Pesquisadores ouvidos na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid nesta quinta-feira (24) responsabilizaram o governo do presidente Jair Bolsonaro — e diretamente o chefe do Planalto — por mortes na pandemia do coronavírus. Os apontamentos devem ser usados pela CPI para embasar relatórios após o final da investigação.
— Um pedaço dessas mortes é responsabilidade direta do presidente da República, que não é uma figura que se esconde atrás do governo federal — disse o epidemiologista e professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Pedro Hallal. — Quem disse que vacina transforma em jacaré foi o presidente da República, não foi o governo federal. Quem disse que não ia comprar a vacina da China foi o presidente da República — acrescentou.
Segundo dados levantados por Hallal, a mortalidade da covid-19 é maior em cidades que deram mais votos ao presidente Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2018, tendência que não é observada nas mortes por outras causas. Nas cidades onde Bolsonaro teve 10% dos votos válidos ou menos, a taxa de mortalidade é de 10 para cada 100 mil habitantes, conforme Hallal. O índice chega a 313 mortes por 100 mil habitantes nos municípios que deram 90% dos votos ou mais para o atual presidente, apontou o pesquisador.
Os dados foram criticados por senadores aliados do chefe do Planalto.
— Qual é a base científica para poder fazer uma afirmação dessa natureza a não ser animar uma narrativa? — questionou o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
— Cada pessoa pode fazer uma interpretação desse resultado. Esse resultado não se observa por acaso porque, quando comparamos as mortalidades em geral, não existe essa tendência — respondeu o pesquisador.
Além disso, o Brasil poderia ter evitado até 400 mil mortes por covid-19 se tivesse adotado medidas necessárias para conter o avanço da doença, conforme estudos do pesquisador gaúcho. Só o atraso na compra das vacinas da Pfizer e da CoronaVac pode ter provocado 95,5 mil mortes, conforme análise feita por Hallal com dados repassados pelos laboratórios na CPI.
As informações da Pfizer apontam que o Brasil poderia ter 4,5 milhões de doses a mais até março deste ano se tivesse respondido às ofertas feitas pela empresa em 2020. No caso da CoronaVac, o Instituto Butantan estimou 49 milhões de doses a mais até maio.
A demora na aquisição de doses é uma das linhas de investigação da CPI da Covid, que agora apura a opção do governo brasileiro em comprar a vacina indiana Covaxin a preços maiores do que o ofertado no ano passado pela própria fabricante e por outros laboratórios.
— O Brasil é um dos piores países do mundo na resposta à covid-19. Não há outra justificativa que não a postura anticiência adotada no país — afirmou Hallal durante o depoimento na CPI. — Os senadores da base governista são capazes de defender as ações do governo federal, mas as ações do presidente da República são indefensáveis — acrescentou.
Anistia Internacional
Outro estudo, apresentado pela diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil e coordenadora do movimento Alerta, Jurema Werneck, indica que a pandemia de covid-19 provocou 305 mil mortes acima do esperado no Brasil em um ano, incluindo óbitos por covid-19 e vítimas que ficaram sem socorro nas unidades de saúde por conta da pandemia. O cálculo leva em conta os dados históricos de mortalidade no país.
— Precisávamos estar todos juntos, mas precisávamos ter uma liderança consistente que se apoiasse em evidência e principalmente na responsabilidade de garantir o direito à saúde e o direito à vida da população — afirmou Werneck.