Quase três meses após ser indicado pelo presidente Lula e ter o nome aprovado pelo Senado, Flávio Dino assumirá uma cadeira no Supremo Tribunal Federal nesta quinta-feira (22). A sessão de posse do novo integrante da Corte máxima do país será aberta pelo presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, e não há previsão de discursos. Pela tradição, o novo ministro é conduzido ao plenário pelos ministros que estão há mais e menos tempo no Supremo, hoje Gilmar Mendes e Cristiano Zanin, respectivamente. A solenidade está marcada para as 16h.
Dino recusou as tradicionais comemorações oferecidas por associações de magistrados do país após a posse na Corte. O ex-ministro da Justiça pediu a celebração de uma missa na Catedral de Brasília.
A Arquidiocese de Brasília informou que o pedido foi feito pelo próprio Dino, que conversou pessoalmente com o arcebispo do Distrito Federal, Dom Paulo Cezar Costa. Apesar de envolver a posse de um ministro, a missa seguirá os ritos tradicionais da Igreja Católica e deverá durar pouco mais de 1h. É possível que o líder religioso chame Dino para um discurso, mas não há cronograma definido além do tradicional.
Quem é Flávio Dino
Flávio Dino de Castro e Costa nasceu em São Luís, no dia 30 de abril de 1968. Filho de um casal de advogados, formou-se em direito pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) em 1991, e dois anos depois voltou à instituição como professor. No ano seguinte, passou em primeiro lugar no concurso para juiz federal.
A militância, porém, estava no sangue. Seu pai havia sido vereador, prefeito e deputado estadual. Já Dino presidiu o Diretório Central dos Estudantes da UFMA e, filiado ao PT, coordenou no Estado a equipe juvenil da campanha presidencial de Lula em 1989. Desligou-se do partido ao ingressar na magistratura, mas sempre manteve articulações políticas. O período passado em Brasília, exercendo cargos no CNJ e no STF no início dos anos 2000, foi decisivo para a virada na carreira.
Filiado ao PCdoB, Dino concorreu a deputado federal e foi o quarto mais votado pelo Maranhão. Na Câmara, logo se destacou pelo trânsito fácil em todos os partidos e a capacidade de produzir consensos, o que lhe valeu o posto de relator da reforma política. Em 2008, concorreu à prefeitura de São Luís (MA), mas acabou derrotado no segundo turno. Tentou o governo do Estado dois anos depois, mas perdeu para Roseana Sarney (MDB) numa eleição marcada por suspeitas de fraude.
Tragédia
Sem mandato, Dino foi nomeado pela então presidente Dilma Rousseff para a presidência da Embratur. Nesse período, vivenciou uma tragédia familiar que o marcou para sempre. Seu filho mais novo, Marcelo, 13 anos, morreu após sofrer uma crise de asma no colégio. Levado às pressas para o Hospital Santa Lúcia, o garoto faleceu na manhã seguinte, num episódio marcado por suspeitas de erro médico e negligência.
— Eu passei o dia anterior inteiro andando de bicicleta com ele. Ele se comportava bem, com saúde. O que ele teve na escola foi uma crise como tantas outras, uma asma leve que sempre foi contornada sem maiores problemas — desabafou Dino à época.
Após o primeiro atendimento, Marcelo dormiu bem, mas o quadro se agravou ao receber o que seria uma dose equivocada de broncodilatadores. Os batimentos cardíacos despencaram subitamente, bem como o fluxo de oxigênio. Dois médicos tentaram reanimá-lo com massagens cardíacas e 12 doses de adrenalina, mas o adolescente morreu na frente dos pais. Em 2017, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal condenou o hospital a pagar R$ 180 mil de indenização por danos morais. “Não cura nenhuma dor, mas talvez ensine profissionalismo e seriedade ao hospital”, comentou Dino em uma rede social, ao anunciar que doaria as indenizações.
— Ainda sinto a morte do Marcelo como se fosse naquele dia — costuma repetir Dino, cuja obesidade crescente foi reflexo imediato do luto.
Duas vitórias sobre o clã Sarney
Em 2014, Dino voltou às urnas, concorrendo novamente a governador. Sem o apoio do PT, que preferiu sustentar a candidatura de Lobão Filho (MDB), aliado do clã Sarney, Dino fez campanha ao lado dos então presidenciáveis Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (PSB). Venceu no primeiro turno, impondo a primeira derrota dos Sarney no Maranhão em 40 anos de vida pública. Primeiro governador eleito pelo PCdoB, obteve quase o dobro de votos do principal adversário (63,52% contra 33,69%).
No início do governo, Dino dispensava seguranças e dirigia pela cidade, recusando-se inclusive a morar no Palácio dos Leões. Com o passar dos meses, aceitou as exigências do cargo, embora às vezes fosse sozinho fazer compras em supermercados. O estilo impessoal o aproximou da população, com quem tinha fácil interlocução. As sucessivas recorrências a citações bíblicas, leitura contumaz após a perda de Marcelo, o levaram a ser chamado de populista pelos adversários, sobretudo por ser um ideólogo do partido comunista que levou os filhos a Cuba antes de levá-los à Disney "para que conhecessem a realidade da vida", mas as críticas naufragaram.
Com pesados investimentos em educação, saneamento básico e assistência social, Dino elevou o piso dos professores estaduais para R$ 6,3 mil, então o maior do país. Se reelegeu em 2018 enfrentando Roseana Sarney (MDB), vencendo mais uma vez no primeiro turno, agora com 59% dos votos ante 30% da adversária. No segundo mandato, se destacou ao obter bons resultados no combate à pandemia e ao fazer uma defesa do então ex-presidente Lula, preso em Curitiba. Mesmo liderando um Estado pequeno e pobre, logo se tornou o principal adversário do presidente Jair Bolsonaro na região.
Em 2021, num movimento de aproximação com o centro político, trocou o PCdoB pelo PSB. Na montagem da campanha eleitoral do ano passado, chegou a ser cotado para vice de Lula, mas trabalhou pelo nome de Geraldo Alckmin, aparando arestas e construindo alianças que aumentassem o escopo eleitoral da chapa. Ainda durante a corrida eleitoral, ao cabo da qual seria eleito com 62% dos votos, recebeu um recado de Lula:
— Esse Flávio Dino, ele que se prepare. Ele vai ser eleito senador, mas não será senador por muito tempo. Se prepare porque vai ter muita tarefa nesse país — disse Lula.
Vencida a eleição, Dino logo se tornou um dos principais expoentes do futuro governo. Em meio às especulações de formação da nova equipe e com Bolsonaro se recusando a reconhecer a derrota, concedia de quatro a seis entrevistas todos os dias, falando da porta do carro, até ingressar no QG da transição. Esse protagonismo cresceu com a nomeação para o Ministério da Justiça, onde recebeu como missões inaugurais reduzir a circulação de armas no país e desbolsonarizar as forças de segurança, sobretudo as polícias Federal e Rodoviária Federal.
Os atos golpistas de 8 de janeiro mudaram tudo. Ao liderar a resistência ao levante, ganhou prestígio junto a Lula e popularidade nas ruas, ofuscando ministros mais famosos ou de perfil combativo, como Rui Costa (PT), da Casa Civil, e Marina Silva (Rede), do Meio Ambiente, Simone Tebet (MDB), do Planejamento, e o próprio vice-presidente. Não tardou a se tornar o alvo da oposição e motivo de ciúmes dos demais colegas de governo.
Despedida do Senado
No fim de seu discurso de despedida do Senado, realizado na terça-feira (20), Flávio Dino disse que, após sua passagem pelo Supremo Tribunal Federal (STF), não descarta um retorno para a política.
— Desejo que Deus seja generoso para que, quem sabe, eu esteja presente aqui compartilhando desses momentos com vocês, daqui a algumas décadas — disse.
Atualmente com 55 anos, Flávio Dino deve ser ministro do STF por cerca de 20 anos. Ele pode ficar na Corte até completar 75 anos, quando será aposentado compulsoriamente.
— Não sei se Deus me dará oportunidade de estar novamente na tribuna do Parlamento, no Senado ou na Câmara. Tenho me animado muito acompanhando a eleição dos Estados Unidos, porque os dois contendores têm cerca de 80 anos (em referência às idades do democrata Joe Biden e do republicano Donald Trump). Então, quem sabe, após a aposentadoria, em algum momento, se Deus me der vida e saúde, eu possa aqui estar — disse.
Após a aposentadoria, ele poderá novamente se candidatar a cargos eletivos.
— Invejo as senhoras e os senhores que permanecerão na política. É uma vida cheia de intempéries, cheia de aventuras, cheia de peripécias, cheia de incompreensões às vezes. Mas, é uma vida marcada por sonhos, pela esperança, pelo desejo de perfurar aquela tábua dura, que é o material inerente à realidade — afirmou.
Um eventual retorno de Dino para disputar eleições não seria um movimento inédito na história do STF. O jurista paraibano Epitácio Pessoa foi ministro do STF entre 1902 e 1912 e posteriormente se elegeu presidente da República, com mandato entre 1919 e 1922.
Saída do Ministério da Justiça
No final de janeiro Flávio Dino apresentou um balanço dos resultados da sua gestão no Ministério da Justiça e Segurança Pública. Os dados divulgados por ele indicam alta de 13% no investimento em segurança pública em relação a 2022.
— É falsa ideia de que temos posição doutrinária que é tímida (na segurança pública). O que defendemos é o uso proporcional da força, o uso moderado da força, em que crimes mais graves recebem resposta penal igualmente mais grave, e crimes mais leves são respondidos por alternativas penais — disse o ministro.
Dino também destacou o aumento de 27% nos valores repassados a Estados e municípios e o menor número de crimes violentos desde 2010.
— Tenho certeza que com a gestão do ministro Lewandowski e sua equipe, esse número vai cair ainda mais — afirmou.