O governo federal anunciou, na segunda-feira (14), a suspensão do pagamento da dívida do Rio Grande do Sul por três anos. A medida é um dos auxílios destinados pelo governo Lula para o combate aos efeitos da enchente e a posterior recuperação do Estado. Na madrugada desta quarta, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto que trata sobre a suspensão. Agora, a matéria será enviada ao Senado.
Com a pausa no pagamento, o governo estadual deixará de repassar à União cerca de R$ 11 bilhões ao longo de 36 meses. Esse montante será agregado ao saldo devedor para ser quitado depois, corrigido pela inflação. Por outro lado, o Ministério da Fazenda prometeu zerar os juros da dívida nos próximos três anos, o que representa um alívio de R$ 12 bilhões no estoque.
Ao detalhar a operação, o ministro Fernando Haddad disse que a medida é equivalente a um perdão de parte do débito do Rio Grande do Sul com a União.
—É como se fosse (um perdão), porque, na verdade, o juro que vai ser zerado do estoque é maior do o que o RS vai deixar de pagar nesses 36 meses. É só uma questão contábil, mas, de fato, é como se estivéssemos perdoando R$ 12 bilhões, dos quais R$ 11 bilhões serão o fluxo de 36 meses — explicou Haddad.
De acordo com o projeto enviado ao Congresso Nacional, o valor que o Estado usaria para pagar a dívida terá de ser aportado em um fundo específico, manejado pelo Palácio Piratini. Os recursos desse fundo só poderão ser aplicados em projetos relacionados à reconstrução.
A proposta foi aprovada pela Câmara nesta quarta-feira (15). Mas também precisará ser aprovada pelo Senado.
De acordo com a Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz), a operação não se trata de perdão da dívida, mas de um "rearranjo para pagamento posterior".
"Encerrados os 36 meses, o valor não pago será somado ao estoque da dívida e pago no prazo remanescente do contrato – até 2048", informa a pasta.
Detalhes da medida
- Com a aprovação do projeto no Congresso e a sanção da lei, governo do Estado fica desobrigado de pagar as parcelas da dívida por 36 meses;
- Recursos que seriam usados para quitar o passivo terão de ser aportados em um fundo para a reconstrução do RS;
- Governador terá 60 dias para apresentar um plano de trabalho para usar os recursos;
- Daqui a três anos, o Estado volta a pagar as parcelas da dívida;
- O valor que deixará de ser aportado nesse período, cerca de R$ 11 bilhões, irá para o saldo consolidado, corrigido pela inflação;
- Para que a dívida não aumente, Ministério da Fazenda vai perdoar os juros referentes ao período, estimados em cerca de R$ 12 bilhões;
- Após o período de calamidade, o RS precisará assinar um termo aditivo ao contrato da dívida;
- Até lá, o Estado não poderá criar ou aumentar despesas correntes (como salários de servidores) ou ampliar renúncias fiscais, salvo se for autorizado pelo Ministério da Fazenda.
Meritório, mas insuficiente
Na avaliação de especialistas que acompanham a evolução da dívida gaúcha ao longo dos anos, a providência anunciada pelo governo federal deve ser celebrada. No entanto, será incapaz de bancar sozinha os custos da reestruturação do Estado.
Para o economista Roberto Balau Calazans, ex-auditor da Secretaria da Fazenda, a proposta permitirá ao Estado ganhar fluxo financeiro nos próximos três anos, mas não será suficiente para fazer frente aos prejuízos deixados pelo fenômeno climático.
—É uma medida positiva, mas insuficiente, porque não resolve o enorme problema dessa calamidade e posterga por mais três anos uma situação maior, que é a dívida que sufoca o Estado e não permite que sobrem recursos para outras ações — avalia.
O economista aponta que o ideal seria tentar, junto de outros Estados, a alteração no índice de correção da dívida. Hoje, a conta é atualizada por um indexador chamado de Coeficiente de Atualização Monetária (CAM), que leva em conta dois indicadores: a soma a inflação acumulada com juros de 4% ao ano e a evolução da Taxa Selic.
—No ano passado, a dívida do RS cresceu R$ 10 bilhões em razão dessa indexação. O Estado tem buscado renegociações permanentes, em um ciclo vicioso que não se resolve — reflete Calazans.
Auditor externo do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Josué Martins diz que os R$ 11 bilhões que o Piratini poderá aplicar em três anos representam o dobro da média histórica de investimentos do Estado em tempos normais.
— É um aporte significativo, mas não está claro se será suficiente para recuperar a infraestrutura perdida. Não temos levantamento disso, o período de chuvas ainda não acabou e algumas coisas ainda vão aparecer com o tempo — afirma
Martins faz coro à tese de deputados e do governador Eduardo Leite de que o governo federal deveria conceder um perdão da dívida do RS, apontando que o valor pago por todas as unidades federativas representa cerca de 2% da receita da União.
Segundo ele, se a cobrança dívida não fosse suspensa, o Estado ficaria inadimplente "ao natural".
—Não teríamos como reconstruir o Estado e seguir pagando a dívida, o problema é que há um mecanismo de controle que a União exerce sobre as finanças do Estado e haveria uma série de punições, como a proibição de o Estado contrair novas dívidas — explica.
A Secretaria da Fazenda diz que, após as reformas feitas nos últimos anos, as finanças do Estado estavam para uma "situação de normalidade" e que "ainda é muito prematuro definirmos o real impacto da calamidade".
Desde 2022, o Rio Grande do Sul está sob as regras do regime de recuperação fiscal (RRF), o mais recente acordo para o pagamento à União. Desde o ano passado, a dívida voltou a ser paga aos poucos, em uma "escadinha" que faz o valor subir anualmente.
Hoje, o débito do Rio Grande do Sul com o governo central é de cerca de R$ 100 bilhões.