O Brasil tem, de papel passado, um novo presidente. Em uma cerimônia iniciada por volta das 15h deste domingo (1º), Luiz Inácio Lula da Silva e seu vice, Geraldo Alckmin, leram e assinaram o termo de posse que oficializou a ocupação dos cargos mais elevados do Executivo federal. Lula fez um primeiro discurso em que se comprometeu a combater a miséria da população, defendeu a democracia e acumulou críticas à gestão de Jair Bolsonaro e aos métodos utilizados pelos adversários durante a campanha.
— O diagnóstico que recebemos do Gabinete de Transição é estarrecedor. Esvaziaram os recursos da Saúde. Desmontaram a Educação, a Cultura, Ciência e Tecnologia. Destruíram a proteção ao Meio Ambiente. Não deixaram recursos para a merenda escolar, a vacinação, a segurança pública. É sobre essas terríveis ruínas que assumo o compromisso de, junto com o povo brasileiro, reconstruir o país e fazer novamente um Brasil de todos e para todos — declarou o presidente.
Entre as primeiras estratégias a serem adotadas, confirmou a revogação de decretos que favoreceram o acesso da população às armas ao longo dos últimos quatro anos:
- Estamos revogando os criminosos decretos de ampliação do acesso a armas e munições, que tanta insegurança e tanto mal causaram às famílias brasileiras. O Brasil não quer mais armas, quer paz e segurança para seu povo.
Lula e Alckmin haviam sido acompanhados ao interior do plenário, depois de caminharem sobre um tapete vermelho guarnecido pelos tradicionais Dragões da Independência, pelos presidentes do Congresso, senador Rodrigo Pacheco, e da Câmara, deputado federal Arthur Lira.
Pacheco abriu a sessão solene ao lado da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, e do procurador-geral da República, Augusto Aras, entre outras autoridades. Antes de iniciar o roteiro da posse, o senador fez uma homenagem póstuma a Pelé e ao Papa emérito Bento XVI, recém-falecidos, e pediu um minuto de silêncio. Depois da execução do Hino Nacional, Lula leu o compromisso constitucional que prevê o respeito às leis do país e a promoção do bem geral da população - seguido por gritos de "Lula, Lula" da plateia.
Ao assinar o termo de posse, o novo presidente contou uma pequena história sobre a caneta utilizada. Disse que ela foi presenteada por um apoiador do Piauí em sua primeira campanha presidencial para que assinasse o mesmo documento caso vencesse as eleições de 1989. Veio a ganhar apenas em 2002 e 2006, mas, nas duas ocasiões, esqueceu da caneta, utilizada, finalmente, em 2022.
Na sequência das assinaturas que oficializam a troca de poder, vestindo terno e gravata azuis com camisa branca, Lula fez o primeiro pronunciamento como novo mandatário da República. O presidente agradeceu o voto de confiança da população, defendeu a lisura das urnas eletrônicas e a "atitude corajosa" do Tribunal Superior Eleitoral contra tentativas de questionar o resultado eleitoral.
— Sob os ventos da redemocratização, dizíamos "ditadura nunca mais". Hoje, depois do terrível desafio que superamos, devemos dizer "democracia para sempre" — afirmou.
E complementou:
— Se estamos aqui é graças à consciência política da sociedade brasileira e à frente democrática que formamos. Foi a democracia a grande vitoriosa, superando a maior mobilização de recursos públicos e privados que já se viu, as mais violentas ameaças à liberdade do voto.
Em grande parte, o discurso de Lula se sustentou em críticas veladas ao antecessor, Jair Bolsonaro, e aos métodos utilizados durante a campanha — que, conforme o novo presidente, teriam utilizado de forma irregular recursos públicos com fins eleitorais e divulgação de mentiras como estratégia. Negou desejo de "revanche", mas afirmou que eventuais crimes deverão ser punidos:
— O mandato que recebemos, frente a adversários inspirados no fascismo, será defendido com os poderes que a Constituição confere à democracia. Ao ódio, responderemos com amor. À mentira, com verdade. Ao terror e à violência, responderemos com a lei e suas mais duras consequências. Não carregamos nenhum ânimo de revanche contra os que tentaram subjugar a Nação a seus desígnios pessoais e ideológicos, mas vamos garantir o primado da lei. Quem errou responderá por seus erros, com direito amplo de defesa, dentro do devido processo legal.
Sobre as elevadas mortes na pandemia em território nacional, sustentou serem fruto de um "governo negacionista" e acrescentou:
— As responsabilidades por este genocídio hão de ser apuradas e não devem ficar impunes. O que nos cabe, no momento, é prestar solidariedade aos familiares de quase 700 mil vítimas
Em relação a iniciativas do governo recém-iniciado, prometeu reconstituir a Lei de Acesso à Informação, que garante acesso público a dados oficiais, elaborar um novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) diante de um cenário de 14 mil obras paradas no país, revigorar programas sociais como o Minha Casa, Minha Vida, proteger o ambiente e incluir "os trabalhadores e os mais pobres no orçamento". Se comprometeu ainda a revogar medidas aprovadas nos últimos anos que contrariariam interesses dos indígenas.
Também acenou às mulheres:
— É inadmissível que as mulheres recebam menos que os homens, realizando a mesma função. Que não sejam reconhecidas em um mundo político machista. Que sejam assediadas impunemente nas ruas e no trabalho. Que sejam vítimas da violência dentro e fora de casa.
Sobre o tema da responsabilidade fiscal, que gerou ruídos ao longo do processo de transição, confirmou que pretende acabar com o polêmico teto de gastos, que limita o desembolso de recursos públicos. Mas se comprometeu a manter um "realismo orçamentário" — segundo ele, já colocado em prática nas outras duas vezes em que tomou posse no mesmo Congresso Nacional em que discursou neste domingo.