Em julgamento sobre os limites da liberdade de expressão e o que pode ser enquadrado como discurso de ódio, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) condenou na terça-feira (4), pelo placar de quatro a três, um contador do Maranhão por propaganda eleitoral antecipada, de cunho negativo, contra o governador Flávio Dino (PCdoB).
Everildo Bastos Gomes postou no Instagram um vídeo com críticas a Dino, chamado de "ladrão" e caracterizado como nazista nas imagens. Na época da postagem, a conta de Everildo tinha cerca de 2,5 mil seguidores.
Integrantes do tribunal e especialistas ouvidos pelo Estadão apontam que o caso pode abrir precedente para, em outro momento, a Justiça Eleitoral punir quem usar as redes sociais para chamar o presidente Jair Bolsonaro de "fascista" e "genocida", por exemplo.
Antes do período permitido para a campanha eleitoral de 2018 — que começou em 15 de agosto daquele ano —, Everildo postou um vídeo que caracterizava Dino como um nazista de nariz comprido, como o personagem Pinóquio, acompanhado da expressão "Fora, ladrão!" e a hashtag "#DinovoNÃO". A decisão do plenário TSE restabeleceu a condenação de R$ 5 mil que o Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão havia imposto a Everildo.
"A livre manifestação do pensamento não constitui direito absoluto, de modo que o discurso de ódio - que não se confunde com críticas ácidas e agudas - não deve ser tolerado, em resguardo à higidez do processo eleitoral, da igualdade de chances e da proteção da honra e da imagem dos players", escreveu o ministro Tarcisio Vieira de Carvalho em seu voto.
"Dúvida não há de que as expressões utilizadas pelo representado a exemplo da pecha de nazista, ofenderam inexoravelmente a honra do governador, consubstanciando discurso de ódio passível de enquadramento no campo da propaganda eleitoral antecipada negativa."
O diretório do PCdoB no Maranhão acionou a Justiça Eleitoral sob a acusação de que Everildo utilizou o Instagram com o intuito de "rebaixar" a imagem política do governador antes do período autorizado por lei para a propaganda.
O vídeo continha os seguintes dizeres: "Dino, Dino, Dino, Dino, Fora Ladrão", "Os comunista (sic) roubando", "O Maranhão tá cheio de rato" e "Bando de comunista ladrão".
Na opinião do ministro Edson Fachin, atribuir o adjetivo "nazista" a um candidato "corporifica inadmissível discurso de ódio".
— Apor a alguém a pecha de nazista busca atribuir a um ser humano características como a de rejeição a determinados extratos sociais, de adoção de pontos de vista ideologicamente antidemocráticos, além de buscar lhe vestir de toda a reprovação que a história mundial assentou sobre todos os homens que perfilharam o ideal do nazismo durante a Segunda Guerra Mundial — observou.
O ministro Alexandre de Moraes, por sua vez, reforçou o entendimento dos colegas, ao destacar a importância de a Justiça Eleitoral deixar claro que discursos dessa natureza não serão admitidos. Moraes vai comandar o TSE durante as eleições do ano que vem.
— Talvez as redes sociais tenham tornado tão banais essas ofensas e perseguições que há um momento em que há necessidade de se mostrar que as milícias digitais não atuam em terra de ninguém — disse.
— Esses indivíduos não estão atuando sozinhos, há uma rede miliciana de ofensas, de antipropagandas, porque imputar nazismo a um agente político é uma antipropaganda. O momento é importante para a Justiça Eleitoral mostrar que isso não será admitido para deslegitimar as eleições — afirmou.
Divisão
A análise da controvérsia rachou o plenário. Relator do caso, o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, se manifestou contra a punição do contador. Para Barroso, o vídeo representava "manifestação de cidadão comum em rede social" em forma de sátira. Na opinião do ministro, não é qualquer crítica contundente ou ofensa à honra que caracteriza propaganda eleitoral negativa antecipada, sob pena de se colocar em risco a liberdade de expressão.
— As ofensas à honra são reprováveis e há meios jurídicos adequados no processo criminal e civil para repeli-las. Apenas não considerei propaganda política antecipada. Para não banalizar uma expressão que é importante, a do discurso de ódio, chamar alguém de corrupto, de comunista, de fascista pode ser injusto, cruel, mas não é discurso de ódio— disse Barroso.
Punido, o contador Everildo Bastos Gomes disse à reportagem que o vídeo publicado contra Dino foi feito por terceiros e recebido por ele em um grupo de WhatsApp.
— De certa forma me arrependo (da publicação), outras pessoas publicaram, inclusive quem fez na época nem foi citado — afirmou o contador.
—Votei em Bolsonaro, sou de direita, meu último voto na esquerda foi em Flávio Dino em 2014. Se Bolsonaro processar todo mundo que chama ele de genocida, o TSE vai ter muito trabalho — disse.
Dino não se manifestou sobre o resultado do julgamento.
Para Rodolfo Viana, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), o julgamento do TSE levanta preocupações.
— Há pontos na decisão que podem autorizar, sim, excessos do Judiciário em prejuízo à liberdade de expressão, uma vez que banaliza o conceito de discurso de ódio, amplia demasiadamente o conceito de propaganda eleitoral negativa, pune desproporcionalmente o exercício da crítica política e estimula a cultura de restrição à liberdade de expressão — avaliou.