Uma revolução tecnológica.
Uma pressão popular com um milhão de assinaturas.
Uma Olimpíada que se avizinha com protestos a tiracolo.
Um jeito mais consciente de consumir - e de ganhar dinheiro também.
São nobres os debates, as tendências e as condutas que analistas do mercado e da academia antecipam para 2015. A seguir, o caderno PrOA desenha os contornos de um ano que promete.
Tecnologia: vídeo glasses
PORTA PARA OUTRO MUNDO
Usuário testa o Oculus Rift, modelo de vídeo glasses da Oculus VR Foto: YouTube, Reprodução
Você bota os óculos e vai para outro lugar, outro ambiente, outro tempo.
Após três anos de testes, chegam ao mercado em 2015 os festejados vídeo glasses - óculos de realidade virtual que devem provocar no mundo um impacto tão profundo quanto o iPhone produziu em 2007. As lentes ficam dentro de uma caixa escura, fechada sobre as têmporas e a testa do usuário, que lá dentro enxerga imagens em 3D de alta definição.
- É uma experiência absolutamente imersiva. Em um primeiro momento, a indústria de games apostará pesado nos vídeo glasses, mas as possibilidades são bem maiores - diz o futurista Tiago Mattos, fundador da escola Perestroika, que já desenvolve projetos para usar os óculos em sala de aula.
Imagine o seu filho, por exemplo, estudando o descobrimento da América ao lado do próprio Cristóvão Colombo, que explica o funcionamento das caravelas. Ou digamos que você esteja em dúvida sobre viajar para as Maldivas ou para o Caribe, e então a agência de viagens lhe oferece uma experiência de dois minutos em cada lugar.
- Se uma pessoa procura apartamento, poderá visitá-lo colocando os óculos - especula Tiago.
Pelo menos 12 empresas trabalham em diferentes versões de vídeo glasses, que devem chegar às lojas no segundo semestre do ano, com unidades limitadas. O preço: entre R$ 800 e R$ 1,6 mil.
Economia: empreendedorismo social
CAPITALISMO ENGAJADO
Tinga e crianças da AACD disputam a Bota do Mundo Foto: Luiz Armando Vaz, Agência RBS
Elas ganham dinheiro fazendo bem para o mundo. Já têm até apelido: setor dois e meio, por serem um híbrido de empresas capitalistas (o segundo setor) e ONGs beneficentes (o terceiro setor).
- É um mercado em ascensão que, em 2015, deixa de ser uma tendência para se consolidar plenamente - garante o publicitário Daniel Mattos, sócio da Smile Flame, empresa de Porto Alegre que desenvolve ações sociais divertidas, sempre faturando com elas.
O mais recente projeto da Smile Flame foi a Bota do Mundo, na Arena do Grêmio: ídolos do futebol e crianças com deficiência calçaram botas especiais que lhes permitiam chutar juntos a mesma bola. Principal financiadora da ação, a Lupo viu nas alturas a divulgação do seu nome. Por isso o mercado cresce tanto.
- Cada vez mais as pessoas vão consumir marcas que entregam não só um produto, mas uma visão de mundo, uma contribuição para a sociedade. Não vai adiantar a Coca-Cola dizer "abra a felicidade" se, na prática, não fizer nada para isso - resume Daniel Mattos.
Política: reforma eleitoral
CAMPANHA FICHA-LIMPA
Manifestação em frente ao Congresso, em junho de 2013 Foto: Rodrigues Pozzebom, Agência Brasil
Quase 600 mil assinaturas já foram coletadas - e tudo indica que a marca de 1,5 milhão será alcançada ainda no primeiro semestre. Aí, sim, o projeto de reforma política apoiado por 131 entidades ganhará status de "iniciativa popular", obrigando o Congresso a levá-lo a votação.
- Será o mesmo processo que vimos em 2010, com a Lei da Ficha Limpa - diz o cientista político Valeriano Costa, diretor do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp. - Depois dos escândalos na Petrobras, novamente os parlamentares se sentem pressionados a dar uma resposta ao eleitorado.
Liderada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Coalizão pela Reforma Política Democrática defende em seu projeto, entre outros pontos, o fim do financiamento de campanha por empresas. O dinheiro viria da União e de doações de pessoas físicas - o que, segundo a coalizão, reduziria a promiscuidade nas relações entre os setores público e privado.
- Para essas normas vigorarem na eleição de 2016, precisam ser aprovadas até outubro deste ano. As entidades correm para isso - afirma Valeriano.
Comportamento: mais privacidade
O SONHO DE SE DESLIGAR
Iglu de feltro idealizado pela designer britânica Freyja Sewell Foto: freyjasewell.co.uk, Divulgação
Já pipocam reflexões sobre a necessidade de se desconectar - e assim se multiplicam invenções e estratégias para fugir das redes sociais, para evitar o smartphone, para se libertar da avalanche de informações que nos assalta a cada segundo.
- Há cada vez mais movimentos pelo mundo pregando o resgate da privacidade e, mais do que isso, buscando proteções contra o excesso de compartilhamentos - diz a psiquiatra Candi Damé, sócia e pesquisadora da Postal Inc., empresa que investiga tendências de comportamento e consumo.
De restaurantes que (de propósito) não oferecem conexão wi-fi, passando pelo bum de atividades como yoga e até pelos excêntricos iglus de feltro - cabanas que permitem às pessoas fugirem da agitação dentro da própria casa, como na foto abaixo -, 2015 será o ano em que a hiperconectividade deitará no divã.
Percebendo a tendência, até a indústria da internet cria produtos pensando nisso. Candi Damé cita os aplicativos Split e Cloak, que têm como objetivo afastar pessoas em vez de aproximá-las: o usuário seleciona os "amigos" que detestaria encontrar na rua, e o aplicativo grita quando o chato estiver por perto. Uma espécie de rede antissocial.
Brasil: manifestações
OLIMPÍADA NA MIRA DAS RUAS
Protesto no centro de Porto Alegre, em abril de 2014 Foto: Mauro Vieira, Agência RBS
Uma nova onda de protestos é prevista para 2015, agora com três motivações centrais: a Olimpíada do ano seguinte, no Rio de Janeiro, o aumento das passagens de ônibus e a corrupção.
- Não deixa de ser uma reedição do que vimos em 2013, com a Olimpíada tomando o lugar da Copa do Mundo na pauta dos manifestantes - avalia Fábio Malini, professor da Universidade Federal do Espírito Santo e pesquisador do Laboratório de Pesquisa em Comunicação Distribuída e Transformação Política.
Malini ressalta que dificilmente os protestos ganharão proporções gigantes como aqueles de junho de 2013. Mas, ainda que as obras da Olimpíada se concentrem apenas no Rio, as redes sociais deverão impulsionar um efeito solidário em outros Estados, especialmente devido à desapropriação de 80 mil famílias que cederão espaço à Vila Olímpica.
- Já no início do ano, entre fevereiro e março, o reajuste das tarifas de transporte público vai motivar manifestações - garante Fábio Malini. - A relação entre os governos e a sociedade civil está se refazendo no Brasil. Em dois anos, nossa sociedade se tornou muito mais participativa, e o Congresso tem lhe dado respostas.
Moda: consciência sustentável
TRANSPARÊNCIA NA ETIQUETA
Colibrii, grife comunitária de Porto Alegre Foto: Colibrii, Divulgação
Ao comprar uma blusa, você saberá de onde veio o tecido, em que local foi feita, quantas pessoas trabalharam nela, quantas horas levaram para terminá-la.
- Ainda não veremos isso ocorrer em todas as lojas, claro, mas haverá em 2015 um crescimento dessa transparência nos processos de produção - prevê a pesquisadora e consultora de moda Roberta Weber.
Foi a grife belga Honest By, em reação às frequentes denúncias de trabalho escravo no mundo da moda, que inaugurou o conceito de transparência absoluta na confecção de roupas. Afinal, lembra Roberta, ganha força entre consumidores uma cobrança por critérios sociais e ecológicos mais responsáveis:
- E nessa onda vão surgindo, em todo o mundo, empresas que valorizam materiais e mão de obra locais.
Em Porto Alegre, por exemplo, é o caso da Colibrii, marca de mochilas e acessórios produzidos por costureiras de comunidades de baixa renda, sempre com materiais reutilizados. Não deixa de ser também um braço do já mencionado capitalismo engajado.