O Sete de Setembro marcou a escalada de mais um degrau na tensa relação entre os poderes da República. Em ato político em São Paulo, diante de multidão de apoiadores que tomaram a Avenida Paulista, o presidente Jair Bolsonaro reiterou ameaças ao Supremo Tribunal Federal (STF) e teve como principal alvo o ministro da Corte Alexandre de Moraes. Nesta terça-feira (7), ele declarou que passará a ignorar as decisões do magistrado.
— (...) Qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou, ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais — afirmou Bolsonaro, do alto do caminhão de som, causando frenesi na militância inflamada.
Moraes passou a ser o alvo principal de Bolsonaro no STF após a derrota do voto impresso na Câmara, período em que o presidente voltava seus ataques preferencialmente ao ministro Luís Roberto Barroso, do STF e também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Moraes é responsável pelo inquérito que apura o financiamento e a organização de atos antidemocráticos, no qual apoiadores de Bolsonaro são investigados. Também nesse processo, aliados do presidente foram presos nos últimos dias por acusações de ameaças à democracia e às autoridades, após pedidos formais da Procuradoria-Geral da República. O próprio presidente é alvo de quatro inquéritos no STF e um no TSE.
— Ou esse ministro (Moraes) se enquadra ou ele pede para sair. Não se pode admitir que uma pessoa apenas, um homem apenas turve a nossa liberdade. Dizer a esse ministro que ele tem tempo ainda para se redimir, tem tempo ainda de arquivar seus inquéritos. Sai, Alexandre de Moraes. Deixa de ser canalha — atacou Bolsonaro, que também discursou em ato em Brasília.
As ofensivas se dão em meio a um país em inflação em alta, desemprego de cerca de 14 milhões de pessoas, risco de racionamento diante da escassez hídrica, popularidade presidencial em queda, pandemia do coronavírus que já matou em torno de 584 mil e uma CPI no Senado que apura negligências do governo no combate à covid-19. Bolsonaro repetiu que não irá para a cadeia. Disse que somente sairá da presidência "preso, morto ou com vitória".
— Dizer aos canalhas que eu nunca serei preso — discursou.
Pela manhã, em ato em Brasília, reiterou ataques ao STF e mandou recado ao presidente da Corte, Luiz Fux.
— Ou o chefe desse poder enquadra o seu, ou esse poder pode sofrer aquilo que nós não queremos — disse, em nova ameaça de ruptura institucional.
Na capital federal, ele afirmou que convocaria o Conselho da República para esta quarta-feira (8), colegiado em que se discutem temas como intervenção federal, estado de defesa e de sítio. Mais tarde, ministros de Bolsonaro disseram que, na verdade, a reunião convocada é a do Conselho de Governo, de caráter consultivo para discutir ações da gestão.
Instigadas há semanas pelo Palácio do Planalto, as manifestações foram demonstração de força e de que Bolsonaro mantém a capacidade de mobilizar seu público. Houve atos em pelo menos 24 capitais, tendo como tônica a defesa do presidente e a exaltação de pautas que atacam previsões constitucionais, como o fechamento do STF e do Congresso.
Manifestações da oposição, convocadas de última hora, foram minoritárias. Siglas como PDT e PSB, temendo confrontos físicos, orientaram seus militantes a não participar de atos de rua no Sete de Setembro.
Em meio a esse cenário, aliado ao novo degrau de ameaças do presidente, vários políticos defenderam a democracia. O PSDB convocou reunião para hoje para discutir eventual apoio ao afastamento de Bolsonaro. Tucanos como Eduardo Leite e João Doria, governadores do Rio Grande do Sul e de São Paulo e pré-candidatos à Presidência, posicionaram-se pela primeira vez a respeito. O PSD de Gilberto Kassab também passou a cogitar apoio à tese do impeachment. Em nota oficial, o MDB classificou como lamentáveis as declarações de Bolsonaro. "Parece tentar se desviar dos problemas reais: inflação de alimentos, combustíveis, crise fiscal, hídrica, desemprego e baixo crescimento", diz o comunicado.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, avaliou que o presidente usou dinheiro público para transformar uma data nacional (Dia da Independência) em evento particular. E cobrou atuação por parte do Congresso.
"Chegou o momento histórico de os presidentes da Câmara (Arthur Lira) e do Senado (Rodrigo Pacheco) tomarem posição. A sociedade espera atitude firme de defesa da democracia ameaçada", escreveu na sua conta da rede social.
Pacheco destacou, em rede social, que no Sete de Setembro "não deixemos de compreender a nossa mais evidente dependência de algo que deve unir o Brasil: a absoluta defesa do estado democrático de direito".
Alvo principal de Bolsonaro, Moraes, do STF, postou: “Nesse Sete de Setembro, comemoramos nossa Independência, que garantiu nossa liberdade e que somente se fortalece com absoluto respeito à democracia”. O STF informou que Fux, presidente da Corte, se manifestará na abertura da sessão desta quarta-feira (8) sobre os atos do Sete de Setembro.
Aliada de Bolsonaro, a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP) refutou análises de que as manifestações tiveram caráter “antidemocrático”.
“Os políticos que, depois dos atos de hoje, estão falando em impeachment do presidente da República, estão desconectados da realidade”, escreveu a parlamentar.