O procurador-geral da República, Paulo Gonet, questionou, no Supremo Tribunal Federal (STF), trechos de uma lei gaúcha que permitem que o dinheiro de um fundo criado para reconstruir o Rio Grande do Sul após as chuvas que devastaram o Estado seja transferido para fundos privados. Segundo o chefe do Ministério Público Federal, há risco de "uso indevido de verbas públicas".
Gonet pede que o STF suspenda imediatamente os dispositivos questionados, ou seja, impeça quaisquer transferências do Fundo do Plano Rio Grande (Funrigs) para fundos de natureza privada.
A avaliação de Gonet é de que trechos da Lei 16.134/24 violam os princípios da probidade administrativa, da moralidade e da impessoalidade.
A ação do PGR foi proposta após uma representação de 10 procuradores da República do Rio Grande do Sul. O grupo sustenta que a "terceirização do processo de tomada de decisões a gestor privado implica o esvaziamento das competências constitucionais do Estado".
Os procuradores alegam que os gestores não foram eleitos para executar políticas públicas.
O que diz a lei estadual
A Lei 16.134/2024 estabeleceu que o Funrigs é um fundo público especial de natureza orçamentária, financeira e contábil, criado com o objetivo de centralizar e angariar recursos destinados ao enfrentamento dos danos sociais, econômicos e ambientais decorrentes das chuvas registradas no RS.
A norma gaúcha foi publicada a partir da edição, pelo Congresso Nacional, da Lei Complementar 206/2024, que autoriza o adiamento do pagamento da dívida com a União dos entes federativos afetados por calamidades públicas e a redução da taxa de juros dessas dívidas.
Essa lei estabelece que deve ser criado um fundo público para receber o dinheiro equivalente à dívida adiada e que os recursos só podem ser usados na reconstrução do Estado.
A lei questionada criou o Plano Rio Grande - Programa de Reconstrução, Adaptação e Resiliência Climática do Estado do Rio Grande do Sul e o Funrigs, que recebem doações públicas e particulares e deve passar pelo crivo do Tribunal de Contas do Estado e de um conselho designado pelo governo estadual.
O que a PGR questiona?
- O procurador-geral da República considera que a lei do RS viola a lei federal, que prevê a expressa destinação dos valores a fundo público específico.
- Segundo o PGR, o problema está nos artigos que autorizam o Poder Público a participar, com recursos do Funrigs, de outros fundos, inclusive os de natureza privada. Isso permite, por exemplo, a contratação de obras e serviços pelo respectivo gestor do fundo privado sem a necessária realização de procedimento licitatório.
- Conforme o Gonet, a medida fere princípios da Administração Pública previstos na Constituição, “porque impõem prejuízos à transparência, à publicidade e à fiscalização da aplicação dos recursos das dívidas estaduais postergadas em ações de enfrentamento e de mitigação da calamidade pública climática”.
- Gonet afirma ainda que a autorização para repasse dos recursos públicos a fundos privados viola diretamente a Lei Complementar 206/24, que prevê de forma expressa a destinação dos valores a fundo público específico, além de desconsiderar as condicionantes e o sistema de controle previstos na regra federal.
- No documento em que apontam problemas na regra estadual, os membros do MPF apontam que “a terceirização do processo de tomada de decisões a gestor privado implica o esvaziamento das competências constitucionais do Estado”.
O que diz o governo do RS
Procurada pela reportagem, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) se manifestou por meio de nota, na qual afirma que "ainda não foi intimada da ação e apresentará manifestação oportunamente".