O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu, na quarta-feira (20), a multa de R$ 10,3 bilhões do acordo de leniência do Grupo J&F, dos irmãos Wesley e Joesley Batista. Para encerrar as investigações das operações Greenfield, Sepsis, Cui Bono, Bullish e Carne Fraca — frentes de apuração executadas pela Polícia Federal para desmantelar esquemas de corrupção, fraudes, lavagem de dinheiro e evasão de divisas —, o grupo se comprometeu, em 2017, a pagar o montante bilionário ao longo de 25 anos.
A empresa pediu a suspensão de "todas as obrigações pecuniárias" decorrentes do acordo fechado com o Ministério Público Federal enquanto analisa os documentos da Operação Spoofing, que prendeu os hackers da Lava-Jato. A J&F pretende usar o material para pedir a revisão da leniência. A empresa afirma que é preciso "corrigir abusos" do acordo. Um deles seria o suposto uso de provas ilícitas.
A penalidade prevista no acordo já havia sido desidratada por uma decisão da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, órgão responsável por homologar os acordos de leniência, que, em agosto passado, anulou cláusulas do pacto, o que levou a uma redução da multa de R$ 10,3 bilhões para R$ 3,5 bilhões. A medida da 5ª Câmara acabou revertida pelo Conselho Institucional do MPF.
Em nova decisão, no entanto, um conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público barrou a anulação do abatimento da multa. Pressionado, acabou abrindo mão do caso, que, agora, pode ser analisado pelo colegiado do CNMP ou voltar ao Conselho Institucional.
Odebrecht
Em setembro, Toffoli determinou a anulação de todas as provas que embasaram o acordo de leniência da Odebrecht (atual Novonor), assinado no fim de 2016. O ministro classificou como imprestáveis as provas obtidas a partir do acesso aos sistemas Drousys e My Web Day B, que eram utilizados pelo Setor de Operações Estruturadas — o chamado "departamento de propinas" da companhia. Conforme delações de ex-executivos da empreiteira, o setor armazenava recursos desviados de obras com o poder público que eram distribuídos a políticos.
Os acordos de leniência da Odebrecht e do grupo dos irmãos Batista estão entre os maiores assinados com o MPF na esteira da Lava-Jato. Ao recorrer ao ministro do STF, a J&F afirmou que as duas empresas foram "reféns dos mesmos abusos, praticados pelos mesmos agentes, no mesmíssimo contexto".
Na mesma decisão que suspendeu a multa da J&F, Toffoli autorizou o compartilhamento de todo o material colhido na Operação Spoofing. Também deu sinal verde para a J&F negociar com a Controladoria-Geral da União a "reavaliação" dos anexos do acordo. O ministro argumentou que há "dúvida razoável" sobre a regularidade do acordo e, nesse caso, o mais prudente seria suspender os pagamentos.
"Deve-se oferecer condições à requerente para que avalie, diante dos elementos disponíveis coletados na Operação Spoofing, se de fato foram praticadas ilegalidades envolvendo, por exemplo, a atuação de outros procuradores que não os naturais nos casos relatados, bem como se houve ou não conflito de interesses na atuação dos referidos membros do Parquet para determinar a alienação seletiva de bens e empresas, bem como o valor da multa a ser suportada pela requerente", escreveu.
A mulher de Toffoli, a advogada Roberta Rangel, presta assessoria jurídica para a J&F no litígio envolvendo a compra da Eldorado Celulose. Ele já se declarou impedido para julgar uma ação do grupo em setembro.
Ressarcimento
O Grupo J&F depositou, até aqui, R$ 2,9 bilhões em favor da União e já se planeja para o embate judicial em busca do ressarcimento. O acordo vem sendo questionado em diferentes frentes pela empresa, que contesta desde a atuação dos procuradores até as regras de cálculo e o próprio teor dos anexos. A empresa agora alega que foi coagida a assinar o acordo para "assegurar sua sobrevivência financeira e institucional".
O grupo contesta, por exemplo, a base de cálculo do acerto. A multa foi fixada tomando como base o faturamento global das empresas que compõem o conglomerado, mas os advogados sustentam que o pacto foi fechado no Brasil e, por isso, deveria considerar apenas o faturamento nacional do grupo, não incluindo na conta valores relativos a negócios fora do país.
Outro ponto contestado são as condições atenuantes previstas na legislação para reduzir o valor da multa no caso de leniência. O percentual oferecido à J&F foi o mínimo. A empresa diz que abasteceu o MPF com informações inéditas e, por isso, deveria ter recebido uma redução maior. Os questionamentos não são dirigidos apenas às cláusulas do acordo. A J&F requer a extensão dos efeitos da decisão de Toffoli em relação à Odebrecht e tenta anular o pacto usando como argumento as absolvições de autoridades citadas nos anexos.
O primeiro e mais longo anexo do acordo implicou o ex-ministro Guido Mantega, que foi absolvido na Operação Bullish. Ele havia sido acusado de favorecer, em troca de propinas, o grupo J&F em financiamentos no Banco Nacional do Desenvolvimento Social (BNDES). Outros implicados, posteriormente absolvidos pela Justiça, foram o deputado Aécio Neves (PSDB-MG) e o senador Ciro Nogueira (PP-PI). O tucano foi inocentado em ação que o acusava de receber R$ 2 milhões em propinas da J&F. A investigação envolvendo Ciro Nogueira, também por suspeita de propinas, foi arquivada pelo STF.
A Lava-Jato revelou esquema de cartel entre empreiteiras, corrupção de agentes públicos por empresários, operações de caixa 2 eleitoral, lavagem de dinheiro e outros crimes.
Segundo o advogado Francisco de Assis Pereira, que representa a J&F, o objetivo do grupo, se não conseguir anular na íntegra o acordo, a partir das provas da Spoofing, é excluir os anexos que não converteram condenações judiciais e, com isso, reduzir o valor da multa para R$ 24 milhões.
Uma eventual anulação do acordo pode influenciar os rumos da disputa empresarial entre J&F e Paper Excellence pelo comando da Eldorado Celulose. A J&F alega, no pedido a Toffoli, que a "única alternativa" que teve durante as investigações foi realizar "a venda açodada de ativos valiosos, principalmente a Eldorado". A Paper Excellence afirma que o movimento da J&F é "malabarismo jurídico para tentar anular um contrato legítimo firmado entre as duas empresas" e que o pedido feito ao STF é baseado em "informações inverídicas".