Brasília, 8 de janeiro de 2023. Às 16h24min, a cavalaria da Polícia Militar do Distrito Federal marcha apressada em direção ao Congresso Nacional sob vaias de bolsonaristas. O efetivo, obviamente, é infinitamente menor do que o necessário para conter a multidão que toma os três prédios mais importantes da República: o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF).
Sob o olhar complacente de policiais, que a certo momento recebem oferta de água dos manifestantes, vândalos avançam sobre os vidros do Congresso.
- Tratei de proteger minha viatura - diz um policial, explicando a inação.
Um dos manifestantes destrói com o capacete as janelas envidraçadas de um dos gabinetes, no térreo. Outro coloca fogo em um móvel retirado de uma das salas. No salão negro, o local onde uma semana atrás o deputado Arthur Lira, presidente da Câmara, e o senador Rodrigo Pacheco, do Senado, receberam o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, na posse, manifestantes avançam pelo interior do prédio. Na cobertura do Congresso, uma fumaça amarela toma conta de uma das cúpulas, a do Senado, provavelmente resultado de fogos de artifício lançados pelos vândalos.
Estou ao lado do Congresso, à direita de quem observa da Esplanada dos Ministérios. Gradis estão destruídos. Daqui, vejo uma viatura da Polícia Legislativa empurrada para dentro de um dos espelhos d'água. Uma mulher pede para o homem de capacete, que tenta destruir o vidro do Congresso, que pare.
- Você vai ser incriminado - grita uma delas, enquanto a outra exige que ninguém grave imagem de seu rosto.
Estico o olhar sobre a cobertura do Congresso: há milhares de pessoas abrindo uma faixa onde está escrito "Intervenção". A alguns passos dali, um grupo transporta água e comida para outro, em uma logística muito bem azeitada. Outros saem da cobertura do Congresso convocando os demais a se juntarem aos invasores do Supremo Tribunal Federal (STF). O palco da batalha foi deslocado para ali, de onde um helicóptero dispara bombas de gás em rasantes sobre a multidão. Enfim, após mais de uma hora de complacência, a polícia inicia reação. Mesmo assim, alguns agentes usam seus celulares apenas para gravar imagens ou fazer selfies em frente ao Congresso vandalizado.
- Isso aqui não é cinema - protesta um dos manifestantes, convocando quem está registrando vídeos a largarem os celulares e confrontarem a polícia.
O confronto se alastra em frente ao Supremo. Ao vivo, na Rádio Gaúcha, falo baixo, porque, a essa altura, pelo menos seis jornalistas foram atacados e tiveram seus equipamentos, como celulares e máquinas fotográficas, destruídos. A imprensa é um dos alvos dos manifestantes. Afasto-me para fazer os boletins, interrompo frases e, por vezes, paro de falar quando alguém observa meus gestos de repórter.
Enquanto a multidão toma o Congresso, na área verde em frente, um grupo de homens e mulheres se ajoelha com os braços erguidos em direção ao prédio, iniciando uma oração.
Com a tropa de choque avançando sobre a multidão, o foco se desloca para o Planalto, onde a multidão ocupa a rampa, o térreo, o salão nobre, onde ocorreram as principais transferências de posse de ministros, na semana passada, e chega ao terceiro andar, onde fica o gabinete presidencial. Em formação, a polícia avança e há princípio de correria. Alguns manifestantes e repórteres se refugiam sobre o teto do anexo II do Congresso.
- Uma hora isso vai acabar - diz um senhor, sugerindo que a munição das forças policiais não durariam para sempre.
- Como o povo vai lutar sem armas - questiona a mulher que o acompanha.
Um rapaz passa por mim com ferimento de bala de borracha no braço esquerdo. Outro tem o rosto sangrando. Uma mulher está sentada no meio fio, com os olhos avermelhados por causa do gás lacrimongêneo. Muitos cobrem os rostos. As explosões provocadas pelas bombas de efeito moral estão mais próximas.
Na frente do Palácio da Justiça, um dos primeiros a ser vandalizados, a tropa de choque é hostilizada por manifestantes.
- Tem gente morrendo. Vocês deveriam dar o exemplo e ouvir o povo - gritam.
Os policiais não respondem. Pelo Eixo Monumental, enfim a tropa choque consegue organizar um cordão de isolamento: primeiro pelo Supremo, depois pelo Planalto e, por fim, desocupando a cobertura do Congresso.
Às 20h37min, mais de cinco horas depois do início do caos, a Praça dos Três Poderes está isolada. Parte dos manifestantes foi empurrada para a rodoviária. Outros retornam para o acampamento, em frente ao quartel-general do Exército. Sob chuva, Brasília começa a respirar alguma normalidade.
O resultado desse dia que entrará para a história da infâmia brasileira é conhecido aos poucos, à medida em que vazam imagens do interior dos palácios. Os três maiores símbolos da República foram vandalizados, na maior agressão à democracia do país desde o golpe militar de 1964. Brasília adormece sob explosões esporádicas a atormantar a noite.