O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta terça-feira (9) para suspender repasses feitos por meio de emendas de relator, esquema de envio de recursos parlamentares para bases eleitorais.
Votaram favoráveis à suspensão a relatora Rosa Weber, que foi seguida pelos ministros Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes. O ministro Gilmar Mendes divergiu dos colegas.
O julgamento foi permeado por pressões de parlamentares beneficiados pelo esquema. O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), tido como principal operador da distribuição de emendas de relator-geral do orçamento (RP-9), chegou a ir ao Supremo na segunda-feira (8) para conversar com o presidente da Corte, Luiz Fux, na tentativa de derrubar a liminar da ministra. A decisão do colegiado mina seu poder de controle e negociação no Congresso.
A suspensão dos repasses parlamentares feitos por meio de emendas de relator ocorreu na sexta-feira (5), em decisão liminar de Rosa Weber.
No parecer, a ministra também determina que seja dada ampla publicidade às indicações feitas pelos parlamentares com esse tipo de emenda, diante da ausência de informações sobre os deputados e senadores que solicitam repasses, como o Estadão vem mostrando desde maio. A ministra pediu inclusão imediata na pauta de julgamentos virtuais do STF.
"Reputa-se violado o princípio republicano em face de comportamentos institucionais incompatíveis com os princípios da publicidade e da impessoalidade dos atos da Administração Pública e com o regime de transparência no uso dos recursos financeiros do Estado", escreveu a ministra Rosa Weber na decisão, de 49 páginas.
O julgamento no plenário virtual (plataforma em que os ministros depositam seus votos à distância) teve início na madrugada desta terça. A ministra Rosa Weber seguiu o tom adotado no despacho e proferiu um voto contundente, com recados aos responsáveis pelo esquema.
"Tenho para mim que o modelo vigente de execução financeira e orçamentária das despesas decorrentes de emendas do relator viola o princípio republicano e transgride os postulados informadores do regime de transparência no uso dos recursos financeiros do Estado", afirmou.
Logo nas primeiras horas de julgamento, Rosa foi acompanhada pelos ministros Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia, que também se incumbiu de responder com firmeza à falta de transparência do orçamento secreto. Ao Estadão, Barroso disse não ter apresentado seu voto por escrito por acreditar que "os argumentos estavam bem postos" na manifestação da relatora da ação. Na manhã desta terça, o ministro Edson Fachin juntou seu voto à maioria, seguido pelos colegas Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes.
"A utilização de emendas orçamentárias como forma de cooptação de apoio político pelo Poder Executivo, além de afrontar o princípio da igualdade, na medida em que privilegia certos congressistas em detrimento de outros, põe em risco o sistema democrático mesmo", afirmou Cármen Lúcia. "Esse comportamento compromete a representação legítima, escorreita e digna, desvirtua os processos e os fins da escolha democrática dos eleitos, afasta do público o interesse buscado e cega ao olhar escrutinador do povo o gasto dos recursos que deveriam ser dirigidos ao atendimento das carências e aspirações legítimas da nação".
O ministro Gilmar Mendes, primeiro a divergir parcialmente da relatora, encaminhou seu voto a favor da liberação das emendas de relator, desde que seja "assegurado amplo acesso público, com medidas de fomento à transparência ativa, assim como sejam garantidas a comparabilidade e a rastreabilidade dos dados referentes às solicitações/pedidos de distribuição de emendas e sua respectiva execução".
Segundo Gilmar, os valores utilizados no esquema do orçamento secreto "são recursos destinados à construção de hospitais, à ampliação de postos de antedimento ou a quaisquer outras finalidades de despesa primária que podem ser destinados a todas as unidades federativas nacionais e que terão sua execução simplesmente paralisada" até o julgamento do mérito da ação.
"O congelamento das fases de execução dessas despesas se afigura dramático principalmente em setores essenciais à população, como saúde e educação", escreveu. "A manutenção da medida cautelar deferida nesses termos seria mais prejudicial aos bens jurídicos tutelados do que o próprio estado de inconstitucionalidade subjacente ao manuseio das emendas do relator", argumentou em outro trecho.
A pressão exercida pelo Congresso, embora fracassada, estimulou articulações na Corte. Era esperado que uma proposta alternativa fosse levada ao plenário com o intuito de manter as obrigatoriedades de transparência nos repasses via emendas de relator, mas não de suspender o mecanismo. Com o fim do principal instrumento de coalizão do governo, os parlamentares articulam agora uma manobra para manter a ingerência sobre os recursos da União.
Como mostrou o Estadão, integrantes da Comissão Mista do Orçamento (CMO) estudam abrir mão das emendas de relator - comprometidas pela decisão da ministra - para focar no incremento dos valores distribuídos pelas emendas de comissão, um mecanismo pouco utilizado, mas que mantém o caráter prioritário para os envolvidos no orçamento secreto: a falta de transparência oriunda da impossibilidade de identificar os responsáveis pelas indicações. A solução, porém, divide o grupo
As emendas de comissões são indicadas pelos relatores dos 39 colegiados temáticos da Câmara e do Senado. Os recursos deste dispositivo são coletivos e não exigem a identificação do autor da proposta. Dessa forma, o grupo seria responsabilizado pelos repasses em vez dos parlamentares que os viabilizaram.