A dramática situação vivida nos últimos dias, em função das enchentes, resultou no maior desastre climático da história do Rio Grande do Sul. Cidades foram subjugadas, bairros inteiros desapareceram do mapa e a população viu tudo pelo que batalhou em uma vida toda ser carregado pela água.
Prefeitos e o governador Eduardo Leite descrevem a devastação como um cenário de guerra. Em meio à calamidade, Leite defendeu, neste domingo (5), durante a visita da comitiva do presidente Lula e de ministros ao RS, a adoção de medidas de pós-guerra, citando, como exemplo, o Plano Marshall.
O Plano Marshall foi um projeto de ajuda econômica organizado pelos Estados Unidos para recuperar os países da Europa após a Segunda Guerra Mundial. Foi iniciado em abril de 1948 e durou até 1951. Os investimentos representaram, à época, mais de US$ 13 bilhões. A medida foi considerada bem-sucedida, conforme Marçal de Menezes Paredes, professor do Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
— O objetivo era essencialmente abrir a economia europeia para o comércio norte-americano, superar o protecionismo econômico europeu, mas, ao mesmo tempo, ajudar a economia a se reerguer por causa da destruição que a Segunda Guerra causou e conter o avanço do comunismo na Europa — explica.
A ideia era reconstruir o mundo após o abalo da guerra e reconstituir os mercados internacionais e as economias mundiais, acrescenta Jacqueline Haffner, economista e professora do departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porém, o plano ficou focado nos países europeus, que foram os mais atingidos.
— Foi um grande esforço em direcionar recursos para essa reconstrução. A previsão era enviar dinheiro para os países mais atingidos, inclusive da América Latina. Mas, em geral, o resultado foi que os países que mais receberam recursos foram os europeus — afirma.
A organização do plano era baseada em recursos per capita (por cabeça), mas, na prática, a distribuição acabou mudando, e nem todos os países receberam o mesmo valor. O plano se desenrolou já no contexto da Doutrina Truman, existente desde 1947. Ela representava o entendimento de que o mundo estava dividido em dois blocos, explica Paredes: o do capitalismo e da democracia, e o do comunismo e do autoritarismo. Por trás disso, estava a Guerra Fria.
— Era um plano já de geopolítica de um novo sistema internacional que estava sendo criado. O plano estava olhando para a ideologia — destaca.
Confira outros detalhes sobre o Plano Marshall:
- O Plano Marshall é batizado em homenagem ao general norte-americano George Marshall Junior, que foi secretário de Estado e secretário de Defesa dos Estados Unidos. Marshall ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1953
- O plano é responsável pela coalizão de forças na política norte-americana, entre o Partido Democrata e o Partido Republicano
- O plano foi oferecido à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), mas negado por Josef Stalin – ele se deu conta de que aquele era o início da influência norte-americana, conforme Paredes. Posteriormente, a URSS criou o Plano Molotov, para desenvolver as economias do Leste Europeu que haviam sido ocupadas pelas tropas soviéticas, como uma espécie de “Plano Marshall do comunismo”
Recursos são necessários, mas analogia é inadequada, dizem professores
Para os professores, o emprego do termo “Plano Marshall” pode não ser o mais adequado para descrever a ação necessária no Rio Grande do Sul em meio à catástrofe atual. A professora Jacqueline lembra que a situação é extrema e alarmante, mas o Estado não sofreu bombardeios e não está em uma situação de guerra – na Segunda Guerra, as principais potências do mundo passaram por uma destruição massiva. Neste caso, trata-se de uma emergência climática. Além disso, não há uma questão ideológica por trás do cenário atual, defende Paredes:
— Eu entendi o que ele (Leite) quis dizer, sou sensível ao que quis dizer, quis salientar e sensibilizar o governo federal, mas não há ideologia, não há competição ideológica por trás. Há uma questão de catástrofe humanitária que requer solidariedade com todo mundo e descomplicação burocrática, mas não é exatamente adequada a analogia.
Ambos, contudo, defendem a liberação rápida de recursos para o Estado. Como a colunista de GZH Marta Sfredo salientou, o mais importante não é a nomenclatura adotada, tampouco é o valor a principal questão, e sim a redução de burocracias. Para a economista Jacqueline, é “muito necessário”, sim, que haja recursos para reconstruir o que foi afetado, de forma fluida, para atender as pessoas que estão sofrendo e os mais necessitados – pois são cenários dramáticos.
Havia, no entanto, condições de minimizar os estragos, lembra. A economista e professora da UFRGS reforça que os gestores públicos devem, agora, se preocupar em planejar e criar políticas públicas para que a situação não se repita no futuro.
— Realmente estamos em uma situação muito precária, que é resultado de falta de investimento público e de manutenção de infraestrutura no nosso Estado, então são situações diferentes. Grande parte de tudo o que está acontecendo poderia ter sido evitado se os governantes tivessem cuidado em planejamento e execução de obras de manutenção de infraestrutura — defende.