Em depoimento à CPI da Covid, o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, confirmou que, em reunião no Palácio do Planalto, foi proposta a alteração da bula da cloroquina. Barra Torres relatou que, ao ouvir a proposta, sua reação foi até um "pouco deseducada", já que não haveria cabimento na sugestão de alteração da bula. O depoimento se estendeu por mais de cinco horas.
— Quando houve uma proposta, isso me causou uma reação mais brusca. Isso não tem cabimento, isso não pode — completou.
Ele ressaltou ainda que "estudos apontam a não eficácia" da cloroquina:
— Até o momento as informações vão contra o uso.
O presidente da Anvisa disse que não saberia dizer quem foi o autor original da proposta, mas que percebeu uma "mobilização" por parte da imunologista Nise Yamaguchi, presente no encontro.
— Documento foi comentado pela Nise, o que provocou reação até pouco deseducada (da parte de Barra Torres), de falar que aquilo não poderia ser, só quem pode modificar bula de medicamento é a agência, mas desde que solicitado pelo detentor do registro do medicamento — comentou Barra Torres.
Ele destacou que, para se alterar uma bula de medicamento, é necessário um "pesado dossiê" por parte da fabricante de que a nova indicação tem comprovação científica.
Barra Torres narrou que, depois dessa sugestão ser comentada durante a reunião, no quarto andar do Palácio do Planalto, o encontro não "durou muito".
— Depois dessa proposta, Mandetta (ex-ministro da Saúde) se retirou, e logo depois eu saí, não tenho informação de quem foi o autor. A doutora Nise perguntou da possibilidade e pareceu estar mobilizada com essa possibilidade — relatou o presidente da Anvisa.
Segundo Barra Torres, além de Nise Yamaguchi, estavam presentes da reunião Walter Braga Netto e Luiz Henrique Mandetta — que falou sobre o encontro em depoimento à CPI na semana passada.
— E realmente não tenho na minha memória um registro da presença do ministro Jorge Oliveira e ministro Ramos — finalizou.
Atrasos na chegada do IFA
O presidente da Anvisa também reforçou que existem problemas no recebimento do insumo farmacêutico ativo (IFA) usado na produção de vacinas contra a covid-19.
— Temos visto problemas de demora pontual de chegada da IFA, em especial da China — disse.
Questionado pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL) se as declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre a China, que junto da Índia é um dos principais exportadores do produto, impactam o recebimento do IFA pelo Brasil, Barra Torres disse que não tem informação sobre esse "nexo causal".
— Eu não tenho informação do nexo causal. Mas tem sido noticiado e temos acompanhado (o problema no recebimento do IFA) — disse Barra Torres.
— Temos dois grandes países que detêm primazia na produção do IFA, um a Índia e outro a China. Esses países acabam influenciando um percentual maior que 50% da produção de medicamentos do mundo. Observamos dificuldades, momentos que IFA demora a chegar —afirmou o presidente da Anvisa, segundo quem não existem dados que apontem para uma menor qualidade de produtos advindos da China.
Sputnik V
O presidente da Anvisa também falou sobre a vacina Sputnik V, cuja importação foi negada pela agência em abril deste ano. Ele ressaltou que, apesar disso, a autorização para uso emergencial da Sputnik V ainda está em análise na agência, mas o processo está parado, aguardando documentação. O pedido para a vacina, de desenvolvimento russo, foi protocolado no Brasil a pedido da empresa União Química.
— É muito importante que se entenda que esse processo que fizemos de interrupção ou de negativa da autorização excepcional de importação não deve somar a essa marca Sputnik V nenhum pensamento negativo — reforçou. — Isso faz parte do processo.
— Essas respostas tem que vir do desenvolvedor. Não vejo utilidade de que algum agente busque influenciar — afirmou Barra Torres sobre o imunizante.
— Para a aprovação (da vacina Sputnik) a pressão que há está na mídia. É essa que nós recebemos todos os dias. Não é da mídia, mas por meio da mídia. Acho que todos nós temos assistido os telejornais em que os agentes públicos desejosos de atender bem a sua população têm cobrado e têm feito acionamentos judiciais. A pressão que há é essa: ostensiva, pública e eu não vejo nada demais nisso.
Covaxin
Barra Torres também explicou por que a Anvisa negou o certificado de boas práticas à Covaxin, produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech. Segundo o presidente da agência, faltou o laboratório demostrar a validação da "inativação da vacina" e que não foi demostrada ações necessárias para garantir a esterilização do produto.
A decisão, no entanto, pode ser reavaliada, segundo Barra Torres.
Confiança nas vacinas
No depoimento, Barra Torres conclamou a população que "acredite e confie" nos produtos aprovados pelo órgão regulador, especialmente neste momento em relação às vacinas contra a covid-19 com uso avalizado.
— Então, conclamo a população que acredite e confie nos produtos aprovados pela Anvisa, principalmente, nesse momento tão importante, as vacinas — disse.
— Eu tenho 57 anos, e, embora médico, e portanto já poderia até pleitear a vacinação um pouquinho mais cedo. Mas eu hoje sou um médico gestor, eu não sou mais um médico de atender na emergência, como fiz durante 20 anos. Então, assim que minha faixa etária for contemplada, irei ao posto de saúde e tomarei a vacina que estiver lá aprovada pela Anvisa — afirmou.