O projeto de lei que altera o funcionamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e restabelece o voto de qualidade do governo está em regime de urgência na Câmara dos Deputados. As modificações terão um impacto significativo nas empresas que possuem dívidas tributárias e têm o potencial de aumentar a arrecadação governamental. O presidente da Câmara, Arthur Lira, afirma acreditar que a votação possa ocorrer ainda nesta sexta-feira (7). As informações são do portal g1.
O que é o Carf?
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais foi criado em maio de 2009 pela fusão de três conselhos de contribuintes. A principal responsabilidade do Carf é decidir sobre as disputas fiscais entre o governo e os contribuintes, envolvendo questões tributárias. Como se trata de um órgão colegiado, ele é formado por representantes do Ministério da Fazenda e dos contribuintes.
Qual sua atribuição?
O Carf é uma instituição responsável por analisar e julgar as contestações feitas pelos contribuintes em relação a cobranças de impostos e taxas feitas pelo governo. Os membros do conselho devem ser imparciais e neutros ao tomar suas decisões, a fim de contribuir para a segurança jurídica.
Além disso, ele oferece serviços relevantes aos contribuintes, como o Sistema Push, que permite acompanhar o andamento dos processos, e disponibiliza a jurisprudência do órgão, incluindo acesso às decisões completas — chamadas de acórdãos — e às resoluções e súmulas estabelecidas.
Processos
De acordo com o Ministério da Fazenda, o volume de disputas que vão parar no Carf é grande. Em 2023 foram abertos mais de 400 mil processos, que representam, em termos financeiros, quase R$ 4,5 trilhões.
De janeiro a abril deste ano, o Carf concluiu cerca de cinco mil processos, que somaram mais de R$ 139 bilhões, segundo a Fazenda.
Entenda a seguir os pontos principais da proposta:
Voto de qualidade
Em 2020, o fim do chamado "voto de qualidade" foi aprovado na Medida Provisória do Contribuinte Legal, resultando em uma vantagem para o contribuinte em caso de empate nas decisões. No entanto, em janeiro, o voto de desempate foi restabelecido por meio de outra medida provisória, o que gerou críticas. Isso ocorreu porque a responsabilidade pelo voto final passou a ser do presidente da turma, que é um auditor fiscal. Teoricamente, essa mudança poderia beneficiar o Fisco.
Após um acordo, os parlamentares decidiram permitir que a medida provisória perdesse a validade. Como alternativa, o governo enviou um projeto de lei para ser analisado pelo Congresso.
Acordo entre governo e OAB
O relator do projeto, deputado federal Beto Pereira (PSDB-MS), incluiu uma cláusula referente a um acordo estabelecido entre o governo e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Conforme o que foi acordado, caso uma empresa ou pessoa física perca um caso no Carf devido ao voto de qualidade, as multas e juros relacionados serão cancelados, desde que o contribuinte efetue o pagamento do valor principal em até 90 dias. O pagamento da dívida poderá ser realizado em 12 parcelas mensais e consecutivas.
No caso de não efetuar o pagamento ou inadimplência de alguma das parcelas estabelecidas, os juros de mora serão restabelecidos.
Além disso, o relator adicionou uma nova disposição que permite ao contribuinte recorrer ao Poder Judiciário sem a necessidade de apresentar uma garantia, caso discorde da dispensa das multas e juros, diferentemente do procedimento atual.
"Aos contribuintes com capacidade de pagamento, poderá ser dispensada a apresentação de garantia para a discussão judicial dos créditos resolvidos favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade”, diz o texto.
A avaliação da capacidade de pagamento será baseada no patrimônio líquido do contribuinte.
Quando o contribuinte não puder comprovar sua capacidade de pagamento e for necessário apresentar uma garantia, o texto assegura que a execução da garantia ocorrerá somente após o trânsito em julgado da medida judicial, ou seja, quando não houver mais possibilidade de recursos.
Dívida ativa
O relator estendeu o prazo de 30 para 90 dias para o registro do débito do contribuinte na dívida ativa da União.
De acordo com ele, essa medida acaba com a exclusividade da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) na negociação com o contribuinte, permitindo também a atuação da Receita Federal.
Isso abre a possibilidade de que a legislação abranja a cobrança dos débitos administrados pela Receita Federal que ainda não foram registrados na dívida ativa.
— O que estamos trazendo é a possibilidade de as transações acontecerem na Receita antes da inscrição na dívida ativa. Hoje, a inscrição pode ser feita a partir de 30 dias. Nós trouxemos isso por 90 dias. Aumentou o prazo para o contribuinte ser inscrito na dívida ativa e nesse prazo a gente possibilita a Receita Federal patrocinar essa transação, algo que era exclusividade da PGFN — explicou Pereira.
Limite de alçada
O relator da proposta decidiu manter o limite de alçada em 60 salários mínimos (R$ 79,2 mil), o que difere da proposta inicial do governo contida no texto, que estabelecia um limite de mil salários mínimos (R$ 1,32 milhão).
O limite de alçada refere-se ao valor mínimo da disputa que determina a competência do Carf para julgar um processo administrativo. Em outras palavras, é o valor a partir do qual o contribuinte tem o direito de recorrer ao conselho.
— Houve um apelo do setor produtivo, frentes parlamentares e diversas confederações, um questionamento muito grande sobre cercear um direito do contribuinte com limite de alçada de mil salários mínimos. O degrau era muito grande. Isso poderia de alguma forma inviabilizar o acesso de demanda, de poder buscar uma decisão na última instância administrativa por uma limitação de alçada. Então, nós decidimos manter o limite de 60 salários mínimos para alçada ao Carf — completou.
Sustentação oral
O texto do projeto também garante o direito dos contribuintes de realizar sustentação oral nas Delegacias da Receita Federal de Julgamento (DRJ), que correspondem à primeira instância do processo administrativo fiscal. Atualmente, essa possibilidade não existe.
Além disso, o projeto propõe a vinculação das DRJs às súmulas de jurisprudência estabelecidas pelo Carf. Isso significa que as decisões consolidadas do Carf terão impacto nas deliberações das DRJs.
Confissão
O deputado também incluiu no texto a criação de uma espécie de "Refis" para contribuintes que confessarem de forma espontânea que têm débitos tributários.
É uma espécie de autorregularização tributária, que foi proposta em emenda apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP). De acordo com o relatório, o pagamento dos contribuintes que aderirem ao programa poderá ser realizado à vista ou em até 60 parcelas mensais.
Judiciário
O texto também prevê que contribuintes com capacidade de pagamento, que será medida pelo patrimônio líquido, estão dispensados a apresentar valores como garantia ao ingressarem com processos judiciais após perder o recurso no Carf.
Atualmente, ao terminar o processo administrativo no órgão com decisão favorável à União, a empresa só pode recorrer ao Judiciário se apresentar garantia que tem como pagar o valor da dívida principal, das multas, dos juros sobre multas e dívida e dos encargos legais.