Por Eduardo Andres Vizer
Doutor em Sociologia, professor catedrático emérito da Universidade de Buenos Aires (UBA)
A América Latina hispânica apresenta um quadro histórico de democracias liberais surgidas na segunda década do século 19, (quando na Europa estas ainda eram um projeto incerto). No século 20, esse processo sofreu inumeráveis acidentes, crises e renascimentos sucessivos.
Em Como as Democracias Morrem, os professores de Harvard Steven Levitsky e Daniel Ziblatt apresentam suas conclusões sobre 20 anos dedicados a analisar o colapso de regimes democráticos na Europa e na América Latina. Os autores se dedicam também a analisar casos alarmantes de processos de subversão de regimes democráticos na sociedade norte-americana, na Europa e na América Latina.
Seguramente o século 20 apresenta os exemplos mais radicais de rompimento democrático com os casos da Alemanha de Hitler, a crise da república de Weimar, a Marcha a Roma, com Mussolini, e também os regimes fascistas ou filo-fascistas de Salazar, em Portugal, de Franco, na Espanha, e do marechal Horty, na Hungria, todos anteriores à Segunda Guerra Mundial. O peso específico em termos culturais e políticos que Alemanha e Itália apresentam ao mundo são modelos tragicamente destrutivos e paradigmáticos com o surgimento de indivíduos oportunistas, de agrupações e movimentos reacionários que começam por rechaçar os valores e os procedimentos democráticos. Primeiro nas palavras e nas ações públicas, logo em um processo veloz e crescente que tem como último objetivo o acesso incondicional ao poder (seja por meios democráticos ou pelo exercício de meios violentos, a coação ou a cooptação).
Ambos os investigadores apresentam uma série de características compartilhadas entre os fundadores de regimes autoritários:
- rechaço ou compromisso frágil com as regras do jogo democrático;
- negação da legitimidade dos oponentes políticos;
- tolerância ou apoio a violência;
- propensão a restringir liberdades civis de opositores (incluídos aqui os meios de comunicação).
Ambos recomendam uma análise reflexiva e crítica sobre personagens autóctones de nossos cenários políticos que mostrem, de maneira implícita ou explícita, características de comportamento que enumeram. Por exemplo: apoiam ou apoiaram leis ou políticas que restringem liberdades civis, a expansão de calunias e difamação ou leis que restrinjam protestos e críticas ao governo e certas organizações cívicas ou políticas? “Elogiaram medidas repressivas tomadas por outros governos, no passado ou em outros lugares do mundo?”
Nossa análise crítica deve considerar o passado, os antecedentes políticos, econômicos e pessoais de um “candidato”. Majoritariamente, as pessoas levam em conta uma espécie de fotografia do político, de seu presente e de sua história pregressa. E aí pode estar o perigo em uma era mediatizada como a atual: as redes de TV, os shows, os “happenings” da política, a voz e a aparência pessoal parecem mais importantes do que as palavras, a coerência e os programas de governo. Enfim, estamos falando sobre o que se chama “mediatização do mundo da política”: as campanhas nas redes sociais, os consultores de imagem, as pesquisas de opinião predefinidas, a inteligência artificial aplicada a campanhas massivas dirigidas a públicos específicos nas redes sociais etc.
Os cenários e os políticos dos tempos atuais estão sendo “construídos” por especialistas em marketing e imagem, por histórias, pesquisas de opinião e rumores pré-fabricados, pelos criadores de fake news financiadas por grupos com interesses particulares. Também estão sempre presentes os condicionamentos internos e externos que marcam os limites e as possibilidades reais de ação política.
Entretanto, o autoritarismo é muito mais do que a figura de um candidato a ditador apresentado e representado na televisão e demais meios. É uma construção, que emerge de um processo social e histórico, um conjunto de interesses, sentimentos e forças sociais de atores políticos com interesses pouco claros, muitas vezes sórdidos e nefastos. Se um político chega à notoriedade é porque existe (como no coro do teatro grego) uma multidão que o empodera e que se sente representada. Além das restrições institucionais ao exercício de poder, existe também uma expressão autêntica de sentimento popular, mas talvez também uma expressão de interesses e ideias retrógradas sobre as quais desconhecemos as intenções ocultas e que podem conduzir milhões de pessoas ao abismo.
Uma democracia pode definhar, mas jamais deixará de renascer em novos personagens, ideais e discursos.