Alguns aí provavelmente ainda não haviam ouvido falar do venezuelano Moisés Naím, escritor, comentarista de política internacional e editor-chefe da prestigiada revista Foreign Policy durante 14 anos. Mas muita gente em posição de poder já ouviu. Naím participa anualmente do Fórum Econômico Mundial, de Davos (na quarta-feira, debateu com José Manuel Barroso, Nik Gowing, Anne-Marie Slaughter e Mauricio Cardenas a "crise de liderança" das sociedades democráticas) e está na mesa de cabeceira do criador do Facebook, Mark Zuckerberg, que escolheu o livro O Fim do Poder, lançado no Brasil em 2013 pela editora Leya, para abrir seu "clube de leitura" em que pretende ler um livro a cada quinzena. A seu modo, é significativo que Naím seja ouvido em Davos, centro do tradicional poder financeiro, e desperte a curiosidade de Zuckerberg, máximo representante de uma nova classe de personagens que, segundo o próprio Naím, está mudando a forma de o poder ser exercido na contemporaneidade.
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O Fim do Poder debate os deslocamentos pelos quais passaram, ao longo do tempo, os centros de poder da sociedade. Mas, de acordo com ele, o simples diagnóstico de que o poder está mudando de mãos, como sempre mudou, não contempla a magnitude do fenômeno contemporâneo. Para ele, a questão vai além de saber com quem ficará o poder, mas sim entender que poder será esse, uma vez que ele vem se degradando continuamente, e por quanto tempo poderá ser mantido em um cenário de competição permanente por ele.
"Enquanto Estados, empresas, partidos políticos, movimentos sociais e instituições ou líderes individuais rivais brigam pelo poder, como têm feito sempre, o poder em si - aquilo pelo qual lutam tão desesperadamente, que tanto desejam alcançar e conservar - está perdendo eficácia" escreve ele em O Fim do Poder.
Naím parte de um exemplo (literalmente) lúdico para ilustrar suas teses: o xadrez. Com o advento da internet e o acesso a milhões de dados sobre partidas ao redor do mundo, um dos efeitos é que os grandes mestres do jogo são cada vez mais jovens e ficam cada vez menos tempo no topo. Para ele, a analogia é aplicável ao poder no mundo real, cada vez mais sujeito a embates de outras forças restritivas, o que pode explicar a eterna "crise de governabilidade" entre a presidência e o Congresso no Brasil e o fato de mesmo líderes políticos com poder militar e econômico global terem dificuldade para aprovar suas medidas mais radicais (como Barack Obama e seu sistema de saúde pública nos Estados Unidos).
"De Chicago a Milão e de Nova Délhi a Brasília, os chefes das máquinas políticas irão prontamente admitir que têm bem menor capacidade de tomar as decisões unilaterais que seus predecessores davam como certas.", afirma Naím
Mesmo o poder financeiro não está imune a essa transformação - e aqui é interessante ver que Naím e Thomas Piketty concordam no fenômeno do aumento da concentração de renda no planeta, mas para Naím até mesmo o famoso 1% dos mais ricos hoje enfrenta tempos menos dóceis, seja pela contestação global seja por uma perda real de renda que atinge até mesmo os mais ricos.