Todo mundo considera a sua candidatura irremovível e necessária. É o cenário da esquerda e da centro-esquerda na eleição ao governo do Rio Grande do Sul. A atual divisão entre quatro possíveis chapas já leva lideranças a temer e alertar sobre o risco de a fragmentação forçar a repetição do que aconteceu em 2018, quando a esquerda ficou de fora do segundo turno na corrida ao Palácio Piratini.
A avaliação, nos bastidores, é de que as candidaturas de Edegar Pretto (PT) e de Beto Albuquerque (PSB) chegaram em ponto de impasse que dificilmente será resolvido. Hoje, a tendência é de que os dois sejam concorrentes ao Piratini, sem a reprodução no Estado da aliança nacional entre PT e PSB em torno da candidatura presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O PSOL gaúcho fincou pé na decisão de ter Pedro Ruas (PSOL) como ponta de lança e o PDT argumenta que a candidatura própria é necessária para dar palanque ao presidenciável Ciro Gomes (PDT).
A pulverização de votos desse campo político traz a ameaça de o segundo turno ser disputado entre uma das candidaturas do bolsonarismo — Onyx Lorenzoni (PL) e Luis Carlos Heinze (PP) — e uma chapa de centro apoiada pelo ex-governador Eduardo Leite (PSDB). Em recentes reuniões, os representantes do PCdoB manifestaram aos petistas o receio.
— Aqui no Estado a terceira via pode se viabilizar. O bolsonarismo está dividido entre duas candidaturas, mas nós estamos divididos em quatro. Essa matemática está cruel para nós. O cenário de 2018 pode se repetir. Precisamos aprender com o passado, olhar a perspectiva de vitória nacional com o Lula, com palanque amplo, e reproduzir essa mesma unidade no Estado — avalia Juliano Roso, presidente estadual do PCdoB.
Até agora, os apelos do dirigente não surtiram efeito e todas as legendas seguem inarredáveis das suas pretensões e convicções. Confira a seguir a situação de cada partido.
PT
O partido tem uma vida orgânica intensa, com debates entre correntes que já produziram rachas históricos no Rio Grande do Sul, mas, desta vez, o PT foi unânime ao definir o nome de Edegar Pretto ainda em abril de 2021. Deputado estadual mais votado da sigla nas últimas três eleições, Pretto é a aposta do PT gaúcho para renovar sua liderança regional. Tudo indica que ele concorrerá com o apoio do PCdoB e do PV, siglas que encaminharam a formalização de uma federação com o PT. O desejo de ter o apoio do PSB, contudo, está inviabilizado pela candidatura de Beto Albuquerque, considerada definitiva.
O PT, por sua vez, não cogita ceder e apoiar Beto. A legenda diz estar aberta ao diálogo, mas sinaliza que a cabeça de chapa é inegociável por duas razões.
— O que justifica o Edegar é o tamanho do partido no Estado, temos a maior bancada estadual. E, na polarização nacional, é mais fácil vincular o nome do Edegar ao Lula. Nesse cenário, ele tem melhor condição de crescer. A ideia é construir consenso. Respeitamos muito a candidatura do Beto, mas a nossa expectativa é compor com o PSB tendo o Edegar na cabeça da chapa — diz Carlos Pestana, secretário-geral do PT no RS.
Pestana acredita que a polarização nacional entre Lula e o presidente Jair Bolsonaro (PL), enquanto a terceira via patina, acabará "tensionando" as siglas de esquerda a se reunirem em palanque unificado no Estado. Ele diz que as conversas serão intensificadas em abril.
Pestana e Edegar ainda manifestam crença na hipótese de contar com o apoio do PSOL, sobretudo após o indicativo de que a sigla irá apoiar Lula na eleição presidencial. Os petistas são os mais confiantes ao comentar o risco de a gasolina acabar no primeiro turno.
— Não tem possibilidade de o campo da esquerda ficar de fora (do segundo turno). O Lula aparece como grande alternativa aqui. O Rio Grande do Sul não é bolsonarista. É, no máximo, um Estado polarizado, como sempre foi — avalia Edegar.
Para Pestana, o fato de o candidato do PT ter vínculo com o MST — ele é filho de Adão Pretto, quadro histórico do movimento — não será propulsor de rejeição, mesmo em tempos de ascensão do conservadorismo.
— Edegar foi presidente da Assembleia e mostrou capacidade de diálogo. Ele vai governar para todos e não para uma ou outra organização, independentemente de origem política — diz.
O nome considerado ideal para concorrer ao Senado na chapa de Edegar é o de Manuela D'Ávila (PCdoB), mas ainda não está oficializado. Nas reuniões, os representantes do PCdoB têm manifestado incômodo com a hipótese de a fragmentação tornar os palanques mais fracos em uma eleição acirradíssima. Neste cenário, nos bastidores do PCdoB é cogitada a hipótese de Manuela não concorrer e assumir função na coordenação nacional da campanha de Lula.
PSB
No seio do partido, há convicção de que o impasse com o PT é insolúvel se depender das direções regionais. O PSB indicou Geraldo Alckmin como candidato a vice-presidente na chapa de Lula, mas sem fazer parte da federação encabeçada pelo PT. Não ser da mesma federação permite correr em pista separada nos Estados, apesar da coligação nacional.
Por isso, os políticos da legenda avaliam que a única chance de um acordo acontecer é se Lula desembarcar no Rio Grande do Sul e determinar ao PT gaúcho a retirada da candidatura própria e o apoio a Beto. Lula já fez esse movimento em Estados como Pernambuco, mas tem deixado a corda solta no Rio Grande do Sul — o que causa estranheza inclusive em integrantes da federação.
— Se o Lula desejar, serei o palanque dele com muito prazer. Essa decisão passou dos limites do Rio Grande do Sul. O palanque do Lula vai ser escolhido pelo Lula. Se o palanque for o Edegar, serei candidato e vou construir outra aliança para disputar o primeiro turno — diz Beto.
Num esforço de convencimento, ele sinaliza ao PT a leitura de que seu nome é mais palatável ao eleitor de centro e também aos partidos políticos moderados. A análise do PSB é de que Beto tem mais chance de crescimento, de formação de alianças e menor rejeição.
— A esquerda tem de debater quem tem mais capacidade de ganhar a eleição e ampliar o diálogo com outros partidos. Parece que muitos não querem fazer essa análise — afirma Beto.
Caso não feche com o PT, o PSB já idealiza uma construção, ainda incipiente, com o PDT. Neste caso, Beto seria palanque regional do presidenciável Ciro Gomes, tendo um pedetista, possivelmente o ex-deputado Vieira da Cunha (PDT), como candidato a vice-governador ou ao Senado.
— Tenho falado muito com o Ciro Simoni (presidente estadual do PDT). Mostrei a ele a possibilidade de seguirmos conversando. Não posso ficar esperando que os outros escolham o meu caminho — avalia Beto.
PDT
A sigla precisa construir um palanque regional para Ciro Gomes e o nome dos sonhos é o de Romildo Bolzan, presidente do Grêmio. O PDT é unânime ao desejar a candidatura de Romildo, mas a decisão é considerada personalíssima: para concorrer ao Piratini, ele teria de deixar a presidência do Grêmio logo em momento de dificuldade, a disputa da Série B. A expectativa é de que ele anuncie uma decisão até o final de abril.
Presidente do PDT no Estado, Ciro Simoni é próximo de Romildo e diz que, mesmo recebendo um não do dirigente gremista, o PDT deverá ter candidato próprio. A novidade na sigla é o retorno do ex-deputado federal Vieira da Cunha, que se desincompatibilizou do Ministério Público, onde é procurador, para concorrer. Ele se colocou à disposição do partido para qualquer missão, seja encabeçar uma chapa ao Piratini ou concorrer ao Senado.
— O Romildo é o ficha 1. E o Vieira também deve estar na nossa chapa majoritária. Vamos ter candidatura — diz Simoni, que define a eleição ao Piratini como "totalmente indefinida".
Ele confirma a existência de conversas com o PSB, a respeito de uma possível aliança com Beto Albuquerque, mas considera o acordo improvável.
— O PSB está no palanque (nacional) do PT. Não sei se o Beto vai se dispor a ocupar esse espaço (palanque de Ciro Gomes). Obviamente não deixamos de conversar, não podemos fechar a porta, mas a nossa intenção é ter candidatura própria, seja com o Romildo, com o Vieira ou com outro companheiro — avalia Ciro Simoni.
PSOL
No dia 30 de abril, o partido deverá definir, em congresso nacional e com margem apertada, o apoio à candidatura presidencial de Lula. O PSOL encaminhou federação com a Rede e, se confirmada a iminente adesão a Lula, deixará de ter candidato presidencial pela primeira vez na sua história.
No Rio Grande do Sul, a ala que domina o diretório regional, denominada Movimento da Esquerda Socialista (MES), desaprova a aliança com o PT desde o primeiro turno. Presidente estadual do PSOL, Luciana Genro diz que o diretório gaúcho irá se "submeter" à decisão nacional, mas é contundente ao rejeitar qualquer hipótese de retirar a candidatura do vereador Pedro Ruas (PSOL) ao Piratini para repetir no Estado o apoio do PT.
— Temos total disposição de apoiar quem for no segundo turno (da esquerda) para enfrentar o bolsonarismo, mas o primeiro turno é hora de apresentar o nosso programa e a nossa cara. Não somos a mesma coisa que o PT, o PSB ou o PDT. Não abrimos mão da candidatura própria. Se o PT aceitasse ser vice do Pedro Ruas, a gente poderia conversar —ousa Luciana.