A Câmara dos Deputados aprovou nesta sexta-feira (7) o projeto de lei que retoma o chamado voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). A proposta agora vai para análise do Senado.
O mecanismo estabelece que, em casos de empate, o presidente do colegiado deve desempatar. Como o cargo é reservado a um representante da Fazenda Nacional, em tese, será beneficiado o Fisco.
O Carf é o tribunal que julga conflitos tributários entre a Receita Federal e os contribuintes. Até 2020, existia o chamado voto de qualidade, um desempate a favor do Fisco nos julgamentos. Naquele ano, o Congresso derrubou o dispositivo, que foi retomado em janeiro pelo governo Lula, por meio de uma medida provisória. A MP venceu sem ser votada pelos deputados, mas Fernando Haddad elaborou um projeto de lei com urgência constitucional com o mesmo conteúdo.
O relator da proposta, Beto Pereira (PSDB-MS), retomou o voto de qualidade, mas excluiu as multas cobradas aos contribuintes em caso de derrota, como estabelecido por acordo firmado entre o governo e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
O deputado, contudo, manteve a regra atual sobre o chamado "limite mínimo de alçada" para acesso ao Carf. Hoje, podem recorrer ao tribunal contribuintes cujo valor da ação em disputa seja a partir de 60 salários mínimos. O governo tentou alterar esse piso para mil salários mínimos na MP, com objetivo de reduzir o número de casos julgados pelo tribunal, mas o relator discordou da alteração.
Pereira reconheceu que a elevação do limite de alçada reduziria o tempo de tramitação dos processos administrativos, mas reforçou que é necessário garantir o princípio do contraditório e da ampla defesa previsto na Constituição. Como compensação, o deputado incluiu no relatório uma instância inferior de julgamento na Receita Federal nas Delegacias de Julgamento, com a possibilidade de sustentação oral do contribuinte.
A matéria, que é um dos trunfos da equipe econômica para aumentar a arrecadação e cumprir as metas de resultado primário da nova regra fiscal, virou objeto de barganha política nos últimos dias.
Mais cedo, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que o governo está aberto a discutir a entrada de outras forças políticas na Esplanada. Ele foi à Câmara negociar o Carf com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e líderes partidários. Padilha confirmou que houve uma conversa por telefone entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Lira.
Disputa Receita x PGFN
No parecer apresentado nesta sexta-feira, o relator retirou a possibilidade de a Receita Federal firmar transações com os contribuintes na cobrança de créditos tributários não inscritos em dívida ativa da União. A inclusão dessa medida na versão anterior do relatório havia gerado insatisfação por parte da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), única autorizada atualmente a realizar esse tipo de procedimento.
De acordo com Pereira, ficou decidido que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviará posteriormente um projeto de lei à Câmara para regulamentar essas transações tributárias.
Dispensa de garantia
Atualmente, ao terminar o processo administrativo no Carf com decisão favorável à União, as empresas podem recorrer da decisão no Judiciário, mas devem apresentar garantia de execução fiscal, com valor não apenas da dívida principal, mas também de multas, juros sobre multas e dívida e encargos legais. O valor da obrigação tributária, de acordo com especialistas, praticamente triplica ao chegar no Judiciário.
Por isso, o relator determinou que contribuintes com capacidade de pagamento estão dispensados a apresentar valores como garantia ao ingressarem com processos judiciais. Segundo o texto, a capacidade de pagamento será medida considerando-se o patrimônio líquido realizável da empresa, desde que o contribuinte apresente relatório de auditoria independente sobre as demonstrações financeiras e relação de bens livres e desimpedidos para futura garantia do crédito tributário, em caso de decisão desfavorável em primeira instância.
Acordo com bancada ruralista
O relator também acatou em seu parecer uma proposta defendida pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) que veda a antecipação de garantia, ou seja, antes do trânsito em julgado da medida judicial, em qualquer situação.
O texto diz que as garantias "somente serão liquidadas, no todo ou parcialmente, após o trânsito em julgado de decisão de mérito em desfavor do contribuinte, ficando vedada a sua liquidação antecipada."
Hoje, de acordo com tributaristas, em muitos casos em que há sentença de primeira instância desfavorável à empresa, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional já tenta executar a garantia antes do trânsito em julgado.
Afinal, o que é e o que faz o Carf?
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais foi criado em maio de 2009 pela fusão de três conselhos de contribuintes. A principal responsabilidade do Carf é decidir sobre as disputas fiscais entre o governo e os contribuintes, envolvendo questões tributárias. Como se trata de um órgão colegiado, ele é formado por representantes do Ministério da Fazenda e dos contribuintes.
O Carf é uma instituição responsável por analisar e julgar as contestações feitas pelos contribuintes em relação a cobranças de impostos e taxas feitas pelo governo. Os membros do conselho devem ser imparciais e neutros ao tomar suas decisões, a fim de contribuir para a segurança jurídica.
Além disso, ele oferece serviços relevantes aos contribuintes, como o Sistema Push, que permite acompanhar o andamento dos processos, e disponibiliza a jurisprudência do órgão, incluindo acesso às decisões completas — chamadas de acórdãos — e às resoluções e súmulas estabelecidas.
As modificações terão um impacto significativo nas empresas que possuem dívidas tributárias e têm o potencial de aumentar a arrecadação governamental.