O senador eleito Flávio Dino (PSB-MA), que tem liderado o grupo técnico de segurança na equipe de transição do governo e é cotado ao Ministério da Justiça, afirmou que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai revogar atos do presidente Jair Bolsonaro (PL) que culminaram no aumento de acesso a armas pela população. O plano da gestão petista é que as medidas a serem adotadas pelo futuro governo afetem até mesmo quem já comprou armas na gestão Bolsonaro. O alvo principal são as de grosso calibre que teriam sido adquiridas a partir da liberação prevista em decretos editados pelo atual presidente.
Questionado sobre o assunto ao chegar no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), onde o governo de transição tem se concentrado em Brasília, Dino disse que o objetivo é fazer valer o que já estava previsto no estatuto do desarmamento (lei 10.826/2003).
— Não há dúvida de que há um escopo principal do grupo, porque é um compromisso do presidente Lula. Nós temos uma lei vigente, o estatuto do desarmamento, que foi objeto de um desmonte por atos infralegais, abaixo da lei. Isso sem dúvidas é um tema fundamental do grupo de trabalho. É um tema que o presidente Lula escolheu e foi aprovado pela sociedade brasileira — comentou Dino.
Segundo o senador, o grupo técnico ainda está avaliando o assunto em detalhes, para verificar cada ação que será tomada.
— O tema daqui para trás é um tema que exige algumas reflexões. A primeira: existe direito adquirido a faroeste? Não. Existe direito adquirido a andar com fuzil, metralhadora? Não. Imaginemos a questão de um medicamento que hoje é permitido e amanhã passa a ser proibido. Alguém terá direito adquirido a continuar a tomar o medicamento? Não. É possível que haja um efeito imediato, inclusive no que se refere aos arsenais já existentes? Sim, é possível — disse.
O senador afirmou ainda que deverá haver medidas para que ocorra a devolução de armamento pesado que já foi adquirido pela população.
— E o que já está em circulação? Provavelmente vai haver uma modulação. Aquilo que for de grosso calibre, por exemplo, deve ser devolvido. Algum tipo de recadastramento no que se refere aos clubes de tiro. Vai haver fechamento generalizado de clubes de tiro? Seguramente não. Mas não pode ser algo descontrolado, não pode ser liberou geral. Todos os dias vocês noticiam tiros em lares, em vizinhança, bares, restaurantes, de pessoas que possuíam registro de CAC (registro de Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador). Mostra que esse conceito fracassou. E, se fracassou, deve ser revisto.
O deputado federal Wadih Damous (PT-RJ), jurista e integrante do grupo temático na transição, acrescentou que eventuais direitos adquiridos serão analisados:
— Devemos tratar isso e defender um revogaço. Em tese, todos podem ser revogados.
Os decretos que aumentaram a autorização para aquisição de armas e munições estão suspensos por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Com três ações diretas de inconstitucionalidade paradas por um ano, devido a pedido de vista do ministro Kássio Nunes Marques, o ministro-relator Edson Fachin decidiu liminarmente pela suspensão. Em votação virtual da Corte, em setembro, ele foi acompanhado por oito ministros.
Entre as normativas restritas pelo relator está o decreto de número 9.846, de 2019, que regulamenta o registro, cadastro e a aquisição de armas e de munições por caçadores, colecionadores e atiradores, além de portaria que permitiu aumento na autorização para aquisição de munição.
De acordo com Fachin, a posse de arma de fogo só pode ser autorizada a pessoas que demonstrem efetiva necessidade, por razões profissionais ou pessoais, e a aquisição de armas de fogo de uso restrito só deve ser autorizada no interesse da segurança pública ou da defesa nacional, não em razão do interesse pessoal.
Ainda segundo Fachin, os limites quantitativos de munições adquiríveis devem se limitar aos que, de forma diligente e proporcional, garantam apenas o necessário à segurança dos cidadãos.
Ministério da Justiça
A respeito da possibilidade de desmembramento da Justiça da Segurança aventada por algumas alas do PT, o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ) avalia que a medida tende a ser um erro:
— O que pode é fortalecer o setor que cuida da Segurança Pública, já que essa é uma demanda. Com isso, pode ser criada uma secretaria especial.
A expectativa, no entanto, é de que seja aberta uma discussão interna pela separação das duas áreas. Flávio Dino disse que, independentemente do modelo escolhido, as políticas públicas do setor precisarão estar integradas.
Fim de sigilos de cem anos de Bolsonaro
Flavio Dino confirmou também a intenção do governo de revogar os atos de Bolsonaro que impuseram sigilo de cem anos a informações.
— Não é propriamente tema do nosso grupo, porque não tem propriamente impacto na segurança pública. Mas, sem dúvida, que é plenamente possível (revogar), porque há um conceito jurídico fundamental que está contido na súmula 473 do Supremo, que quando há razões de conveniência e oportunidade, a mesma autoridade que decreta pode revogar — disse.
Ao comentar sobre os atos antidemocráticos que ainda ocorrem em frente a quartéis do Exército e algumas cidades, Dino disse que, até o dia 31 de dezembro, esse é um tema que pertence ao atual governo:
— A partir de 1 de janeiro esse tema pertencerá ao novo governo e ao novo Congresso. Evidentemente é preciso cumprir a lei. De um modo geral qual é o parâmetro de resposta ao extremismo? É a legalidade. Quanto mais a lei for cumprida menor o extremismo. É possível a perpetração de crimes em flagrante a luz do dia e ninguém fazer nada? Claro que isso é ilegal. A orientação, seguramente, é no sentido que o código penal tem que ser cumprido. É importante lembrar que segundo a constituição, os crimes políticos são crimes federais. Artigo 109 da constituição federal.