O futuro da produção, da comercialização e do consumo de tabaco estará no centro de debates promovidos no Panamá de segunda-feira (05) até sábado (10). Além de sediar a Conferência das Partes (COP), promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o país receberá discussões paralelas envolvendo agricultores e a indústria. A COP é a instância deliberativa da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco. Em sua 10ª edição, tem entre os principais temas o avanço dos Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs), conhecidos como cigarros eletrônicos ou vapes.
No Brasil, a regulamentação dos DEFs está sendo discutida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que reabriu o processo após proibir a produção e comercialização do produto em 2009. A decisão terá impacto direto no Rio Grande do Sul. Referência na produção brasileira e mundial, o Estado tem o tabaco como segundo item de exportações na agropecuária, atrás somente da soja. No ano passado, a venda para o exterior movimentou U$S 2,7 bilhões – 85% deste volume no Porto de Rio Grande.
A COP conta com representantes de 183 países que ratificaram um tratado em vigor desde 2005. Em geral, as discussões priorizam iniciativas para redução do tabagismo em todo o mundo. Autoridades ligadas ao setor produtivo, contudo, salientam que o acordo ratificado pelo Brasil impede qualquer iniciativa que crie barreiras à produção e ao livre-comércio.
Como já havia ocorrido em outras edições do evento, os pedidos de credenciamento de autoridades gaúchas e representantes dos produtores à COP foram negados. Ainda assim, deputados da Assembleia gaúcha e da Câmara, prefeitos e representantes de entidades do setor farão uma mobilização no país da América Central.
— Nós trabalhamos para que o Brasil não leve à COP uma posição que prejudique uma cadeia produtiva que gera empregos e riqueza. Deveria haver mais transparência sobre o que o Brasil vai defender lá, a gente não fica sabendo e somos proibidos de participar — enfatiza o presidente do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (SindiTabaco), Iro Schünke.
Representante do Ministério da Saúde na COP, a secretária-executiva da Comissão Nacional para a Implementação da Convenção Quadro (Conicq), Vera Luiza, afirma que o objetivo da COP é discutir a governança de implementação do tratado, incluindo estratégias de fortalecimento do controle do tabagismo. Isso justifica, em sua visão, o controle de acesso.
— Não é um fórum aberto ao público e muito menos à indústria do tabaco. Porque o tratado já foi feito com medidas que protejam da indústria do tabaco — pontua.
O governo brasileiro enviará à conferência representantes de vários ministérios. Enquanto na pasta da Saúde há técnicos que defendem medidas mais duras para combater o tabagismo, os ministros Carlos Fávaro (Agricultura) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) se manifestaram em discussões internas contra qualquer posicionamento do país que crie barreiras à produção e ao livre-comércio de tabaco.
A situação dos DEFs
Outro tema que divide opiniões, a regulamentação dos cigarros eletrônicos estará no centro da pauta da COP e dos debates que ocorrerão do lado de fora do evento. Dados da OMS mostram que 111 países já possuem regulamentação destes dispositivos, 79 permitindo o uso a partir de normas, e 32 com proibição. É o caso do Brasil, onde a Anvisa barrou a comercialização e o uso em 2009, por meio de uma medida de precaução.
Até agora, a iniciativa não impediu o uso dos produtos, e o consumo aumenta a cada dia a partir de dispositivos contrabandeados. A Anvisa reabriu a discussão sobre o tema e neste momento está com uma consulta pública aberta. Após o encerramento, marcado para o dia 9 deste mês, os conselheiros do órgão devem reavaliar o posicionamento sobre a regulamentação.
Uma pesquisa do instituto Ipec, realizada em 2022, estimou que o Brasil possua 2,2 milhões de usuários frequentes de dispositivos eletrônicos para fumar. Representantes da indústria e dos produtores defendem a necessidade de oferecer aos usuários produtos com garantia de origem, controle de fabricação e geração de impostos.
— Poderíamos ter vários ganhos com o produto regulamentado e legal. Além de gerar emprego e arrecadação de impostos, está comprovado em vários países que o dano causado pelos eletrônicos é menor do que o do cigarro tradicional. O Brasil está na contramão do que a maior parte dos países está fazendo — sustenta o presidente do SindiTabaco.
As pesquisas referenciadas pela indústria e pela Conicq apontam para caminhos opostos. Vera Luiza argumenta que os cigarros eletrônicos são utilizados em sua maioria por adolescentes e jovens que nunca haviam fumado, além de discordar que o dano à saúde seja menor.
- Nós estamos falando de droga. Estamos falando de substituir no mercado um cigarro por outro produto que libera a substância que todos procuram, que é a nicotina. É um problema de saúde pública e não há provas de que seja um produto que reduza danos e ajude o fumante a parar de fumar – acrescenta.
Agricultura familiar
As alterações no mercado nos últimos anos não retiraram a relevância do tabaco para a produção brasileira. Segundo a Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), 130 mil famílias são sustentadas pela cultura, a maioria no Rio Grande do Sul. O Brasil possui a terceira maior área cultivada com tabaco no mundo, atrás da China e da Índia, sendo que 95% dessa produção é advinda da agricultura familiar.
A geração de riqueza poderia ser ainda maior, segundo o entendimento da indústria, com a regulamentação dos cigarros eletrônicos. Um estudo da Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG) apontou que, somente em impostos, a União e os Estados perdem R$ 7,5 bilhões ao ano com a falta de regulamentação e deixam de criar 110 mil empregos.