Alvo de apuração do Ministério Público Federal (MPF), nota da Sociedade de Engenharia do RS (Sergs) que prega a destituição de membros do Judiciário, intervenção das Forças Armadas e suspensão da posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, deve entrar também na mira do Supremo Tribunal Federal (STF). Em notícia-crime enviada à Corte, a Frente Nacional pela Volta das Ferrovias (Ferrofrente) e o movimento Engenharia pela Democracia pedem investigação e punição da entidade e dos responsáveis pelo texto.
Divulgado em 30 de novembro, o documento diz, sem apresentar qualquer prova, que o processo eleitoral foi “eivado de ilegalidade”, supostamente “praticados pela atual ditadura”. “Há um permanente descumprimento da Constituição com o golpe perpetrado por membros do Judiciário convertido em poder supremo de uma ditadura travestida de democracia. (...) A Sergs vem solicitar a reconstituição da democracia e da liberdade, com a destituição constitucional dos golpistas mediante iniciativa do Poder Executivo e suas Forças Armadas, o único poder que atualmente remanesce com capacidade de desbaratar o golpe perpetrado”, diz trecho do texto.
Assinada por 14 pessoas e enviada também ao MPF e ao Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS), a notícia-crime cita nominalmente o presidente da Sergs, Walter Lídio Nunes, o presidente do conselho deliberativo, Luís Roberto Ponte, e Leandro Duarte Moreira, responsável pela administração do site da entidade. Os signatários pedem que a investigação no STF ocorra dentro do chamado inquérito das fake news, conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes.
“Como é possível notar, a conduta criminosa dos responsáveis pela publicação se inscreve nos fatos sujeitos à investigação pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito ado inquérito em epígrafe, em razão da ameaça, notícia falsa e denunciação caluniosa contra membros da Corte”, afirmam os autores da notícia-crime. No texto, eles atribuem a Sergs, Ponte, Nunes e Moreira atos de incitação ao crime e apologia de fato criminoso, além de abuso da liberdade de imprensa por fazer propaganda de processos violentos para subverter a ordem política e ofensa à moral pública e aos bons costumes.
— Nós queremos investigação e punição rigorosa, para que sirva de exemplo. A engenharia brasileira não pode nos envergonhar nesse nível. Precisamos impedir que isso se alastre pelo país e a melhor forma é punindo om vigor esse ninho de serpente — justifica o presidente Frente Nacional pela Volta das Ferrovias e dirigente da Federação Nacional dos Engenheiros, José Manoel Ferreira Gonçalves.
O STF não se pronuncia sobre o caso, pois o inquérito das fake news é sigiloso. No Rio Grande do Sul, o MPF já havia instaurado procedimento preliminar para investigar o caso. Na sexta-feira (2), a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão encaminhou ofício à entidade, com prato de 48 horas para manifestação da Sergs, principalmente se a nota havia sido aprovada em algum colegiado interno. A resposta foi enviada e está sob análise da procuradoria. Procurado, o MP-RS não se manifestou.
Redigida por Ponte, a nota provocou enorme controvérsia na Sergs. Membros da entidade pediram desligamento e o próprio presidente reviu sua posição inicial. Após dizer à colunista Giane Guerra que concordava com o teor da nota e assinava o manifesto, Nunes recuou. Em comunicado público, disse ser “totalmente contrario à nota, pois sempre acredito que para se construir uma solução convergente para o Brasil é pela democracia e pela mobilização orientada pelo diálogo, sem intervencionismo das Forças Armadas”.
Dias depois, Nunes publicou artigo em Zero Hora defendendo a democracia. Sem citar a nota da Sergs que havia assinado, o executivo diz que “reações exacerbadas e delirantes propõem um golpismo intervencionista da Forças Armadas, como se o rompimento brutal das relações sociais e políticas pudesse ser pensado como solução. Não é”.
Evento de premiação é adiado
Diante da polêmica e da tensão no ambiente interno, a Sergs adiou por tempo indeterminado um dos seus eventos mais tradicionais. A premiação do Engenheiro do Ano, realizada desde 1985 e prevista para a próxima segunda-feira (12), será entregue somente em 2023, em data a ser marcada. Segundo a entidade, o adiamento ocorre "em face dos acontecimentos com repercussão pública, fato que poderia comprometer o propósito do evento".
Procurado, Ponte disse que a nota não tem propósito golpista e que está à disposição das autoridades para explicar o teor do texto.
— Não retiro uma palavra do que a nota diz. Eu quero esclarecer a verdade, esclarecer o que a manifestação diz. Essa é minha obsessão. O documento afirma que membros do Poder Judiciário estão permanentemente, flagrantemente, descumprindo a Constituição. Logo, deveriam ser retirados. Ponto. Simples assim. Se querem me acusar porque digo isso, sem problema. Digo para os 11 (ministros do STF) se estiverem na minha frente — afirmou.
Já Nunes voltou a dizer que discorda do teor do texto e que não o assinou, apesar de seu nome ter aparecido na versão original da nota, divulgada semana passada.
— O manifesto é uma posição do presidente do conselho deliberativo. Saiu com meu nome, mas não sou signatário. Até escrevi um artigo que reflete minha posição. Internamente, houve divergências quanto àquilo, não há consenso, mas é uma posição que foi colocada e associada à Sergs. Estamos vivendo um momento polarizado é há ações e reações, como essa investigação — comentou Nunes.
Leandro Moreira afirma que em 2018 foi contratado para o serviço de montagem do site da Sergs, fato pelo qual teve o nome cadastrado junto ao departamento responsável pelo registro e manutenção dos nomes de domínios na internet no Brasil. Jamais teve vínculo formal com a entidade, não participou dos debates, tampouco da redação da nota.
- Fiz o serviço de criação do site, Não fui funcionário nem membro da entidade. Inclusive vou pedir para tirarem o meu nome como responsável pelo site - afirma Moreira.