Ex-comandante de Operações da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), o coronel Jorge Eduardo Naime afirmou, nesta quinta-feira (16), em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), que o Exército protegeu os invasores após o ataque à sede dos três poderes, no dia 8 de janeiro. Naime chefiava o departamento operacional da corporação naquele dia e foi preso na esteira das investigações do episódio.
Em seu relato, Naime disse que, no momento da prisão dos que voltavam da Esplanada dos Ministérios, a PM deparou com uma “linha de choque montada com blindados e, por interessante que parecesse, eles não estavam voltados para o acampamento. Eles estavam voltados para a PM, protegendo o acampamento”.
— O tenente que era o oficial de dia no QG queria impedir que a gente prendesse as pessoas no gramado que fica ao lado da via N1. O argumento foi que o local era uma área do Exército e que a PM não poderia atuar. Presenciei o (interventor Ricardo) Cappelli tentando entrar e o general Dutra não permitindo — afirmou.
O coronel também disse que participou de várias reuniões antes dos atos golpistas com o Comando do Exército para a retirada do acampamento, mas que as operações eram canceladas de última hora. Afirmou, contudo, causar "estranheza" que tenham ido empregados, segundo ele, apenas 200 policiais, todos alunos do curso de formação, para atuar no dia dos atos golpistas. Naime não confirmou o número do efetivo, mas disse que, em termos de comparação, 2.193 policiais militares foram aplicados durante a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 1º de janeiro — ou seja, uma semana antes.
— Não participei do planejamento, não estive próximo. Me causa estranheza pois nós realmente empregamos os alunos nesse tipo de operação. Eu mesmo empreguei os 780 alunos na noite do dia 6 de setembro de 2021 para segurar os caminhoneiros. Me causa estranheza ter usado somente os alunos. É preciso ver se isso realmente aconteceu porque isso daí foge do nosso padrão. Usar os alunos é normal, mas sempre acompanhado de um policial com mais experiência, comandando por um sargento, comandado por subtenente, com um tenente à frente, um capitão, um major — afirmou o coronel.
A informação que chegou na Polícia Militar, segundo ele, foi de que a manifestação seria pacífica e de baixa adesão. O número de 200 policiais do curso de formação consta em documento encaminhado à CLDF. O restante da tropa estaria de sobreaviso. O ex-secretário de Segurança do DF, delegado Fernando Oliveira, disse por sua vez que foi avisado de que o efetivo empregado pela PMDF seria maior, de 600 policiais.
Ainda de acordo com o coronel, havia agentes de inteligência, incluindo do próprio Exército, no acampamento, e que foram identificadas várias irregularidades, como comércio ilegal, que envolvia aluguel de tendas para ambulantes, bem como indícios de tráfico de drogas, prostituição e até denúncia de estupro. Também existia, ainda de acordo com o coronel, uma “máfia do pix”:
— Várias lideranças ficavam no acampamento o tempo todo pedindo que as pessoas fizessem pix com a intenção de manter o acampamento.
"Mundo paralelo" e ETs infiltrados
O ex-comandante de Operações da Polícia Militar do DF ainda afirmou que os bolsonaristas acampados no QG do Exército viviam em um mundo paralelo. Ele teria chegado a ouvir de um homem que extraterrestres ajudariam as Forças Armadas em um almejado golpe de Estado contra o presidente Lula.
— Aquele pessoal do acampamento vivia em um mundo paralelo. Eu estive algumas vezes no acampamento, conversei com algumas pessoas e escutei relatos, assim, que falei: "Cara, não é possível que essa pessoa está me falando isso". Teve um que me abordou e falou para mim que ele era um extraterrestre, que ele estava ali infiltrado e que assim que o Exército tomasse, os extraterrestres iriam ajudar o Exército a tomar o poder. Eles consumiam só informações deles, era só o que era falado no carro, estavam em uma bolha — relatou o coronel aos parlamentares.
A CPI investiga os ataques promovidos por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a prédios públicos na Praça dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro. Na quarta-feira (15), a Comissão aprovou a convocação do general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI), para oitiva.
— O general Heleno foi citado várias vezes por alguns dos golpistas que são investigados como alguém que estimulou (os atos) — disse o deputado federal Fábio Felix (PSOL), autor do requerimento.
A Comissão Parlamentar na Assembleia local foi instalada enquanto parlamentares do Congresso ainda tentam fazer vingar uma CPI também na esfera federal.
Mais de 2 mil pessoas foram presas devido aos atos antidemocráticos, segundo balanço do Supremo Tribunal Federal (STF).