O novo presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS), desembargador Alberto Delgado Neto, destacou nesta segunda-feira (5), em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, o principal desafio da sua gestão: a "cultura virtual".
Delgado Neto ressaltou a importância de acompanhar o avanço da tecnologia, especialmente no contexto da inteligência artificial, e falou sobre investimentos previstos nessa área para otimizar os processos judiciais e melhorar a eficiência do Judiciário gaúcho.
Durante o programa, o desembargador realçou ainda a colaboração do Judiciário na busca por reequilíbrio nas contas do Estado e explicou "as receitas próprias". Além disso, abordou questões relacionadas ao pagamento do adicional do tempo de serviço e reforçou o compromisso em reduzir os custos dos tribunais no Brasil, que estão acima da média global e consomem 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB).
Confira entrevista na íntegra:
Qual será o principal desafio e a sua principal bandeira à frente do Tribunal de Justiça?
O principal desafio do Tribunal de Justiça do Estado, e acredito que seja comum a várias corporações, é a questão da cultura virtual. Hoje em dia, estamos em uma velocidade muito grande no avanço tecnológico e na produção de ferramentas, inclusive substituindo inteligências humanas. O enfrentamento das pessoas, a psicologia das pessoas e a sensibilidade das pessoas em relação a isso são muito relevantes. No caso do Tribunal de Justiça, onde lidamos com vidas, direitos e o dia a dia da vida civil, é algo que nos desafia muito para que as pessoas consigam assimilar a sua essencialidade no trato das causas, e o uso da máquina como apenas uma ferramenta.
Há algum investimento previsto em inteligência artificial para o futuro próximo?
Temos vários produtos prontos. No entanto, sofremos um ataque hacker de grandes proporções e precisamos reorganizar toda a nossa arquitetura de sistema para que este alicerce possa absorver o volume de novas ferramentas que estão surgindo. Além disso, temos uma regulamentação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que não está atualizada, mas está sendo organizada pelo ministro (Luís Roberto) Barroso. Neste intervalo, produzimos grandes investimentos em segurança cibernética e arquitetura de sistema para que possamos absorver as ferramentas, já que elas geram um movimento muito violento nos bancos de dados. Portanto, primeiro estabelecemos a base de sistemas, que está praticamente pronta, terá continuidade neste primeiro semestre, e depois introduziremos com toda a tranquilidade muitas mais ferramentas, embora já estejamos aplicando algumas que o sistema absorve em grande velocidade.
O uso da inteligência artificial preocupa de alguma forma?
Os estudos que estão sendo desenvolvidos indicam que a inteligência artificial é uma inteligência generativa, que muitas vezes alguns nem chamam de inteligência. É, na verdade, um jogo de algoritmos para a produção de decisões que dizem respeito a emoções e a casos concretos. Ela precisa ser conjugada muito bem para que não se perca a essência do julgamento. Por isso, a nossa bandeira agora é a gestão de pessoas e, principalmente, a adequação da inteligência social como uma ferramenta de apoio, de celeridade e não de substituição da inteligência humana.
Vocês observam o uso da inteligência artificial nos processos por parte dos advogados?
Sim, hoje em dia já temos, inclusive por iniciativa do próprio doutor Leonardo Lamachia na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), uma comissão com todos os organismos que trabalham na Justiça. Todos estão em uma mesa para criar um código de ética para o uso da inteligência artificial, que está sendo elaborado justamente para trazer parâmetros, não só ao juiz, mas também ao advogado, ao promotor, porque não adianta um obedecer a parâmetros e o outro não.
Como está sendo realizada a capacitação digital dos magistrados que ainda utilizam métodos analógicos?
Aqueles magistrados novos têm facilidade com os servidores; parece que já nascem com um chip a mais, né? Absorvem na hora. A partir do meio para cima, a dificuldade é um pouco maior. Logo, nesse processo de gestão de pessoas, a adaptação já começou a ser feita na gestão da desembargadora Íris, tanto no primeiro quanto no segundo grau, e terá continuidade para dar sequência. Como envolve pessoas, é um pouco mais lento do que comprar uma máquina e em um mês ela está funcionando. É algo que precisa de uma questão cultural, né? De formação.
Como o judiciário pode contribuir na busca por um reequilíbrio das contas do Estado?
O Judiciário nunca, na sua história de 150 anos, ajudou tanto. Desenvolvemos, a partir talvez da gestão, não quero ser injusto, do desembargador Aquino, o nosso centro de receitas próprias, que trabalha com investimento de recursos públicos que são arrecadados por nós, custas, selos extrajudiciais, etc. Hoje, nós estamos em 28% do que usávamos (de recursos) do Tesouro. Também, com relação à adesão ao plano de recuperação fiscal, é um critério muito rígido de operação nas contas públicas. Houve todos esses investimentos do Judiciário na questão de saúde, por quê? Porque, se a gente tem condições hoje, por exemplo, de auxiliar o Executivo em algumas áreas, vamos escolher aquelas áreas que nos afetam em termos de demanda e prevenir a demanda.
Nós direcionamos alguns recursos do nosso orçamento para a Secretaria de Saúde e para a educação. Nesse sentido, com a secretária (estadual da Saúde) Arita, que foi uma guerreira nesse apoio, a gente conseguiu eliminar a fila de exames para câncer utilizando os nossos recursos e, indiretamente, fizemos o quê? Além de, principalmente, ajudar a população, reduzimos um volume de demanda que ingressaria com um gasto muito maior para o Estado. Porque daí entra uma ação — é o custo da demanda, do juiz, do promotor, do procurador do Estado — para sair o resultado ali a seis meses e a pessoa, às vezes, até já está no estágio avançado. Nós elaboramos um plano, e, graças a Deus, conseguimos cumprir, além da ajuda para Santas Casas, na gestão da desembargadora Elisa Helena.
O que são essas "receitas próprias" e há a possibilidade de uma "divisão" com o Ministério Público para que ambos corram mais ou menos na mesma velocidade?
Primeiro, as receitas próprias, custas, aqueles selos que se pagam para uma certidão, todas aquelas receitas que a gente recebe diretamente a partir da Constituição de 1988, passaram a ser geridas pelo Judiciário. Então, são essas as receitas. Hoje a gente alcançou, eu não tenho comparativo nacional, mas já estamos em 28% do que usávamos da fatia orçamentária. Nós já chegamos a ter 7,8% da fatia orçamentária do Tesouro do Estado. Hoje, estamos com 4,8%. Basicamente, é só por força condicional a questão do gasto com o pessoal. O que existe é que o Ministério Público tem a sua autonomia orçamentária, mas não tem a partir da Constituição fonte de receita própria. Mas é evidente que, quando o próprio Judiciário reduz a sua participação no Tesouro, fica também mais fácil reorganizar o orçamento das demais que não têm. Quer dizer, é um trabalho nosso que beneficia a todos.
O adicional por tempo de serviço já começou a ser pago e vai ser pago retroativamente?
No período de 2005 a 2009, não foi implementado o subsídio no Rio Grande do Sul, apesar da determinação constitucional e do CNJ. Portanto, as pessoas daquele período que tinham direito ao adicional têm direito a recebê-lo. Hoje, ele tem reflexos nos inativos, pois aqueles que estão na ativa não recebem esse valor devido ao teto constitucional. Quanto aos servidores mais antigos, geralmente no final de suas carreiras e muitos já desembargadores, eles não recebem o valor total, pois estão no limite.
Os inativos, por outro lado, enfrentam uma queda significativa em sua aposentadoria, embora ainda tenham um saldo, sendo R$ 2,4 mil por mês o valor mais significativo a esse título. O pagamento retroativo começou agora em janeiro com uma parcela, mas a próxima parcela não tem previsão devido às limitações orçamentárias. Esses valores retroativos são pagos seguindo uma política Judiciária de restos a pagar, especialmente com a entrada no plano de recuperação fiscal, visando extinguir precatórios até 2029. Esse método evita custos extras e a incidência de juros que ocorreriam se medidas judiciais fossem ajuizadas. O Judiciário tem adotado um projeto de gestão financeira e orçamentária, programando o pagamento de restos a pagar, o que também contribui para a liberação do regime de recuperação fiscal, pois reduzir restos a pagar facilita as aprovações nas fases semestrais do regime.
Esses pagamentos muitas vezes são percebidos pelo público em geral como "penduricalhos". Isso preocupa o senhor em relação à imagem do judiciário?
Não é uma questão de preocupação; isso surge a partir de uma análise do fenômeno pelo qual se cria um estereótipo. É evidente que isso ocorre em qualquer direito, inclusive no setor privado. Se uma empresa privada tiver restos a pagar de algum executivo ou de alguém que saiu anteriormente, ela paga, e isso não se torna notícia, não é mesmo? O que eventualmente se torna notícia é a criação de uma ideologia baseada, claro, na incompreensão de quem não entende o sistema. Não é um chamado "penduricalho" ou algo assim. São direitos. Por exemplo, se amanhã você sair da sua empresa e tiver um valor considerável a receber que não foi pago, reconhecido pela Justiça do Trabalho, não será chamado de "penduricalho"; será um direito seu, que deve ser reconhecido e pago. Nesse sentido, com relação aos "penduricalhos", existem, mas o que quero dizer é que o retroativo por tempo de serviço não é.
A justiça brasileira custa 1,6% do PIB, a maior proporção entre 53 países comparados. Como reduzir esse custo?
Em nosso país, o poder judiciário inclui o Ministério Público, a Defensoria e todos os agentes, enquanto nos outros países não. Atualmente, temos um sistema em que tudo desemboca no Judiciário. Acabamos de mencionar a questão da saúde. Se alguém deseja uma vaga em hospital, entra com uma ação na Justiça. Isso não é uma ação judicial, pois não há contraditório nem disputa de direitos. O próprio Estado não nega o direito dela ao acesso à Justiça. Portanto, não há disputa de direitos. É apenas uma dificuldade do Executivo em atender à população. A pessoa recorre a uma ordem judicial para tentar obter aquilo. Nossas agências reguladoras não desempenham a função de filtragem realizada em outros países.
Treze por cento de nossa demanda judicial são ações bancárias. Dessas ações bancárias, acredito que 90% já tiveram a matéria decidida em todos os graus de jurisdição. No entanto, as pessoas continuam entrando com a ação, e o banco continua incluindo cláusulas nos contratos que já foram decididas como nulas. Por quê? Porque a agência reguladora, que seria o Banco Central, em qualquer outro país, poderia funcionar de maneira diferente, aplicando uma multa tão grande que não valeria a pena para o banco incluir a cláusula. Isso ocorre na telefonia, na energia elétrica e em todas as áreas em que a regulação do serviço público no Brasil ainda é muito falha, pois estamos engatinhando nesse sentido.
Acredito que alcançaremos essa meta, mas atingi-la não é responsabilidade do Judiciário, nem ele tem como resolver, pois é passivo e só trabalha por provocação. Se as demandas continuarem, nossa estrutura terá que responder. Em último exemplo, 40% das ações que existem hoje no Judiciário brasileiro são execuções fiscais, reproduzindo um retorno de recurso público ao Estado muito maior do que o custo delas.