Cerca de 10 horas após hordas golpistas invadirem e depredarem o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e a sede do Supremo Tribunal Federal (STF), três pilares da democracia, centenas de manifestantes bolsonaristas, circulavam livremente por um acampamento localizado na Praça dos Cristais, área militar ao lado do Quartel General do Exército, em Brasília.
GZH fez uma imersão pelo acampamento. Para ingressar, foi preciso vencer uma barreira de policiais da Força Nacional de Segurança e, logo em seguida, outro bloqueio montado pelo Exército. Superados os dois cordões dos agentes da lei, foi possível ir caminhando até o QG dos bolsonaristas.
O clima era de absoluta normalidade, o que contrastava com a batalha campal ocorrida pouco antes na Esplanada dos Ministérios e na Praça dos Três Poderes, com uso de balas de borracha, gás lacrimogêneo e spray de pimenta por parte da polícia.
Alguns poucos policiais do Exército limitavam-se a pedir para que as pessoas não circulassem pela área militar. Dentro do acampamento, inexistia o poder do Estado. As ordens, o comando, a organização permaneciam sob a soberana decisão dos inimigos da democracia.
Pela conversa, era possível saber que havia, entre eles, agentes da barbárie contra os símbolos do poder.
— Quero ver alguém dizer que eu estava lá, usei óculos Ray Ban e máscara 3M (contra covid) — comentou uma mulher com outra.
Próximo delas, um homem relatava ao telefone:
— Levei um tiro de borracha na perna.
Dezenas (talvez centenas) de barracas permaneciam montadas. E de diferentes tipos: arredondadas (estilo iglu), em formato cabana (para abrigar duas pessoas) e tendas grandes (estilo acampamento cigano, capazes de acomodar várias pessoas). Entre os cartazes presos às barracas, era possível ler mensagens autoritárias: “Generais, confiamos nos senhores: novas eleições já! Voto auditável!”.
Outras manifestavam apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro: “Presidente, estamos com o senhor. Defesa, pátria e família e liberdade!".
Às 22h30min, quando ingressei no acampamento, um homem era atendido por quatro pessoas. Ele parecia ter uma crise epilética.
— Não podemos deixar de barriga pra cima — orientou uma mulher.
— Eu seguro a cabeça — falou um homem.
— O senhor é médico?
— Não, socorrista.
Ao lado, em ambiente contíguo, cerca de 50 pessoas participavam de algo que lembrava uma assembleia. Elas ouviam uma mulher loira, vestindo camiseta do Brasil, um homem de camiseta branca, com os ombros de fora — possivelmente próximo dos 70 anos — e um orador que vestia camisa de manga comprida, desabotoada, por cima de uma camiseta. Sem microfone, os três gritavam para o público. Pelo que se percebeu ouvindo o que era dito, havia três preocupações centrais: alimentação, advogado e a definição da natureza do golpe que propunham, se intervenção federal ou intervenção militar.
— Quando a gente cita intervenção (federal), a gente quer dizer que estamos num país que se chama República Federativa do Brasil. Nosso país é federativo. Agora, quem pode fazer a intervenção no Brasil, na nossa federação, são as Forças Armadas — tentava explicar o homem de camisa de mangas longas, entre gritos e interrupções.
Para quem temia ser preso na saída do acampamento, a mulher loira informava:
— Vamos ter amanhã de manhã um barraca com advogados. Nós somos um grupo ordeiro.