santos Nunes, o Chico, estava em casa curtindo o friozinho quando ligaram no celular, avisando que o Mercado Público pegava fogo. Saltou do sofá, mas intuiu: meu trabalho vai ser consumido.
E foi. O restaurante Sayuri, especializado em comida japonesa e há 15 anos funcionando no andar superior do Mercado, foi destruído pelas chamas antes mesmo de Chico conseguir chegar para ver a cena.
Foram oito meses parado, sem trabalhar, esperando liberação dos bombeiros para nova atividade funcional. Chico diz que optou por manter os oito empregados.
- Suportei os custos, com algumas economias de anos. Depois o seguro me pagou e retomei o negócio.
Hoje o Sayuri está provisoriamente no térreo, com 40% menos capacidade que antes. A cozinha é menor, o número de freezers também diminuiu por conta do espaço reduzido e, por isso, o número de pratos servidos encolheu. Mesmo assim, a frequência é ótima, fala o dono. Agora a expectativa é pela volta ao andar superior.
- No começo me impacientei, mas acabei entendendo que patrimônio histórico é sempre algo demorado, que exige qualidade - admite Chico.
Os sete estabelecimentos devastados na noite de 6 de julho de 2013 tiveram permissão para se reestruturar, de forma provisória, num espaço com 400 cadeiras, no térreo do Mercado. ZH falou com alguns dos antigos permissionários e a maioria se mostra conformada. O espaço é menor, mas as despesas são menores.
- E pelo menos estamos trabalhando - resume um dos comerciantes ouvidos.
O restauro está dividido em três fases:
1) Alvenaria - relativa aos danos estruturais causados nas paredes (inclui pisos, esquadrias, banheiros e laje do teto). Está "andando de forma contínua", como define o coordenador do Mercado Público, Antônio Lorenzi.
Está 85% restaurada.
2) Cobertura - foi a parte mais atingida pelo fogo. Inclui brises (quebra-sóis que reduzem a luz do sol), calhas, suportes, telhas. É também uma das obras mais atrasadas. O orçamento das telhas, por exemplo, demorou mais de seis meses porque o modelo original já não era fabricado - e, como o Mercado Público é tombado, há exigência de elementos originais. Está 50% restaurada.
3) Infraestrutura - aproveitando o restauro, o poder público vai reformar a rede elétrica e a estrutura hidrossanitária, além de renovar o sistema de refrigeração do mercado, dotando todas as bancas com sistema refrigerado. A CEEE deve construir uma nova subestação, prevendo mais demanda de energia. Serão colocadas também câmeras de vigilância e novas escadas rolantes. Tudo está em fase de projeto, sem obra feita.
PRANCHETA DE CUSTOS