Em depoimento à Polícia Federal (PF) nesta terça-feira (14), por meio de videoconferência, sobre o caso das joias sauditas entregues em outubro de 2021 a uma comitiva do então governo de Jair Bolsonaro, o ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque sustentou a tese de que desconhecia o conteúdo dos pacotes e de que estes seriam para a União.
A nova versão difere completamente daquilo que o ex-ministro e almirante de esquadra da Marinha disse no momento em que foram abordados pelos fiscais da Receita Federal, em 26 de outubro de 2021, e do que o próprio Albuquerque disse no dia 13 de março, quando o escândalo veio à tona.
Conforme relatou Bento Albuquerque, o conjunto de diamantes de R$ 16,5 milhões e que foi apreendido era para a então primeira-dama Michelle.
— Isso era um presente. Como era uma joia, a joia não era para o presidente Bolsonaro, né... Deveria ser para a primeira-dama Michelle Bolsonaro. E o relógio e essas coisas, que nós vimos depois, deveria ser para o presidente, como dois embrulhos — disse o ex-ministro.
Albuquerque também deixou claro que este segundo pacote com relógio, estimado em ao menos R$ 400 mil, era para Bolsonaro. No dia da apreensão, Albuquerque retornou até a área da alfândega para liberar as joias. Sua tentativa não se limitou a um ato institucional. Já naquele momento, a diretoria da Receita Federal foi acionada, um ato irregular, para que interviesse nas ações dos auditores e liberasse as joias. Os fiscais, no entanto, deram andamento à apreensão.
Albuquerque admitiu que entrou com o segundo pacote sem declarar e que só o abriu em Brasília, quando pegou um voo de conexão.
— Quando chegamos em Brasília, abrimos o outro pacote, tinha relógio... era uma caixa... tinham mais coisas — afirmou.
Além de tomar o depoimento de Bento Albuquerque, a PF deve colher explicações junto ao assessor Marcos André Soeiro, que estava na comitiva que voltava da Arábia Saudita e que transportava a bagagem que foi inspecionada pelos auditores da Receita Federal, no aeroporto de Guarulhos.
Bolsonaro atuou diretamente no caso, não apenas para receber o pacote de presentes que entrou no país, como para tentar reaver, de todas as formas possíveis, o segundo pacote de joias que ficou retido na Receita. Suas ações diretas estão fartamente documentadas por meio de ofícios, ligações telefônicas, agendamento de voo da Força Aérea Brasil, pedidos formais para retirar as joias, acesso a ministérios e à chefia da própria Receita, com pressão direta sobre os funcionários do órgão.
Bolsonaro também já mudou de versão sobre o assunto. Primeiro, atacou a imprensa e disse que não tinha nenhum conhecimento sobre as joias. A mesma postura foi adotada por Michelle Bolsonaro. Uma semana depois, com a profusão de provas sobre o assunto, reconheceu que recebeu um pacote e decidiu entregá-lo.
A Receita Federal também desmentiu a versão apresentada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados de que as joias enviadas pelo regime da Arábia Saudita ao Brasil seriam para o patrimônio público da Presidência. O órgão afirmou que, mesmo após orientações e esclarecimentos prestados pelos servidores do Fisco de que o bem poderia ser regularizado caso essa fosse a justificativa, "isso não aconteceu no caso em análise".
Por meio de nota, a Receita afirmou que a incorporação ao patrimônio da União exige pedido de autoridade competente, com justificativa da necessidade e adequação da medida, como, por exemplo a destinação de joias de valor cultural e histórico relevante, que possam ser enviadas para um museu. "Não cabe incorporação de bem por interesse pessoal de quem quer que seja, apenas em caso de efetivo interesse público", informou a instituição, explicitando novamente que o governo não apresentou pedido para que as joias fossem tratadas como bem da União.
O caso deflagrou uma série de medidas e hoje é investigado hoje pela PF, Ministério Público Federal e Controladoria-Geral da União, além da Comissão de Ética da Presidência da República. O Tribunal de Contas da União também interveio e vai ficar com a guarda do segundo pacote que entrou no país enquanto se investiga o caso. No Congresso, há coleta de assinaturas na Câmara para instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. No Senado, o escândalo será investigado pela Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC).