As horas seguintes à divulgação do vídeo do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), que fez apologia ao AI-5, foi o mais duro de todos os atos institucionais empregados pela ditadura, e atacou ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), foram marcadas por conversas reservadas entre o presidente Jair Bolsonaro, ministros da Corte e o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL).
Nos bastidores de Brasília, a prisão de Silveira já era dada como certa antes mesmo de a decisão ser assinada pelo ministro Alexandre de Moraes na noite de terça-feira, dado o perfil rigoroso do ministro. Relator dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos, o ministro já mandou para a prisão apoiadores de Bolsonaro por defenderem medidas antidemocráticas. Silveira foi preso no âmbito do primeiro e denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) dentro do segundo.
Enquanto o vídeo de 19 minutos do parlamentar alcançava grande audiência nas redes sociais e repercutia entre integrantes do Poder Judiciário, Lira telefonou para o presidente Jair Bolsonaro, de quem Silveira é aliado. Buscava uma avaliação do chefe do Planalto sobre o conteúdo publicado. Um parlamentar que acompanhou o diálogo contou ao Estadão que Bolsonaro, um ávido usuário das redes sociais, se limitou a responder que não sabia de gravação alguma e encerrou a conversa.
O presidente da Câmara também tentou conversar com Moraes, mas num primeiro momento foi informado que o ministro estava viajando. Quando ele conseguiu o contato a ordem de prisão já estava assinada. Interlocutores de Lira avaliaram que nenhum diálogo teria evitado a disposição do ministro. No vídeo, o deputado levanta suspeitas sobre a atuação de Moraes na Corte.
— Será que você permitiria a sua quebra de sigilo temático? A sua quebra de sigilo bancário? — questionou Silveira.
Conforme relatos colhidos pelo Estadão com envolvidos nas conversas, coube ao ministro Gilmar Mendes fazer chegar a Lira a péssima repercussão dentro da Corte. Diante disso, o presidente da Câmara discutiu em reunião com interlocutores propor um acordo. Ele pediria desculpas públicas ao Supremo, ressaltando que a posição beligerante de Silveira não representava o entendimento majoritário na Casa. Seria uma tentativa de colocar panos quentes, dissociar a Casa das ameaças feitas pelo parlamentar e evitar que os deputados tenham que decidir se mantêm ou não uma ordem da Corte, referendada na tarde de quarta pelos 11 ministros.
Dessa forma, o episódio seria tratado como um problema interno da Câmara, que poderia ser resolvido pelo Conselho de Ética. Lira, contudo, não topou incluir no pedido de desculpas uma sugestão vinda de interlocutores do Supremo para criticar diretamente o deputado Daniel Silveira. Alegou que, apesar de discordar, ele tem direito como parlamentar a se manifestar. Com isso, quem tentava ajudar na interlocução desistiu.
Após tantos telefonemas, o desfecho do caso é considerado imprevisível. De um lado, a votação unânime do Supremo, chancelando a posição de Moraes, mostrou unidade do tribunal, pelo menos quando se trata de ataques antidemocráticos.
De outro, com boa parte de parlamentares — inclusive o presidente da Câmara — sendo investigados pelo próprio Supremo, há quem questione se a maioria dos parlamentares está realmente disposta a derrotar 11 ministros do STF em nome de um dos expoentes do bolsonarismo radical.
Na sessão do STF que chancelou a prisão de Silveira, o ministro Marco Aurélio Mello destacou que caberá à Câmara avaliar "não um ato individual" de um ministro, mas um "ato do colegiado, que, imagino, formalizado a uma só voz".
— Estou com 74 anos de idade, 42 em colegiados judicantes, e jamais imaginei que uma fala pudesse ser tão ácida, tão agressiva, tão chula, no tocante às instituições — resumiu.
Crimes atribuídos ao parlamentar
Estado de Direito: tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o estado de direito. Pena: reclusão, de 3 a 15 anos.
Exercício dos Poderes: tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer um dos Poderes da União ou dos Estados. Pena: reclusão, de 2 a 6 anos.
Publicidade da violência: fazer, em público, qualquer propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social. Pena: detenção, de 1 a 4 anos.
Subversão da ordem: incitar a subversão da ordem política ou social; a animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis. Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.
Calúnia, difamação: caluniar ou difamar o presidente da República, do Senado, da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação. Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.