A Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou o governador do Acre, Gladson de Lima Cameli (PP), e outros 12 investigados por organização criminosa, corrupção ativa e passiva, peculato, lavagem de dinheiro e fraude a licitação. Segundo a PGR, os crimes tiveram início em 2019 e teriam causado prejuízos de quase R$ 11,7 milhões aos cofres públicos.
Alvo principal da Operação Ptolomeu, da Polícia Federal, Cameli nega enfaticamente ligação com esquema de corrupção e fraudes (veja o contraponto abaixo).
Além da condenação de forma proporcional à "participação individual no esquema criminoso", o subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) o afastamento do governador até o fim da instrução criminal. Somadas, as penas pelos crimes podem ultrapassar 40 anos de reclusão.
A Procuradoria pede ao STJ que o governador seja processado por dispensa indevida de licitação, peculato praticado 31 vezes, corrupção passiva, lavagem de dinheiro em 46 vezes e organização criminosa.
A Procuradoria requereu ainda a perda da função pública de todos os que se enquadram na situação, incluindo o governador, além do pagamento de indenização mínima de R$ 11.785.020,31, conforme previsão do Código de Processo Penal.
A PGR pediu afastamento cautelar de Cameli e de outros agentes públicos, "diante da gravidade dos fatos e da necessidade de resguardar a instrução processual e as demais frentes investigativas".
A Procuradoria pede também que Cameli fique proibido de "se aproximar da sede do governo estadual" e que seja decretado bloqueio cautelar de bens de todos denunciados de forma solidária até o valor de R$ 12 milhões, "para assegurar a reparação ao erário em caso de futuras condenações". Os pedidos serão analisados pela relatora do caso no STJ, ministra Nancy Andrighi.
A denúncia foi apresentada ao STJ, que é o foro para processamento de autoridades como governadores, e está restrita a um dos fatos apurados na Operação Ptolomeu — irregularidades envolvendo a contratação fraudulenta da empresa Murano Construções LTDA, que teria recebido R$ 18 milhões dos cofres públicos para obras de engenharia viária e de edificação.
Além do governador, a Procuradoria acusa a mulher de Cameli, dois irmãos dele, servidores públicos, empresários e pessoas que teriam atuado como "laranjas" no suposto esquema.
De acordo com as investigações, a empresa Murano Construções e empresas subcontratadas — uma das quais tem como sócio Gledson Cameli, irmão do governador — teriam pago propina ao governador em valores que superam os R$ 6,1 milhões, por meio do repasse de parcelas de um apartamento em bairro nobre de São Paulo e de um carro de luxo.
Segundo a PGR, embora a denúncia mire apenas crimes que teriam sido praticados no âmbito do contrato firmado pelo governo estadual do Acre com a Murano, "há provas de que o esquema se manteve mesmo após o encerramento da contratação".
"Foram identificados oito contratos com ilegalidades, e a estimativa é que os prejuízos aos cofres públicos alcancem quase R$ 150 milhões", afirma a PGR.
A denúncia que imputa crimes ao governador do Acre preenche quase 200 páginas. A Procuradoria revela "amplo material probatório dos crimes praticados e que tiveram como ponto de partida a fraude licitatória".
A fraude, segundo a PGR, consistiu na adesão da Secretaria de Infraestrutura e Desenvolvimento Urbano do Estado do Acre a uma ata de registro de preços vencida pela Murano. Sediada em Brasília, a empresa nunca havia prestado serviços no Acre.
O objeto da licitação feita pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano (campus Ceres /GO) era a prestação de "serviços comuns de engenharia referentes à manutenção predial". Já no Acre, a empresa foi responsável pela execução de grandes obras rodoviárias, tarefas executadas, conforme a denúncia, por companhias subcontratadas, uma delas a Rio Negro Construções, que tem como sócio Gledson Cameli.
A denúncia destaca que a adesão à ata de registro de preços foi feita em maio de 2019 pelo secretário de Infraestrutura e Desenvolvimento Urbano, Thiago Rodrigues Gonçalves Caetano, um dos acusados.
Uma semana depois, o governo estadual, por meio da secretaria, assinou contrato com a vencedora do certame licitatório efetivado por meio de pregão eletrônico. Os investigadores descobriram que, no dia seguinte à contratação, a Murano firmou com a Rio Negro uma Sociedade em Conta de Participação.
Para o subprocurador Carlos Federico Santos, "o modelo de sociedade foi escolhido por permitir que o sócio, no caso, o irmão do governador, que por lei não pode contratar com o poder público, permanecesse oculto".
As informações reunidas ao longo da investigação comprovaram que 64,4% do total pago pelo Estado à Murano decorreu da suposta execução de obras viárias, sobretudo manutenção e construção de rodovias e estradas vicinais, serviços diversos do previsto no contrato.
"Aproximadamente dois terços do valor pago correspondem a objeto totalmente estranho ao contratado, em claro desvirtuamento do princípio da isonomia", relata a denúncia.
Para os investigadores, "a burla à licitação está amplamente configurada, uma vez que o objeto real das obras, a construção de rodovias, deveria ter sido tratado em processo licitatório específico".
Ainda de acordo com a PGR, também chamou a atenção o fato de a empresa Murano não ter nenhuma estrutura empresarial no Acre.
A Controladoria-Geral da União indicou ter havido "subcontratação integral do objeto do contrato, o que configura fuga ao procedimento licitatório e fere o princípio da igualdade, bem como afronta o artigo 37, XXI, da Constituição Federal".
A descoberta de que essa subcontratação se deu em favor de uma empresa do irmão do governador revela, na avaliação dos investigadores, "a utilização de expediente ilegal para encobrir o real destinatário dos recursos, o chefe do Executivo, apontado como o líder da organização criminosa".
Sobrepreço
A denúncia reproduz análises técnicas segundo as quais teria havido um sobrepreço de R$ 8,8 milhões, além de um superfaturamento de R$ 2,9 milhões nos serviços contratados pelo Estado do Acre com a Murano.
Nos dois casos, a CGU confirmou irregularidades como o pagamento por insumos e serviços que não foram efetivamente fornecidos. Isso foi possível, segundo a denúncia, a partir de fraudes nas medições e termos de ateste assinados por servidores que integravam o esquema.
A denúncia detalha como essas irregularidades foram efetivadas e aponta os responsáveis pelos atos. Um exemplo é o registro do aluguel de 900 andaimes e de 6.840 montagens e desmontagens das estruturas a custo de R$ 116 mil para pintura do estádio Arena Acre.
"Contrastando com os registros documentais atestados e que serviram de base para os pagamentos, os registros fotográficos identificaram não mais do que 20 andaimes pelo local, além de constatar que o serviço foi feito por meio da técnica do uso de cordas para manter os trabalhadores suspensos", diz a denúncia.
As provas reunidas na investigação levaram à conclusão de que, do total de recursos retirados dos cofres públicos, apenas 35% foram destinados ao pagamento por serviços prestados pelas empresas subcontratadas.
Segundo a denúncia, a maior parte (65%) seria relativa ao superfaturamento e sobrepreço, tendo como destino o repasse ao governador, ao irmão e a outros envolvidos.
Para Carlos Frederico, o peculato "está devidamente comprovado, bem como o dolo e a má fé dos acusados".
Contraponto
Confira a nota de Pedro Ivo, advogado do governador Gladson Cameli:
"Esse pedido de afastamento é arbitrário e absurdo. Não há nenhum fato novo que justifique esse pedido de afastamento. Ele decorre de um outro pedido que já tinha sido indeferido pelo Superior Tribunal de Justiça. É além de tudo, ele foi feito na vagância do cargo de procurador-geral da República.
Essa investigação é toda ilegal. Ela decorre de uma devassa realizada pela Polícia Federal de Cruzeiro do Sul, sem que tivesse competência para investigar o governador Gladson Cameli. Para se ter uma ideia, quebraram o sigilo de uma criança de apenas sete anos de idade, o filho do governador.
É não há nenhuma ilegalidade atribuível ao governador Gladson Cameli. As obras foram todas executadas e entregues ao povo do Acre, que reelegeu Gladson Cameli no primeiro turno. Esse pedido de afastamento é uma afronta ao mandato conferido pelo povo do Acre.
O governador Gladson Cameli confia no Poder Judiciário, Superior Tribunal de Justiça e fará sua defesa e tem a convicção que esse pedido ao final será indeferido.
Pedro Ivo, advogado do governador Gladson Cameli."