O refresco é o bom humor
Carlos André Moreira
Se quem passeia nos amplos e ventilados corredores da Feira reclama do calor, é porque não sabe como a coisa piora muito do lado de dentro da maioria das bancas de livros na Praça da Alfândega.
Instalados em um corredor de dois metros e meio de extensão, coberto por folhas de Brasilit, por sua vez debaixo da lona plástica que recobre a praça, os atendentes sofrem e improvisam. Vale frigobar nas bancas maiores ou um isopor cheio de água e refrigerante, como o instalado na banca da Cervo no corredor da Rua da Praia. Um ventilador pequeno, no chão, também ajuda a arejar as ideias, mas o que refresca mesmo é o bom humor, ferramenta essencial de quem lida com centenas de pessoas por dia.
- Vender, a gente deve vender quase 400 títulos por dia. Atender, a gente atende muito mais - comenta a gerente, Alice Butzge.
Com uma experiência de 16 anos de Feira, 13 deles pela Cervo, ela conta que nunca se procurou tanta biografia na praça. Um tempo parado dentro da banca mostra que, mesmo descontando o superlativo, ela pode ter razão. Uma jovem pergunta se já chegou a biografia de Mick Jagger. Olha, folheia, mas não leva. Outra freguesa vem a pé da Alberto Bins, em um calor intenso, para tentar comprar dois exemplares da biografia da boyband One Direction (esta, a banca não tinha). Outro jovem, corpulento, com uma mochila de viagem às costas e uma camiseta que faz referência ao livro Laranja Mecânica, de Anthony Burgess ("Keep Calm and Drink Moloko"), procurava Eu Sou Ozzy, sobre o ícone doidão do rock. Achou e comprou.
Nem sempre é tão simples satisfazer os frequentadores. Tem gente que procura o livro só sabendo a cor e uma vaga imagem na capa. Tem quem se engane completamente com o nome. Nessas horas, conhecimento e intuição são as ferramentas.
- Teve um cliente que chegou aqui e queria porque queria a biografia do The Flash. Depois de conversar com ele é que soube que ele falava, na verdade, do Slash, o músico - conta Alice.
As lágrimas de dona Rosinha
Larissa Roso
Dona Rosinha Blatt gosta tanto da Feira que chora no começo e também quando termina. No primeiro dia, chega à Praça, olha a barraca e não se segura - lembra do marido e sócio, Gilberto (a junção dos nomes batizou a distribuidora Rogil), que morreu há três anos. No encerramento, ouve o gaiteiro se aproximando, o coro entoando "tá chegando a hora", e corre para trás do estande. Vai às lágrimas outra vez.
- Só de falar eu me arrepio.
Depois de 35 anos de Feira, aos 73, Rosinha ocupa uma cadeira confortável, daquelas de escritório, com rodinhas quase inúteis no piso de pedras irregulares. Acomoda-se do lado de fora da banca que abriga 2 mil títulos e dá a impressão de tostar os atendentes sob o teto de Brasilit. Orgulha-se de Fabio Luiz Kohen, o filho de 34 anos que toca o negócio, e sua memória de "computador": ele é capaz de responder imediatamente, assegura a mãe, se a loja tem ou não determinado livro entre os 8 mil exemplares de que dispõe a Rogil nesta 58ª edição.
- Mulher lê mais do que homem - teoriza Fabio, impressionado com o furacão Cinquenta Tons de Cinza.
Best-sellers, a propósito, são o forte da banca 63, no corredor central, uma das maiores e mais movimentadas. O balcão é dividido entre espiritismo, autoajuda e romances.
- Ano passado, eram três fileiras para os vampiros. Este ano, só uma - contabiliza Fabio, atestando a esfriada na excitação com a saga Crepúsculo e seus congêneres.
A vendedora Soeli Diniz de Souza dá risada ao lembrar de clientes como a jovem em busca de um improvável Comi Meu Pai. E Agora?
- Também pedem Quatro ou Onze Tons de Cinza. E insistem! - conta Soeli.
Dona Rosinha, que em 2012 decidira não participar da cansativa jornada na praça e acabou mudando de ideia, se diverte com outras tantas historietas semelhantes e antecipa um desfecho para a noite de domingo.
- Esse ano não vou chorar. Nem me esconder.