Em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, na manhã desta segunda-feira (19), o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim comentou o papel e a importância do Poder Judiciário na democracia brasileira. Na superedição do último final de semana de Zero Hora - dias 17 e 18 de fevereiro - o assunto foi tema do Editorial.
Jobim ocupou uma cadeira no Supremo entre os anos de 1997 e 2006, tendo assumido a presidência da Corte em 2004.
Ele foi ainda ministro da Defesa no primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, e da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso.
Confira trechos da entrevista:
A Justiça pede para ser desacreditada ou é um problema criado por outros?
A Justiça é um poder contramajoritário, ou seja, não pode submeter-se aos pensamentos da população em geral. Ela precisa de autonomia e deve pautar-se somente pela Constituição e pelas leis.
Como podem os membros do Judiciário se dissociar das opiniões das redes sociais?
O Judiciário não tem iniciativa própria, ele precisa ser provocado por alguém. Estamos vivendo uma crise de disfuncionalidade dos poderes. A política acabou sendo criminalizada. Antigamente, havia divergências, mas não havia ódio. Isso inviabiliza os entendimentos. Hoje, precisamos deixar claro que temos que ter a capacidade de fornecer informações sobre o que está acontecendo. Por exemplo, no caso em que o ministro Dias Toffoli suspendeu o pagamento das multas, todas as notícias diziam que ele havia liberado a JBS de pagar as multas, o que não é verdade.
No setor econômico, utiliza-se o termo "insegurança jurídica" ao projetar um investimento, e isso tem sido destacado no país. Como podemos amenizar isso?
Temos dois problemas: um deles é a incapacidade de formar maioria no Congresso. Os partidos perderam importância com o crescimento dos parlamentares individualmente, um fenômeno que teve início em 2015. Depois, surgiu o problema dos valores relativos ao fundo eleitoral. Progressivamente, a participação dos deputados individualmente no orçamento cresceu imensamente. Isso os empoderou e trouxe dificuldades para formar uma maioria. Com isso, recorre-se a uma certa ambiguidade do texto legislativo, o que acaba transferindo ao Poder Judiciário um tipo de poder "supletivo", pois ele terá que escolher entre uma das opções jurídicas. E é aí que começa o problema. Os ministros deveriam entender que não cabe a cada magistrado dar opiniões pessoais, mas sim interpretar a lei conforme ela está escrita.
Como é possível lidar com a polarização no Judiciário?
A polarização leva à radicalização, e atualmente isso está se agravando. Este é um problema que deve ser enfrentado. É necessário encontrar mecanismos, dentro do processo democrático, para combater a polarização. Por exemplo, a gravação da reunião do ex-presidente Jair Bolsonaro mostra que estavam discutindo a possibilidade de um golpe de Estado. Juridicamente, preparar não é o mesmo que tentar. Não houve golpe de Estado. Para ser considerado um golpe, é necessário que haja uma relação entre os personagens políticos instigando, o que pode ter um fundo de verdade. Devemos ter cautela com o uso de palavras, pois estas estão intimamente ligadas à intencionalidade.