O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) começou na última quinta-feira (22) a julgar uma ação que pede que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se torne inelegível por oito anos. O político é acusado de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
A acusação trata da reunião promovida pelo então presidente com embaixadores, no Palácio da Alvorada, em julho de 2022. No encontro, transmitido pela TV Brasil, Bolsonaro reiterou críticas às urnas eletrônicas e apontou, embora sem apresentar provas, supostas falhas de segurança no sistema.
O PDT acionou a Justiça Eleitoral, gerando a ação que agora é julgada. Na manhã desta quinta, em sessão que durou pouco mais de três horas, houve a leitura da ação, pelo relator ministro Benedito Gonçalves, e as falas do advogado do PDT, do Ministério Público Eleitoral (MPE) e da defesa de Bolsonaro. Concluídas estas etapas, o julgamento foi suspenso.
A retomada está prevista para esta quinta-feira (29), a partir das 9h. O TSE reservou três sessões para a análise da denúncia, indicando que o julgamento pode ser concluído nesta quinta.
Além de Bolsonaro, é julgado Walter Braga Netto, que era candidato a vice na chapa em que o ex-presidente buscava a reeleição. O próprio MPE, responsável pela acusação, no entanto, defende que Braga Netto seja inocentado.
Futuro político de Bolsonaro em jogo no TSE
Como foi o primeiro dia do julgamento
A sessão desta quinta foi aberta pelo ministro Alexandre de Moraes, que fez a leitura da ata, e em seguida passou a palavra ao relator, ministro Benedito Gonçalves. Por mais de duas horas, Gonçalves leu o relatório da ação movida pelo PDT. O documento detalha a acusação e o que foi apurado na investigação do caso.
Na sequência, falou o advogado de acusação, Walber Agra, representante do PDT, que disse que Bolsonaro usou a reunião para "desmoralizar as instituições" e que fez "ataques sistêmicos à democracia".
O advogado Tarcísio Vieira Carvalho, que defende a chapa de Bolsonaro, falou em seguida e admitiu tom "inadequado" do então chefe do Executivo na reunião, mas argumentou que, por ter ocorrido muito antes do pleito, o caso devia ser tratado como propaganda eleitoral antecipada, irregularidade para a qual a pena prevista é de multa.
A manifestação seguinte foi do representante do Ministério Público Eleitoral (MPE). O vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet, apresentou o parecer do órgão, pela inelegibilidade de Bolsonaro. Concluída esta apresentação, Moraes suspendeu o julgamento.
Como foi o segundo dia de julgamento
O segundo dia do julgamento foi encerrado por volta das 22h de terça-feira (27). A sessão foi dedicada exclusivamente à manifestação do relator do caso, ministro Benedito Gonçalves, que votou por tornar o ex-presidente impedido de concorrer até 2030.
Para Benedito Gonçalves, que decidiu por absolver o ex-vice-presidente Walter Braga Netto, Bolsonaro foi "integralmente responsável" pela reunião, uma vez que o material da apresentação feita aos embaixadores não teve a participação de ministérios, como o das Relações Exteriores e a Casa Civil. E ressaltou que os custos do evento, de R$ 12 mil, não refletem a "inteireza dos recursos públicos empregados".
— O valor (da reunião) nem mesmo se estima em dinheiro, maior destaque está na solenidade. O convite (aos embaixadores) não indicava assunto da reunião, e representantes diplomáticos assistiram, por mais de uma hora, a uma apresentação que envolvia elogio do mandatário a si mesmo, ataque hacker ao TSE, críticas à atuação de servidores públicos, ilações a respeito de ministros deste tribunal, exaltação à atuação das Forças Armadas e exaltação do voto impresso recusado pelo Congresso — destacou.
Em sua análise, o relator rebateu os argumentos da defesa do ex-presidente a respeito da natureza da reunião e pontuou que toda comunicação busca influenciar o meio:
— A reunião, portanto, teve finalidade eleitoral, mirando influenciar o eleitorado e a opinião pública nacional e internacional. Com uso da estrutura pública e das prerrogativas do cargo de presidente da República, foi contaminado por desvio de finalidade em favor da candidatura da chapa investigada.
Inclusão da minuta do golpe
Gonçalves ainda rejeitou pedido da defesa de Bolsonaro para desconsiderar a minuta do golpe no processo, discordando da argumentação dos advogados do ex-presidente, de que o documento não poderia ter sido anexado ao processo porque diz respeito a fato posterior à eleição. A defesa lembrou que o TSE negou a inclusão de delações premiadas da Operação Lava-Jato nos autos da ação que pedia a cassação da chapa Dilma-Temer. Para o relator, no entanto, as situações são diferentes. Ele ponderou que a minuta do golpe tem relação direta com a ação contra Bolsonaro, ao contrário das delações premiadas que citavam as campanhas de dos ex-presidentes Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) em 2014. Segundo a análise de Gonçalves, o documento é "golpismo em sua essência".
— Ao alcance do ministro da Justiça (à época, Anderson Torres, na casa de quem a minuta foi encontrada), um documento permitia visualizar formas jurídicas que poderiam ser utilizadas para responder aos contínuos reclames do primeiro investigado de que algo precisava ser feito para impedir o êxito da suposta manipulação de resultados de 2022 — justificou o magistrado.
Quando será retomado?
A próxima sessão está marcada para quinta-feira (29), às 9h. Os membros do tribunal se manifestarão na seguinte ordem: Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Cármen Lúcia, Nunes Marques e, por último, o presidente do tribunal, Alexandre de Moraes.
Há possibilidade de o julgamento ser interrompido por um pedido de vista?
Sim. Um dos ministros pode, no momento de proferir seu voto, pedir mais tempo para analisar o caso. Se isso ocorrer, o julgamento será suspenso por até 30 dias. Ainda há possibilidade de prorrogação do prazo por mais 30 dias.
Por que reunião com embaixadores pode tornar Bolsonaro inelegível?
A legislação eleitoral proíbe o uso da máquina pública e da estrutura do governo em benefício dos candidatos que buscam a reeleição. O abuso de poder político ocorre quando um candidato usa o cargo para tentar influenciar indevidamente a preferência dos eleitores. É isto que o PDT afirma que Bolsonaro fez ao reunir embaixadores no Palácio da Alvorada para atacar o sistema eleitoral.
O partido sustenta que Bolsonaro espalhou um "arsenal de inverdades" no encontro a fim de se beneficiar eleitoralmente. "É inegável que o senhor Jair Messias Bolsonaro aproveitou-se do evento para difundir a gravação do discurso com finalidade eleitoral, indissociável ao pleito de 2022. Isso porque o ataque à Justiça Eleitoral e ao sistema eletrônico de votação faz parte da sua estratégia de campanha eleitoral", diz o PDT, na ação.
O que Bolsonaro disse sobre o julgamento?
Em manifestações antes do julgamento, Bolsonaro indicou que tem expectativa de ser condenado. Em entrevista na quarta, na noite anterior à primeira sessão do TSE, ele chegou a dizer que havia "quase uma unanimidade" neste sentido.
No dia 22, enquanto o julgamento ocorria, o político cumpriu agenda em Porto Alegre. Em manifestação na Transposul, feira de transporte e logística que foi realizada na capital gaúcha, criticou o processo:
— Hoje começa o meu julgamento político. Ou melhor, não é político, é politiqueiro. Da mais baixa intenção por parte de alguns. Não estou aqui atacando o TSE, longe disso. Mas a fundamentação é coisa inacreditável: "Reuniu-se com embaixadores".
Mais tarde, já quando deixava o evento, o ex-presidente voltou a falar sobre o tema:
— Entendo que (cassar) os direitos políticos é uma violência contra a democracia perto do que fui acusado. Lembro que numa reunião com embaixadores eu falei sobre o sistema eleitoral. Ninguém atacou o sistema eleitoral. Falei sobre a realidade do sistema eleitoral — alegou.
O que acontece se Bolsonaro ficar inelegível?
O julgamento da ação contra Bolsonaro no TSE é terminativo e não cabe efeito suspensivo. Ou seja, se a decisão for por condenação ou absolvição, os efeitos são imediatos. O único recurso possível e capaz de mudar a decisão é o Recurso Extraordinário (RE), que precisa ser admitido pelo TSE antes de ser enviado ao STF, onde será analisada eventual afronta à Constituição durante o julgamento.
Caso seja condenado, o ex-presidente fica impedido de concorrer a cargos públicos por oito anos. Também pode ter de pagar multa entre R$ 5,3 mil e R$ 106,4 mil.
Se ficar inelegível, Bolsonaro não pode concorrer nas eleições de 2024, 2026 e 2028, mas poderá voltar a se candidatar em 2030. Isso porque o TSE determinou que o prazo de oito anos começa a contar na data da eleição no ano em que foi cometido o ilícito, no caso 2 de outubro de 2022. Como em 2030 a eleição ocorrerá em 6 de outubro, ele estaria apto.
Outros 15 processos
Além desta ação que tem como objeto a reunião com embaixadores em 2022, Bolsonaro responde a outros 15 processos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). As denúncias envolvem a concessão de benefícios sociais em ano eleitoral, a realização de supostos atos de campanha nos palácios do Planalto e da Alvorada durante o pleito de 2022, possível uso eleitoreiro de discurso na Assembleia-Geral da ONU, entre outras situações.
Com informações de Estadão Conteúdo e da Assessoria de Imprensa do TSE.