O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, deu início à sessão plenária desta quarta-feira (8) com um discurso em resposta às ameaças feitas pelo presidente Jair Bolsonaro à Corte e aos magistrados nos atos de Sete de Setembro, bem como à declaração de que não mais cumpriria decisões do ministro Alexandre de Moraes. Em sua fala, Fux ressaltou que desprezar decisões judiciais implica crime de responsabilidade.
— O STF não tolerará ameaças à autoridade de suas decisões. Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa do chefe de qualquer dos poderes, além de representar atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso — ressaltou.
O ministro destacou ainda que o Supremo esteve atento às formas e conteúdos dos atos, que veicularam críticas à Corte, mas repudiou os discursos de ódio e práticas antidemocráticas que vêm sendo adotadas por parte da população, incitadas e "muitas vezes vocalizadas" pelo presidente da República — práticas ilícitas e intoleráveis, como destacou.
Fux pediu respeito aos poderes e afirmou que a crítica institucional não pode se confundir com narrativas de descredibilização do STF e seus membros, "tal como vêm sendo gravemente difundidas pelo chefe da nação". Ressaltou ainda que questionamentos podem ser feitos, mas através dos recursos que as vias processuais oferecem.
— Ninguém, ninguém fechará esta Corte. Nós a manteremos de pé, com suor, perseverança e coragem — garantiu, dando ênfase ao compromisso com o regime democrático, os direitos humanos e o respeito.
Por fim, conclamou os líderes do país a se dedicarem ao que chamou de "reais problemas que assolam o nosso povo": a pandemia, o desemprego, a inflação e a crise hídrica.
Em seguida, o procurador-geral da República, Augusto Aras, também se pronunciou. Aras destacou em seu discurso que as manifestações são expressões de uma sociedade plural e aberta, característica do regime democrático. No entanto, ressaltou que a voz das instituições, assim como a do povo, também é a voz da liberdade.
Aras deu ênfase ainda ao fato de que discordâncias devem ser tratadas com civismo e respeitando o devido processo legal e constitucional, através das vias adequadas, como apontou Fux.
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Leia a íntegra do discurso de Luiz Fux:
"Senhoras Ministras,
Senhores Ministros,
Cidadãos brasileiros,
O Brasil comemorou, na data de ontem, 199 anos de sua independência. Em todas as capitais e em diversas cidades do país, cidadãos compareceram às ruas. O país acompanhou atento o desenrolar das manifestações e, para tranquilidade de todos nós, os movimentos não registraram incidentes graves.
Com efeito, os participantes exerceram as suas liberdades de reunião e de expressão - direitos fundamentais ostensivamente protegidos por este Supremo Tribunal Federal. Nesse ponto, é forçoso enaltecer a atuação das forças de segurança do país, em especial as Polícias Militares e a Polícia Federal, cujos membros não mediram esforços para a preservação da ordem e da incolumidade do patrimônio público, com integral respeito à dignidade dos manifestantes.
Destaque-se, por seu turno, o empenho das Forças Armadas, dos governadores de Estado e dos demais agentes de segurança e de inteligência pública, que monitoraram em tempo real todas as manifestações, permitindo assim o seu desenrolar com ordem e paz. De norte a sul do país, percebemos que os policiais e demais agentes atuaram conscientes de que a democracia é importante não apenas para si, mas também para seus filhos, que crescerão ao pálio da normalidade institucional que seus pais contribuíram para manter.
Este Supremo Tribunal Federal também esteve atento à forma e ao conteúdo dos atos realizados no dia de ontem. Cartazes e palavras de ordem veicularam duras críticas à Corte e aos seus membros, muitas delas também vocalizadas pelo Senhor Presidente da República, em seus discursos em Brasília e em São Paulo.
Na qualidade chefe do Poder Judiciário e Presidente do Supremo Tribunal Federal, em nome do colegiado, impõe-se uma palavra de patriotismo e de respeito às instituições do país. Nós, Ministras e Ministros do STF, sabemos que nenhuma nação constrói a sua identidade sem dissenso.
A convivência entre visões diferentes sobre o mesmo mundo é pressuposto da democracia, que não sobrevive sem debates sobre o desempenho dos seus governos e de suas instituições.
Nesse contexto, em toda a sua trajetória nesses 130 anos de vida republicana, o Supremo Tribunal Federal jamais se negou - e jamais se negará - ao aprimoramento institucional em prol do nosso amado país. No entanto, a crítica institucional não se confunde - e nem se adequa - com narrativas de descredibilização do Supremo Tribunal Federal e de seus membros, tal como vem sendo gravemente difundidas pelo Chefe da Nação.
Ofender a honra dos Ministros, incitar a população a propagar discursos de ódio contra a instituição do Supremo Tribunal Federal e incentivar o descumprimento de decisões judiciais são práticas antidemocráticas, ilícitas e intoleráveis, em respeito ao juramento constitucional que fizemos ao assumir uma cadeira na Corte.
Infelizmente, tem sido cada vez mais comum que alguns movimentos invoquem a democracia como pretexto para a promoção de ideias antidemocráticas. Estejamos atentos a esses falsos profetas docpatriotismo, que ignoram que democracias verdadeiras não admitem que se coloque o povo contra o povo, ou o povo contra as suas instituições. Todos sabemos que quem promove o discurso do "nós contra eles" não propaga democracia, mas a política do caos.
Em verdade, a democracia é o discurso do "um por todos e todos por um, respeitadas as nossas diferenças e complexidades". Povo brasileiro, não caia na tentação das narrativas fáceis e messiânicas, que criam falsos inimigos da nação.
Mais do que nunca, o nosso tempo requer respeito aos poderes constituídos. O verdadeiro patriota não fecha os olhos para os problemas reais e urgentes do país. Pelo contrário, procura enfrentá-los, tal como um incansável artesão, tecendo consensos mínimos entre os grupos que naturalmente pensam diferente. Só assim é possível pacificar e revigorar uma nação inteira.
Imbuído desse espírito democrático e de vigor institucional, este Supremo Tribunal Federal jamais aceitará ameaças à sua independência nem intimidações ao exercício regular de suas funções. Os juízes da Suprema Corte - e todos os mais de 20.000 magistrados do país - têm compromisso com a sua independência, assegurada nesse documento sagrado que é a nossa Constituição, que consagra as aspirações do povo brasileiro e faz jus às lutas por direitos empreendidas pelas gerações que nos antecederam.
O Supremo Tribunal Federal também não tolerará ameaças à autoridade de suas decisões. Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa do Chefe de qualquer dos Poderes, essa atitude, além de representar um atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional. Num ambiente político maduro, questionamentos às decisões judiciais devem ser realizados não através da desobediência, não através da desordem, e não através do caos provocado, mas decerto pelos recursos, que as vias processuais próprias oferecem.
Ninguém fechará esta Corte. Nós a manteremos de pé, com suor, perseverança e coragem. No exercício de seu papel, o Supremo Tribunal Federal não se cansará de pregar fidelidade à Constituição e, ao assim proceder, esta Corte reafirmará, ao longo de sua perene existência, o seu necessário compromisso com o regime democrático, com os direitos humanos e com o respeito aos poderes e às instituições deste país.
Em nome das Ministras e dos Ministros desta Casa, conclamo os líderes do nosso país a que se dediquem aos reais problemas que assolam o nosso povo: a pandemia, que ainda não acabou e já levou para o túmulo 580 mil vidas brasileiras, o que levou a dor aos seus familiares queridos; o desemprego, que conduz o cidadão ao limite da sobrevivência biológica; a inflação, que corrói a renda dos mais pobres; e a crise hídrica, que ameaça a nossa retomada econômica.
Esperança por dias melhores é o nosso desejo, mas continuamos firmes na exigência de narrativas e comportamentos democráticos, à altura do que o povo brasileiro almeja e merece.
Não temos tempo a perder.
Ministro Luiz Fux"