A sessão da CPI da Covid no Senado desta quarta-feira (12) teve um imbróglio acerca de uma eventual prisão do ex-secretário de Comunicação da Presidência, Fábio Wajngarten, que foi negada pelo presidente da Comissão, Omar Aziz (PSD-AM). Ele decidiu encaminhar o depoimento do publicitário ao Ministério Público Federal (MPF) para eventuais providências.
As contradições apontadas pela cúpula da CPI da Covid entre o depoimento e a entrevista concedida à revista Veja e também sobre peças publicitárias sobre a pandemia levaram o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), a pedir a prisão de Wajngarten.
— O espetáculo de mentira é algo que não vai se repetir e não pode servir de precedente — declarou.
O pedido foi apresentado a Aziz. O presidente, entretanto, não aceitou o pedido.
— Se depender de mim, eu não vou pedir a prisão de ninguém. Eu tenho que tomar decisões muito equilibradas. Eu não sou carcereiro de ninguém — afirmou Aziz.
Aziz, por outro lado, deixou aberta a possibilidade de outro senador fazê-lo. Ele disse que o relator, Renan Calheiros, poderá encaminhar ao Ministério Público uma denúncia sobre o ex-secretário.
O senador Humberto Costa (PT-PE) pediu que a CPI encaminhe ao Ministério Público "imediatamente" o depoimento de Wajngarten para que a procuradoria cedida sobre as providências a serem tomadas. Mais cedo, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) havia afirmado que Wajngarten se encontrava "em estado flagrancial", uma vez que havia infringido o artigo 342 do Código Penal — "Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral".
Antes da presidência responder, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que não faz parte da comissão, pediu a palavra. Ele afirmou que o senador Omar Aziz "salvou" a CPI e chamou o relator Renan Calheiros de "vagabundo".
— Imagina a situação, um sujeito honesto ser preso por um vagabundo como Renan Calheiros — disse o filho do presidente.
Renan Calheiros respondeu:
— Vagabundo é você, que roubou dinheiro do pessoal do seu gabinete.
Após a troca de ofensas, Omar Aziz suspendeu a sessão. Às 19h10, ele retomou a sessão e afirmou que encaminhou o depoimento ao Ministério Público Federal (MPF) para que tome providências sobre eventual infração ao artigo 342 do Código Penal, que dispõe sobre falso testemunho em inquérito.
O objeto da discussão foi o fato de Wajngarten ter afirmado que a campanha "O Brasil Não Pode Parar" não passou pela Secretaria de Comunicação da Presidência, mas Calheiros apresentou a reprodução de uma postagem no perfil oficial do órgão público.
Em abril de 2020, o governo federal lançou a campanha publicitária chamada "O Brasil não pode parar" para defender a flexibilização do isolamento social. No Instagram, uma publicação feita no perfil do governo federal dizia que "no mundo todo, são raros os casos de vítimas fatais do coronavírus entre jovens e adultos". A campanha dava a senha para a defesa do fim da quarentena. "A quase totalidade dos óbitos se deu com idosos. Portanto, é preciso proteger estas pessoas e todos os integrantes dos grupos de risco, com todo cuidado, carinho e respeito. Para estes, o isolamento. Para todos os demais, distanciamento, atenção redobrada e muita responsabilidade. Vamos, com cuidado e consciência, voltar à normalidade."
Após repercussão negativa e até ações judiciais, o governo apagou as publicações.
Revista Veja
Mais cedo, Calheiros já havia sinalizado que o ex-secretário estaria mentindo. A mesma afirmação foi feita por outros senadores. Foi solicitada à revista a íntegra da gravação da entrevista com o ex-secretário, na qual teria dito que houve "incompetência" e "ineficiência" do Ministério da Saúde ao lidar com a Pfizer. O depoimento começou por volta das 10h desta quarta-feira (12).
— Queria requisitar áudio da Veja para verificarmos se ele mentiu ou não, se ele não mentiu, Veja vai ter que pedir desculpas, se ele mentiu, ele terá desprestigiado e mentido ao Congresso, o que é um péssimo exemplo. Se ele mentiu à revista Veja e à esta CPI, vou requerer a prisão do depoente — disse Renan, o que levou a reação do senador governista Marcos Rogério (DEM-RO), segundo quem a postura do relator seria tipicamente um abuso de autoridade.
— Não cabe ao relator ameaçar depoente de prisão — disse Rogério.
Diante da exaltação de ânimos, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), chegou a sugerir que a sessão fosse encerrada porque o depoimento de Wajngarten estaria "prejudicado".
— Vou dispensar — avisou, sem ter o apoio, no entanto, dos outros colegas da comissão.
Após o senador Eduardo Girão (Pode-CE) dizer que o ex-secretário estaria sendo "humilhado", Aziz rebateu e afirmou que humilhados seriam os mais de 420 mil mortos pela pandemia.
— Que humilhação? Não é assim, não. Eu não humilho ninguém, você me conhece —respondeu o presidente da CPI, que criticou Girão pela defesa do uso da cloroquina em pacientes com covid.
— Não defendo cloroquina, defendo autonomia médica — disse o senador, aliado do governo.
Enquanto ocorria o depoimento, a Veja publicou em redes sociais o trecho da entrevista. O áudio foi apresentado pela senadora Leila Barros (PSB-DF).
Governo demorou dois meses para responder Pfizer
Wajngarten confirmou, mais cedo, que uma carta enviada pela empresa Pfizer permaneceu dois meses sem resposta do governo federal. O documento foi enviado em 12 de setembro de 2020 e só foi respondido em 9 de novembro pelo próprio então secretário de Comunicação.
Wajngarten disse ainda que, assim que ficou sabendo da carta, procurou o presidente Jair Bolsonaro para tratar sobre o assunto. O documento foi enviado ao presidente e aos gabinetes dos ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Saúde, Eduardo Pazuello.
— Quando soube, em novembro do ano passado, que a Pfizer havia enviado carta ao governo brasileiro, procurei imediatamente solucionar eventual impasse. Vi por bem levar ao presidente Bolsonaro o assunto Pfizer na busca por uma solução rápida. E assim foi feito — afirmou.
Segundo Wajngarten, assim que respondeu ao documento, recebeu no mesmo dia um telefonema do então presidente da Pfizer, Carlos Murillo. Segundo o ex-secretário, os encontros entre ele e a farmacêutica ocorreram no fim do ano passado a fim de apresentar a membros do governo o imunizante desenvolvido contra a covid-19 bem como os insumos para armazenamento, entre eles uma caixa térmica que manteria as vacinas na temperatura recomendada abaixo de 70º C.
— Acho que representantes da Pfizer estiveram no Ministério da Saúde e acho que vieram na Secretaria de Comunicação — Secom depois. Não posso ter certeza disso. Acredito que essa caixa térmica tenha rodado Brasília inteira ou parte de quem eles tinham agenda em Brasília — disse.
Durante as negociações com a farmacêutica, Wajngarten relatou ter recomendado que tratasse o Brasil de acordo "com o tamanho do país" e advertido para os entraves logísticos para a distribuição de vacinas. Mais cedo, secretário havia afirmado que "mergulhou de cabeça" na negociação para a compra de vacinas quando soube na "inação" em relação a carta envida pela Pfizer ao governo brasileiro em setembro. Durante o depoimento, Wajngarten ressaltou que "jamais" adjetivou, rotulou ou emitiu opinião sobre a atuação do ex-ministro Pazuello.
Aconselhamento paralelo
O ex-secretário de Comunicação da Presidência não confirmou qualquer tipo de aconselhamento paralelo ao Ministério da Saúde para tratar com o presidente assuntos referentes ao combate à pandemia da covid-19 no país.
Segundo Wajngarten, ele se surpreendeu com a declaração do ex-ministro da Saúde e médico Luiz Henrique Mandetta sobre a existência deste grupo paralelo. As perguntas feitas por Calheiros com relação aos integrantes desse possível grupo chegaram até o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), com o qual Wajngarten afirmou ter tido muito pouco contato.
De acordo com o ex-secretário, "cabe numa mão as vezes que eu falei com o senador". Segundo ele, durante sua gestão, em um período de dois anos, Carlos Bolsonaro teria comparecido à Secretaria de Comunicação (Secom) cerca de três vezes. Segundo Wajngarten, ele seria mais próximo apenas do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).
— Nunca fui próximo dele, Carlos Bolsonaro . Nunca tive intimidade com ele. Nunca tive relação qualquer com ele — disse durante o depoimento.
Resposta de ex-secretário irrita presidente e relator
Durante a sessão da manhã desta quarta-feira, tanto o presidente do colegiado quanto o relator se irritaram com uma resposta do ex-secretário, que, questionado sobre as intenções do governo com relação a frases do presidente Bolsonaro contra as vacinas, sugeriu que os senadores direcionam os questionamentos ao presidente.
— Têm que perguntar pra ele — afirmou.
A resposta não agradou nem Aziz, nem Calheiros. O presidente do colegiado advertiu Wajngarten, dizendo que ele estava ali na posição de testemunha.
— Você não pode falar isso aqui, não. Você não pode dizer "pergunte a ele", você está aqui como testemunha, você vai responder sim ou não — disse Aziz.
O ex-secretário logo se desculpou pela postura, e Calheiros lhe respondeu:
— Não precisa pedir perdão, é só responder.
Marcos Rogério, da base do governo, saiu em defesa de Wajngarten, dizendo que o colegiado não poderia induzir as respostas do depoente. Aziz respondeu à declaração de Rogério dizendo que não havia a tentativa de induzir a resposta da testemunha, mas que é necessário que o relator vá "procurando" a verdade no depoimento, defendendo os questionamentos mais duros realizados por Calheiros.
Comportamento do presidente
Wajngarten disse não poder opinar a respeito do comportamento de Bolsonaro sobre medidas que poderiam reduzir a circulação do coronavírus. Ressaltou que "toda morte é dolorida e sofrida", entre elas, fez menção ao falecimento do senador Major Olímpio, ex-aliado do presidente e vítima da covid-19 em março deste ano.
Neste último domingo (9), Bolsonaro reuniu apoiadores para um passeio de moto pelas ruas de Brasília pela duração de cerca de uma hora. Apesar do capacete, Bolsonaro parou para cumprimentar apoiadores com a viseira levantada e sem máscara. Wajngarten, que ocupou o cargo de secretário de Comunicação da Presidência, afirmou que deixou a posição de forma "conciliatória":
— Nenhuma rispidez, nada. Nenhum transtorno, faísca, ou ruído durante a minha saída. Respeito as decisões e assim foi feito.