* Doutor pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e professor do Instituto de Matemática da UFRGS
Na última terça-feira, o país foi dormir com uma notícia diferente: um brasileiro, o jovem carioca Artur Ávila, havia sido agraciado com um importantíssimo prêmio, a Medalha Fields. No Congresso Internacional de Matemáticos realizado a cada quatro anos, exatamente como as copas do mundo (mas há mais tempo), Artur recebeu das mãos da presidente da Coreia do Sul, país que está sediando esta edição do evento, a premiação que significa o reconhecimento da comunidade matemática mundial pela excelência do seu trabalho de pesquisa. Não temos nenhum ganhador do prêmio Nobel, ainda não ganhamos copa do mundo em casa (e é melhor nem lembrar da última...) mas fomos dormir com a certeza de que temos um matemático na lista dos mais brilhantes jovens da atualidade. Mas afinal, o que é a Medalha Fields? E o que fez Artur para merecê-la?
A medalha tem uma história de quase 80 anos. Proposta pelo matemático canadense John Charles Fields no final dos anos 1920, ela deveria ser um prêmio para jovens, que reconhecesse o enorme talento já demonstrado e estimulasse novas realizações de vulto. A medalha tem um nome oficial mais pomposo, mas com a morte de Fields em 1932 o prêmio, concedido pela primeira vez em 1936, acabou ficando conhecido pelo seu nome. A medalha é atribuída para pessoas com no máximo 40 anos de idade, podendo ser distribuída para um número que varia entre duas e quatro pessoas. Em 1936, foram premiados dois matemáticos; com a guerra, os congressos internacionais foram interrompidos e retomados apenas em 1950, quando novamente foram premiados dois matemáticos. Desde então, o ritmo tem sido esse: a cada quatro anos há um grande congresso e neles são anunciados os ganhadores, escolhidos por um comitê de alto nível composto de matemáticos de diversas nacionalidades. A cidade da vez é Seul, na Coreia do Sul, na qual foram concedidas quatro medalhas: além de Artur, foram agraciados Manjul Bhargava, Martin Hairer e a iraniana Maryam Mirzakhani, primeira mulher a receber a honraria. Em 2018, conforme decidido na última segunda-feira, o evento abrirá suas portas na cidade do Rio de Janeiro.
E o que faz Artur? Ele é um especialista numa área na qual o Brasil já tem uma comunidade bem estabelecida, fruto do trabalho de grandes pioneiros como Mauricio Peixoto e Jacob Palis, conhecida como sistemas dinâmicos.
Sistemas dinâmicos são estruturas que se modificam no tempo: uma bola de futebol durante uma partida, uma mosca que voa, o aspecto da atmosfera, com mais ou menos nuvens, chuva, sol ou granizo... Todos esses são pequenos exemplos do cotidiano que envolvem sistemas que mudam com o passar dos segundos, no caso da mosca, dos dias, no caso da atmosfera. O grande problema é tentar ter algum tipo de previsibilidade, ou seja, se conhecemos o aspecto do céu hoje, como saber se em uma semana teremos um domingo de sol ou um final de semana chuvoso?
Um meteorologista sabe transformar a evolução da situação da atmosfera em uma equação; um físico também sabe descrever o movimento da bola por meio de equações da mecânica, e não é impossível que um biólogo bastante dedicado também consiga traduzir a complexidade do voo de uma mosca em alguma regra bem concreta. E o que faz um especialista em sistemas dinâmicos, como Artur? Bem, ele em geral não resolve essas equações; também não costuma se preocupar com a origem das mesmas, se provêm de uma mosca ou de uma bola de futebol. Baseando-se em sua estrutura matemática, ele tenta compreender qual será o aspecto futuro produzido pela evolução de um determinado sistema.
E isso nem sempre é simples, pois diversas equações têm um comportamento em geral conhecido como caótico: são sistemas que apresentam enorme sensibilidade com relação às condições iniciais. Ou seja, se tentamos fazer uma previsão de longo prazo (por exemplo, querendo saber exatamente qual será o clima dentro de seis meses ou, ainda pior, dentro de seis anos) faz uma enorme diferença se usamos a temperatura de Porto Alegre como sendo 12ºC ou se refazemos a previsão determinando que a mesma temperatura é agora de 12,001 ºC. No primeiro caso, podemos descobrir que seis meses depois teremos um belo dia de sol com temperaturas de 35ºC e no segundo, um dia chuvoso e morno, dois resultados muito distintos.
Artur trabalha exatamente com sistemas dinâmicos caóticos. Defendeu sua tese de doutorado, orientada pelo pesquisador Welington de Melo, em 2001 no IMPA, Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, instituição de pesquisa que existe desde 1952 no Rio de Janeiro e que é uma referência na matemática brasileira. Lá Artur chegou no início de 1996 para começar o seu mestrado. Ele ainda era um sujeito de 16 anos, no último ano da escola. Cinco anos depois, já era um matemático respeitado e que alternava temporadas no IMPA com visitas a diversos institutos de pesquisa na Europa, sobretudo Paris, e nos Estados Unidos. Trabalhando com sistemas caóticos, ele estava ajudando a compreender de maneira definitiva alguns problemas que já se arrastavam por quase 30 anos. Não parou mais, foi diversificando o alcance do que fazia, ampliando seus horizontes e dando novas contribuições fundamentais em diversas subáreas da dinâmica. Seus resultados são profundos, frutos de uma intuição impressionante e de um enorme arsenal de técnicas que usa para colocar de pé seus castelos teóricos.
Gênio isolado? Longe disso, Artur gosta de conversa: a grande maioria de seus trabalhos é feita em colaboração com outras pessoas e isso foi destacado no texto oficial que acompanhou sua premiação. Ele sabe muito bem combinar seus talentos com os de outros para disso extrair o máximo de matemática. Ele tem agora 35 anos e já galgou esse altíssimo degrau na escala do reconhecimento profissional, algo até então inédito na ciência brasileira; aliás, na matemática latinoamericana.
Ótimo exemplo do espírito original da Medalha Fields, ele é bem jovem e ainda terá outras grandes contribuições a fazer.