Aprovada na Câmara em primeiro turno e com a segunda etapa de votação prevista para esta terça-feira (17) no plenário, a possível volta das coligações nas eleições proporcionais (para deputado e vereador) reacende um antigo debate no Brasil. Defendido por políticos que alegam lutar pela “pluralidade”, o retorno do modelo sepultado em 2017 é classificado como retrocesso por especialistas.
Há quatro anos, o Congresso decidiu que cada agremiação partidária passaria a eleger candidatos às Câmaras e às Assembleias apenas com seus votos, sem a possibilidade de somar a votação de aliados. Além disso, foram criadas cláusulas de barreira e desempenho para delimitar o acesso das siglas aos fundos de financiamento público e ao tempo de propaganda no rádio e na TV.
O principal objetivo, com isso, foi conter a proliferação de partidos no país, que hoje contabiliza 33 legendas inscritas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e outras 79 em formação, à espera de registro oficial.
Mal deu tempo, na avaliação do advogado Antônio Augusto Mayer dos Santos, especialista em Direito Eleitoral, de sentir os efeitos da mudança, que tendem a se manifestar no médio e longo prazos. O novo modelo foi aplicado apenas no pleito de 2020, para postulantes à vereança. Somente em 2022 o sistema seria adotado de forma mais ampla, para os cargos de deputado estadual e federal, com impacto mais visível no cenário nacional. Agora, isso pode não ocorrer.
— O que os deputados estão tentando fazer ao levar essa anomalia adiante é salvar a própria pele em 2022. Se a volta das coligações for confirmada, e eu espero que não seja, teremos um completo retrocesso. Na maioria das vezes, as coligações são invertebradas, sem qualquer afinidade. O caráter é meramente eleitoreiro — lamenta Santos.
Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o cientista político e sociólogo Paulo Baía também define a revisão em curso como um equívoco. Na avaliação dele, trata-se de uma forma de burlar a cláusula de barreira e de garantir acesso ao dinheiro público.
— Se isso for aprovado, teremos um efetivo retrocesso naquilo que foi planejado em 2017. A reforma eleitoral daquele ano foi bem discutida, bem analisada, portanto, a legislação eleitoral brasileira se ajustou para melhor. A ideia de impedir as coligações nos parlamentos busca que se tenha solidez na representação partidária, em especial na Câmara dos Deputados — argumenta Baía.
Na prática, até 2020, as alianças permitiam que legendas sem qualquer representatividade ganhassem sobrevida ao se aliar a partidos mais estruturados. Esses, em troca, somavam maior tempo de propaganda, ativo valioso em qualquer campanha.
Durante anos, essa engrenagem estimulou o surgimento de novos partidos, muitas vezes sem ideologias ou propostas claras. Isso também contribuiu para a ascensão das chamadas “siglas de aluguel”, criadas apenas para barganhar apoio político.
Não é à toa que o fim de coligações, na opinião de Baía, mexeu com siglas de todo o espectro político, em especial aquelas que “não se definem nem como direita, nem como centro, nem como esquerda, mas que são aglomerados de interesses”.
— Por isso, a maioria dos pequenos partidos quer as coligações de volta ao estatuto jurídico. Esses partidos perderão densidade ao concorrerem sozinhos — resume Baía.
A decisão tomada em 2017, conforme o professor da UFRJ, “fez os partidos serem mais responsáveis na escolha de suas nominatas”.
— Esse cenário sem coligação, ao contrário do que muitos dizem, não impede o surgimento de novos partidos. Na verdade, faz com que os partidos tenham representatividade real — sustenta o especialista.
O que diz quem votou a favor
Parlamentares que votaram a favor da volta das coligações não veem a alteração como retrocesso e argumentam que foi a “saída possível”, acordada para evitar a aprovação do chamado distritão. Alguns, como a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), definiram o desfecho como vitória “da pluralidade de ideias”.
Relatora da proposta da reforma eleitoral, a deputada Renata Abreu (Podemos-SP) havia incluído a adoção do distritão no texto, o que causou críticas generalizadas. Esse sistema eleitoral é vigente em países como o Afeganistão e, por meio dele, são eleitos apenas os mais votados em cada Estado, o que enfraqueceria os partidos e favoreceria candidaturas personalistas.
— A comissão encaminhou as duas propostas: a volta das coligações ou o distritão. Eu considerei o tempo todo que manter a lei como está, com algumas alterações, seria o melhor modelo, mas, infelizmente, não tínhamos essa opção — ponderou o deputado federal Jerônimo Goergen (PP-RS), em depoimento ao programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha.
Outro parlamentar do Rio Grande do Sul que deu voto favorável à volta das coligações foi Giovani Cherini (PL). Ao Atualidade, Cherini disse que fez isso por entender que siglas menores, mesmo fazendo “um grande trabalho”, acabariam esvaziadas e penalizadas injustamente.
— Se mantivéssemos o sistema que elegeu vereador e vereadora na última eleição, teríamos uma quantidade grande de pessoas que iriam para os partidos maiores e tiraríamos oportunidades daqueles partidos pequenos que têm um grande trabalho e grandes nomes — resumiu Cherini.
A polêmica das alianças
- As alianças partidárias nas eleições proporcionais (para deputado estadual, distrital, federal e vereador) foram extintas em 2017, por meio de emenda constitucional
- A disputa municipal de 2020 foi a primeira em que vereadores não puderam concorrer por meio de coligações
- Em 2022, seria a primeira eleição nacional com a regra, que passaria a influenciar a eleição dos deputados, o que pode não ocorrer, se a mudança aprovada em primeiro turno na Câmara for confirmada
- Na prática, as coligações aumentam as chances de eleição no Legislativo
- Em parte, isso se dá porque a quantidade de votos de cada um dos candidatos de um mesmo grupo de partidos é somada e dividida pelo quociente eleitoral (relação entre o número de votos válidos e o número de vagas)
- Sem as coligações, cada partido conta apenas com os seus próprios votos (na legenda e no candidato)
O caminho legislativo
- A Câmara aprovou na última quarta-feira (11) o texto-base da proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma eleitoral, em primeiro turno
- Por acordo, foi derrubada a proposta do distritão, sistema eleitoral pelo qual apenas os mais votados são eleitos nos seus distritos, e, em troca, aprovada a retomada das coligações proporcionais
- Por se tratar de uma PEC, o texto precisa ser votado em dois turnos na Câmara e no Senado
- A votação em segundo turno na Câmara ficou para esta semana e pode ocorrer nesta terça-feira (17)
- Para que as novas regras possam valer no pleito de 2022, o texto precisa ser promulgado pelo Congresso até outubro deste ano (um ano antes do pleito)